A medicina, Antonio Conselheiro e
Canudos. (por Antônio Samarone)
O massacre de Canudos é
indefensável. Doze mil soldados, com fogo cerrado e bala de canhão, arrasaram
um Arraial de gente pobre no Sertão da Bahia, no triste 05 de outubro de 1897.
Os que sobraram (mais de trezentos), velhos, mulheres, doentes, crianças, foram
recolhidos e fuzilados a sangue frio, no dia seguinte.
Desenterraram Antonio Conselheiro
(15 dias de morto), cortaram a cabeça, e levaram para estudos em Salvador. O
corpo foi exumado pelo Dr. Miranda Cúrio, Major, chefe da expedição médica em
Canudos. O crânio foi entregue aos cuidados científicos do Dr. Raimundo Nina
Rodrigues, no Laboratório de Medicina Legal da Bahia. Valendo-se da metodologia
de Cesare Lombroso, criminologista italiano (1835-1909); o exame antropométrico
da cabeça do Conselheiro não apresentou anomalias criminais.
Um resumo do laudo de Nina
Rodrigues: “O crânio de Antônio Conselheiro não apresenta nenhuma anomalia que
denunciasse traço de degenerescência, é um crânio de mestiço, onde se associam
caracteres antropológicos de raças diferentes... É um crânio dolicocéfalo e mesorrino,
quase sem dentes, e com notável atrofia das arcadas alveolares. Tem uma
capacidade de 1.670 cc, tendo o encéfalo o peso de 1.452 gramas.
Como justificar essa ignomínia? A
medicina se apressou numa explicação. Um dos seus maiores intelectuais, o Dr.
Nina Rodrigues, fez publicar na imprensa especializada um texto assustador (A
Loucura Epidêmica de Canudos - 1897). Parte dos argumentos do médico cientista
perdura até hoje.
O Dr. Nina Rodrigues, foi
taxativo: “Antonio Conselheiro é um simples louco”! A partir do enquadramento,
o ilustre médico passou a analisar a vida do beato, desde a juventude em
Quixeramobim. Vamos acompanhar o raciocínio do médico:
“No caso de Antonio Maciel (Conselheiro),
o diagnóstico de delírio crônico, de psicose sistemática progressiva, de
paranoia primária, etc., não requer para se firmar mais do que a longa
sistematização de quase trinta anos, e a transformação contemporânea do simples
enviado divino no próprio filho de Deus.”
Continua o Dr. Nina Rodrigues:
“Pregando contra o luxo, contra
os Maçons, fazendo queimar nas estradas todos os objetos que não pudessem
convir a uma vida rigorosamente asceta, Antonio Conselheiro anormaliza
extraordinariamente a vida pacífica das populações agrícolas e criadora da
Província, distraindo-as das suas ocupações habituais para uma vida errante e
de comunismo em que os mais abastados cediam os seus recursos em favor dos
menos protegidos da fortuna.”
O diagnóstico médico sobre a
loucura de Conselheiro, somente, não justificaria a destruição selvagem do
Arraial do Belo Monte, com mais de 25 mil habitante. Nina Rodrigues sabia disso!
Era preciso explicar porque esses sertanejos seguiram esse “louco”. A medicina não
se intimidou, deu uma explicação.
Nina Rodrigues defendeu que houve
uma epidemia de loucura, uma loucura coletiva. A transmissão do delírio foi
facilitada por razões genéticas; predisposição agravada pelo esgotamento
orgânico, a miséria, as doenças, as intoxicações e os vícios debilitantes.
Na visão de Nina Rodrigues, esses
jagunços fanatizados, o mestiço do Sertão, com ascendentes selvagens, índios e
negros, levando uma vida livre e com uma civilização rudimentar era avesso a
catequese. Nina Rodrigues justificava essa dificuldade de converte-los pela persuasão
religiosa; sendo tarefa mais fácil e expedita destruir os recalcitrantes a
bala.
Em resumo: Canudos tratava-se de
uma concentração de jagunços fanáticos, conduzido por um louco; que num momento
de surto coletivo, de uma epidemia de loucura, ameaçou a nascente República. A
destruição foi a única saída, na visão da medicina.
Essa tese, hoje absurda,
cientificamente respaldada pela medicina, foi o eixo condutor de muitos
escritos históricos. A partir de José Calazans, Ataliba Nogueira e tantos outros,
novas interpretações estão sendo produzidas, surgindo uma outra história de
Canudos.
Nina Rodrigues (foto) é maranhense,
faleceu em Paris, em 17 de julho de 1906, aos 43 anos.
Antônio Samarone.
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