Erva santa e Erva maldita. (por Antonio Samarone)
O tabaco (Nicotiana tabacum), ou “petum”, “petyn” para os Tupinambás, era uma planta medicinal e mítica. Já foi considerada uma erva santa. “Enchendo de fumo um canudo formado de folhas de palmeiras, o pajé fumegava o índio dizendo-lhe: recebei a força do espírito”. O embaixador francês em Portugal, João Nicot (nicotina), enviou para a França, em 1560, um pouco de tabaco em pó, para curar as enxaquecas de Catarina de Medicis.
Em 1557, o franciscano André Thevet, assim descreveu o uso do tabaco pelos Tupinambás: Outra singularidade americana é uma erva que os índios chamam de petum. Trazem-na os selvagens ordinariamente consigo, em virtude do maravilhoso proveito que tiram dela. O petun é muito saudável, por destilar e consumir os humores do cérebro. Além disso, aspirado, mitiga por algum tempo a fome e a sede.
Quando os índios tinham algum assunto a tratar entre si, tiravam fumaradas, depois falavam, fumavam o cachimbo da paz. Em vista das virtudes que lhe são atribuídas, gozava esta erva de grande estima entre os selvagens. O fumo também possuía propriedades sobrenaturais, narcóticas, terapêuticas e míticas.
Os Tupinambás traziam sempre a erva santa na boca, mascavam com o intuito de secar as umidades do cérebro; e as vezes engoliam, para limpar o estômago de cruezas, que saem por meio do arroto. Os índios acreditavam que engolindo o fumo, ficavam alegres, joviais e prevenidos contra a tristeza e a melancolia.
O fumo acompanhava os Tupinambás ao túmulo, como nos conta o Frei Vicente do Salvador:
Quando morre um principal, o untam todo de mel e por cima do mel, penas coloridas de pássaros; põem-lhe uma carapuça com todos os enfeites que costumavam usar em suas festas; fazem-lhe uma cova muito funda e grande, onde lhe armam a sua rede e o deitam enfeitado com o seu arco e flechas, tacape e tamaracá (cabaço com pedrinhas); põem-lhe de comer em um alguidar e a água em uma cabaça; e na mão uma canguera, que é um canudo feito de palma, cheio de tabaco.
Na segunda metade do século XX, a medicina descobriu os males do tabaco. O fumo causa ou predispões ao infarto, AVC, bronquite, enfisema, câncer, etc. etc. Foi um desespero para a Saúde Pública, a antiga erva santa se transformou numa erva maldita.
Já com a antiga erva maldita, a erva do demônio, a Canabis sativa, marijuana, maconha; planta de origem africana; cercada de preconceitos, condenada e perseguida pela polícia; a medicina está encontrando diversas propriedades terapêuticas, virou uma erva medicinal. Além das propriedades psicoativas.
Hoje o mundo reconhece as propriedades medicinais da maconha. A antiga erva maldita já tem o consumo liberado em vários países. A Marlboro já criou uma linha de produção, e em breve a maconha estará à venda nas redes de supermercados e botecos.
São as voltas do mundo: a erva que era santa virou maldita, e a erva maldita pode virar santa.
Antonio Samarone.
Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirÓtimo tema a ser abordado nos dias atuais, inclusive com a volta do samba enredo dos gaviões da fiel.