sábado, 6 de janeiro de 2024

INSONIA CÔSMICA


 Insônia cósmica.
(Por Antonio Samarone)

O que mais espero da noite é que ela acabe. Tento às seis horas prescritas pela medicina, sob ameaça de ver o corpo acelerar a decomposição. Nada me consola!

Releio Álvaro de Campos:

“Não durmo, nem espero dormir. Nem na morte espero dormir. Espera-me uma insônia da largura dos astros, E um bocejo inútil do comprimento do mundo.”

“Não durmo. Não durmo. Não durmo. Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma! Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!”

“Ó madrugada, tardas tanto... Vem... Vem, inutilmente, Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...”

“O meu cansaço entra pelo colchão dentro. Doem-me as costas de não estar deitado de lado. Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.”

“Vem, madrugada, chega! Que horas são? Não sei.”

Não é angustia, ansiedade, remorso, preocupação, sonho, nada, o córtex está em silêncio, não produz um mísero pensamento. Acho que o meu cérebro está dormindo, caladinho, fingindo-se de morto.

Só a minha alma não dorme. No máximo, cochila. Não é uma alma aflita, apenas permanece de plantão. Um plantão inútil. A minha alma não reclama, não pede, não insinua. Apenas não dorme.

Nos curtos momentos de sono, os sonhos aparecem. São sonhos bestas, nada surreal, improvável. Sonhos rasteiros. Não existem mais os antigos sonhos com vacas magras e vacas gordas, como os de José do Egito. Os Faraós não contam mais com isso.

Os sonhos na Era digital são simplórios. Pau/pau, pedra/pedra, sem metáforas. Não precisam mais de pitonisas para decifrá-los. Morfeu está morto.

Um velho frade, primo em segundo grau, defende que a minha insônia pode ser medo e desconfiança. Medo de quem? Segundo ele, a minha alma não confia mais em meu corpo. Ela acha que a qualquer momento, uma veia entope.

Será?

A minha alma sempre foi autônoma, nunca se submeteu aos meus conselhos. Nada, nada adianta! Antes se contava carneirinhos para enganar a alma, hoje, elas perceberam que é truque.

Resisto aos soníferos, talvez por vaidade.

Depois de muita insistência, pego no sono. Logo acordo! Durmo e acordo duzentas vezes por noite. Não há reza, homeopatia, medicina por evidência nem bruxaria que resolva. A insônia é um mal incurável.

Quando eu era jovem temia o sonambulismo, a histeria, o dnv e a hipnose. Hoje, o mal é a insônia.

Estou suspeitando que a morte seja uma insônia eterna, onde vagaremos pelas trevas cósmicas. Sem rumo. Pior não deve ser!

Pelo sim e pelo não, o bom é eu ir me acostumando.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

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