A Medicina dos Tupinambás. (por
Antonio Samarone)
Na Idade Média, os cirurgiões do
Velho Mundo curavam todos os males a ferro e a fogo. Os Tupinambás não
conheciam o ferro, os seus pajés limitavam-se ao fogo. Quase todas as mazelas
eram tratadas com o fogo (compressa quente e banho de luz). No caso da varíola,
eram feitas valas forradas com fogo e brasas, cobertas com varas. Os doentes
deitavam-se sobre essas varas, o tempo necessário para a cura. Muitos sucumbiam
antes. Os jesuítas não sabiam como lidar com a varíola.
A sucção e o assopro também eram
técnicas usadas pelos pajés. A importância do sopro é bíblica, lembram-se como
Deus criou o homem? Se o pajé soprar a parte lesada, expele o mal. O sopro
continua sendo usado pela medicina, é indispensável nos casos de reanimação
cardiopulmonar (a compressão e o assopro podem devolver a vida). Na cosmogonia
macuxim, Tupan assopra nas narinas de um boneco de barro.
Nos diz o beato Anchieta: “Estes
feiticeiros e outros que não chegam a tanto, costumam esfregar, chupar e defumar
os doentes nas partes lesadas e dizem que com isto os saram. E disto há muito
por aqui...”
Sugavam os pontos que doíam, os
lugares ulcerados, as partes feridas. Sugavam o ferimento das mordidas de
cobra. Sugavam o fleimão, apostemas e perebas, para retirar o pus. Sugavam as
feridas das flechadas. Uma drenagem natural e humana. Chupar sempre foi um
recurso mágico.
A salva e a urina, como remédios
naturais, foram usadas habitualmente pelos Tupinambás. O cuspe aplicava-se nos
ferimentos como antisséptico e cicatrizantes. Aliás, essa prática continua
popular. Quem não lambe as próprias feridas? O cuspe continua de grande
serventia. A urina era utilizada para acalmar as dores no ventre, além ser um
potente e infalível emético, usado para se provocar vômitos. Hoje já existem
outros recursos.
Usavam os Tupinambás a
hidroterapia dos romanos. O banho era um recurso terapêutico. Quando a febre aumentava,
os índios atiravam-se na água fria. As massagens faziam parte do arsenal
terapêutico. Nos conta Lycurgo: “o pajé molha as mãos com saliva, caldas de
ervas, cinza quente, apalpa e fricciona fortemente o corpo paciente,
provocando-lhe pela ação mecânica dores, suores profusos e até dejeções.”
O Jejum era outro recurso
terapêutico, como prescreve as grandes religiões do mundo. Américo Vespúcio
anotou: “quando enfermavam gravemente, os índios eram conduzidos para longe
numa rede; bailavam ao redor do doente, deixando-o sem alimento por quatro dias
ou mais.” Procedimento, aliás, de grande resolutividade.
Por fim, os Tupinambás faziam
grande uso da fitoterapia. Disse Martius: “A mata é a farmácia desse povo”. Não
por coincidência, foi no Século XVI que teve início a botânica cientifica. Em
sua magnífica obra, “Systema Materia Medicae Vegetalis Brasiliense”, o mesmo
Martius descreveu 470 plantas medicinais, das quais, mais de uma centena era
usada pelos índios. Vários princípios ativos dessas plantas foram incorporados
a farmacopeia moderna.
Nesse passeio pela medicina dos
Tupinambás, se observa um sistema organizado e coerente com as crenças e visões
que eles professavam, sobre as suas doenças. Essa narrativa ensinada nas
escolas de que eram selvagens, primitivos; de quem se duvidava se eram mesmo
humanos, se tinham alma; foi a forma encontrada pelos portugueses para praticarem
o genocídio e o etnocídio, sem o menor peso na consciência cristã.
Antonio Samarone.
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