segunda-feira, 27 de maio de 2019

ACABARAM A RUA DO FATO


Acabaram a Rua do Fato (por Antônio Samarone)

Acabo de saber que a Rua do Fato vai ser asfaltada e iluminada com LED. Tomei um choque! Em Itabaiana os pobres moravam em três ruas faladas: Beco Novo, Rua Nova e Rua do Fato. Eu morei em duas. A mais pobre era a Rua do Fato.

Quando me mudei, rapazinho, saindo do Beco Novo, a Rua do Fato era de chão batido. Para entrar em casa, eu precisava fazer uma volta, pois o esgoto a céu aberto tinha mais de metro de largura. O mato tomava conta do resto. No final da rua, que só tinha dois trechos, num beco, moravam as fateiras e os magarefes, que davam nome ao logradouro. Não é Fato de "acontecimentos" é Fato de "tripas."

A memória é sempre seletiva. A casa que eu morei está lá: Rua do Fato, 60. Na vizinhança, Dona Tereza do hospital, Neuzete e seus filhos, Genaro carroceiro, Dona Dezira, com um lote de meninos (Roberto, Pitu, Dejo e Zé de Pila); e um moça muito bonita (Rosa de Dezira). Os ricos tudo de olho em Rosa.

Defronte era Dona Aliete, mãe de Zé Antônio, Cori e Jiva (esse o mais valente). Jiva era afilhado de meu pai, mataram cedo. Jiva era de briga, disposto. Zé Antônio, bom de bola, o craque do Cruzeiro da Rua do Fato. Vizinho a dona Aliete, morava Tonho das Porcas.

Na esquina era Dona São Pedro e seus filhos gordos (Thiago, Tota e Cacau). Eram os gordos da Rua do Fato. Ao lado, o deposito de verdura de Joãozinho de Culino, onde meu irmão trabalhava. Na esquina contrária, Pinico Sem Tampa consertava rádio. Não esqueci de Seu Vicente.

Nas proximidades, a bodega de Zé de Chico, o ponto de encontro da molecada, para se jogar conversa fora. No outro trecho, na esquina, residia o morador mais famoso: Candinho da Rua do Fato. Era em sua residência que a Chegança de Zé de Biné ensaiava. Candinho era alta patente na Chegança. Se dizia que Candinho só calçava sapatos no dia da eleição. E era verdade!

A cidade exalava preconceito contra a rua do Fato, só se dizer morador já era discriminado. Mas de longe, depois desse tempo, afirmo com convicção: era tudo gente do bem. Pessoas generosas na pobreza, de uma rudeza pura. Mamãe dizia por onde andava: a Rua do Fato é uma maravilha, e ainda é perto do Ginásio (Colégio Murilo Braga).

As ruas eram comunidades, com seus jeitos, valores e culturas. As ruas eram locais de encontros e convivências. Nos condôminos de classe média as pessoas mal se cumprimentam nos elevadores.

É essa rua do Fato de minha memória que o Prefeito Valmir de Francisquinho decidiu acabar. Vai asfaltar, canteiro central arborizado (já tá feito) e iluminar com LED. Vai nascer a rua Itaporanga (a rua do Fato acabou). Não sou contra o progresso, mas duvido que na nova comunidade da Rua Itaporanga, as suas crianças, tenham a metade da felicidade que tivemos na esburacada Rua do Fato.

Antônio Samarone. 

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