O Sofrimento de Seu Homero. (por Antônio
Samarone)
A idade está agravando a minha impaciência.
Para evitar aborrecimentos dirigindo, estou indo para a UFS de Uber. A semana
passada peguei o carro de um conhecido de infância: Carlos Homero, contemporâneo
do Colégio Murilo Braga.
Fiquei em dúvida, mas arrisquei.
Eu lhe conheço! Você não é o filho de seu Alípio, da Lagoa do Forno? Exatamente,
disse ele. Puxei logo conversa. E aí, está gostando desse trabalho no Uber?
Fazer o quê, não tive saída. E aí ele começou a me contar:
Você lembra que eu sou formado em
química industrial? Eu não lembrava! Trabalhei muito tempo em Camaçari, na
Bahia, numa firma terceirizada. Fui sindicalista, enfrentei corajosamente a
exploração. Odiava os gerentes. Nunca furei greve. Perdi o emprego há dois
anos.
Voltei para Aracaju. Tentei botar
uma pizzaria para sobreviver, não deu certo. Fui gastando o dinheiro que tinha.
Vendi o apartamento na Bahia, e comprei um bem menor aqui em Aracaju. Vendi o
carro. E fui fazendo a feira com o dinheiro. Até acabar. Chegou um momento que
bateu o desespero.
Eu, para parecer gato mestre,
filosofei: as condições sociais do capitalismo global, pós-moderno, produzem indivíduos
dispensáveis, sem teto e sem emprego, pessoas excluídas da ordem civilizatória.
Acho que ele nem prestou a
atenção ao que eu disse, e voltou com a questão do desemprego.
Precisava pagar as minhas contas.
Aluguei esse carro, e me cadastrei no Uber. Pensei, agora vou trabalhar por
minha conta, ninguém manda mais em mim. Pensei que era livre, hoje eu sou um
morto vivo! Eu concorro comigo mesmo, interiorizei uma necessidade de superação
absurda.
Agora que eu descobri que o capitalismo
mudou a forma de exploração. Eu virei um empreendedor de mim mesmo, servo e
senhor ao mesmo tempo. Trabalho para um aplicativo que eu não sei de onde peste
veio. Levo a auto exploração ao extremo, para não me sentir um fracassado. Estou
trabalhando 16 horas por dia, para ver se sobra alguma coisa.
A responsabilidade de ser bem-sucedido
me escravizou. Não suporto a sensação de não estar dando conta de prover a
minha casa, de envergonhar os meus filhos. Do que eu ganho, primeiro pago o
aluguel do carro, tiro o da gasolina, o aplicativo tira o dele, o cartão de
crédito come uma beirinha; vivo da merreca que sobra.
O meu trabalho é repartido com
muita gente. Já me acordo cansado. Comecei a ficar triste, com insônia,
ansioso, e ainda tenho que ser muito educado com os passageiros. Depois eles me
avaliam. E bem ou mal, foi isso o que me restou. Nem os jogos do Vasco eu tenho
mais tempo para assistir. Eu preciso de um remédio para dormir. Será se estou com
depressão?
Eu cá comigo, na verdade o senhor
precisa é de descanso, qualidade de vida e felicidade. Porra de remédio! Na nova
realidade do trabalho das economias neoliberais, o trabalhador se transformou
num servo absoluto, na medida que sem um senhor, ele explora voluntariamente a
si mesmo. Somos todos dominados por uma ditadura do Capital.
Já estávamos chegando a UFS, e ele
ainda tinha muita coisa para me contar. Seu Homero, essa sua ansiedade pode ser
o começo da síndrome de Burnout, procure um especialista. Samarone, eu não
posso comprar um sonrisal, vou procurar médico?
Vá aos CAPS da Prefeitura, lá por
enquanto é de graça. Minha mulher já procurou saber. Os CAPS de Aracaju estão
sem psiquiatras desde os tempos de João Alves. Exagero, eu pensei!
Pequei o telefone de Seu Homero,
e estou vendo. Na verdade, Psiquiatra no SUS em Aracaju tá difícil mesmo, nem
com reza. Já falei com um colega, ele vai atendê-lo em seu consultório
particular.
“Por falta de repouso nossa
civilização caminha para uma nova barbárie.” – Nietzsche.
Antônio Samarone.
Todo dia vivenciamos está situação, você materializou. São tantos os Severínia.
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