Acabaram a Rua do Fato (por Antônio
Samarone)
Acabo de saber que a Rua do Fato
vai ser asfaltada e iluminada com LED. Tomei um choque! Em Itabaiana os pobres
moravam em três ruas faladas: Beco Novo, Rua Nova e Rua do Fato. Eu morei em
duas. A mais pobre era a Rua do Fato.
Quando me mudei, rapazinho, saindo
do Beco Novo, a Rua do Fato era de chão batido. Para entrar em casa, eu
precisava fazer uma volta, pois o esgoto a céu aberto tinha mais de metro de
largura. O mato tomava conta do resto. No final da rua, que só tinha dois
trechos, num beco, moravam as fateiras e os magarefes, que davam nome ao
logradouro. Não é Fato de "acontecimentos" é Fato de "tripas."
A memória é sempre seletiva. A
casa que eu morei está lá: Rua do Fato, 60. Na vizinhança, Dona Tereza do
hospital, Neuzete e seus filhos, Genaro carroceiro, Dona Dezira, com um lote de
meninos (Roberto, Pitu, Dejo e Zé de Pila); e um moça muito bonita (Rosa de
Dezira). Os ricos tudo de olho em Rosa.
Defronte era Dona Aliete, mãe de
Zé Antônio, Cori e Jiva (esse o mais valente). Jiva era afilhado de meu pai,
mataram cedo. Jiva era de briga, disposto. Zé Antônio, bom de bola, o craque do
Cruzeiro da Rua do Fato. Vizinho a dona Aliete, morava Tonho das Porcas.
Na esquina era Dona São Pedro e
seus filhos gordos (Thiago, Tota e Cacau). Eram os gordos da Rua do Fato. Ao
lado, o deposito de verdura de Joãozinho de Culino, onde meu irmão trabalhava.
Na esquina contrária, Pinico Sem Tampa consertava rádio. Não esqueci de Seu
Vicente.
Nas proximidades, a bodega de Zé
de Chico, o ponto de encontro da molecada, para se jogar conversa fora. No
outro trecho, na esquina, residia o morador mais famoso: Candinho da Rua do
Fato. Era em sua residência que a Chegança de Zé de Biné ensaiava. Candinho era
alta patente na Chegança. Se dizia que Candinho só calçava sapatos no dia da
eleição. E era verdade!
A cidade exalava preconceito contra
a rua do Fato, só se dizer morador já era discriminado. Mas de longe, depois
desse tempo, afirmo com convicção: era tudo gente do bem. Pessoas generosas na
pobreza, de uma rudeza pura. Mamãe dizia por onde andava: a Rua do Fato é uma
maravilha, e ainda é perto do Ginásio (Colégio Murilo Braga).
As ruas eram comunidades, com
seus jeitos, valores e culturas. As ruas eram locais de encontros e
convivências. Nos condôminos de classe média as pessoas mal se cumprimentam nos
elevadores.
É essa rua do Fato de minha
memória que o Prefeito Valmir de Francisquinho decidiu acabar. Vai asfaltar,
canteiro central arborizado (já tá feito) e iluminar com LED. Vai nascer a rua
Itaporanga (a rua do Fato acabou). Não sou contra o progresso, mas duvido que na
nova comunidade da Rua Itaporanga, as suas crianças, tenham a metade da felicidade
que tivemos na esburacada Rua do Fato.
Antônio Samarone.
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