Os manuscritos de Zeca Cego. (por
Antônio Samarone)
Foram encontrados nos escombros
da igreja velha, no povoado Cova da Onça, um velho caderno que se acredita ter
pertencido ao mais antigo comunista de Itabaiana.
Transcrevo para os curiosos,
alguns trechos soltos do manuscritos, sem pretensões de expressar um pensamento
unitário, com começo meio e fim. São anotações avulsas.
Escreveu o velho Zeca Cego:
Todo revolucionário acaba como
opressor ou herege.
O culto Jacobino da razão, racionalizou
até a irracionalidade...
Prometeu foi o primeiro homem a
rebelar-se contra os castigos divinos. Ele não aceitava a punição. Clamava o
seu ódio aos deuses, voltou-se para os homens, incentivando-os a tomarem o céu
de assalto.
A revolução francesa matou o Rei,
a filosofia alemã matou Deus! Os jacobinos pregavam a virtude absoluta, mas foram
obrigados a matar.
A filosofia de Hegel destruiu
toda a transcendência. Deus estava morto, mas era preciso sepultar a moral dos
princípios onde se encontrava a memória de Deus. Toda a moral se tornou
provisória.
A moral e os princípios foram
substituídos pelos fatos.
Darwin substituiu Linneu e Hegel
substituiu toda a filosofia idealista. Era o fim da natureza humana definitiva.
Através da dialética, o homem se transformou num processo em construção. O
homem passou a ser uma aventura, da qual é em parte o criador.
Se não existe natureza humana, a
maleabilidade é infinita. O homem pode ser tudo ou nada. Freud restabeleceu ID,
o inconsciente.
O homem aspirou a divinização, nasceu
o humanismo. Segundo Hegel, a luta passou a ser pelo reconhecimento do outro. A
luta só irá cessar com o reconhecimento de todos por todos. É o fim da
história.
Ocorre que nada é capaz de
desencorajar o apetite pela divindade no coração humano.
A consciência que, para preservar
a vida animal, renuncia a vida independente é a consciência do escravo. Quem
nunca leu Hegel, não entenderá Marx.
Lenin subordinou a espontaneidade
das massas a teoria, baniu a moral da revolução. Ele acreditava que o poder
revolucionário não precisava respeitar os dez mandamentos.
Lenin só acreditava na virtude da
eficácia, combatia todas as formas sentimentais da ação revolucionária. Ele não
esquecia a derrota da Comuna de Paris.
Ocorre que a revolta humana é a
recusa em ser tratado como coisa, de ser reduzido a simples história. A
natureza humana escapa ao mundo do poder. É uma revolta metafísica!]
Zeca Cego terminou quase místico,
não perdia nem as trezenas de Santo Antônio, nem as vias-sacras, onde ele
brandia com fervor a sua matraca enferrujada.
Antônio Samarone.
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