Mania de Doença...
(por Antonio Samarone)
(por Antonio Samarone)
Parodiando Macunaíma, “pouca saúde e muitas farmácias, são os males do Brasil”.
Quantas farmácias funcionam em Aracaju? Comecei a contar, parei em seiscentas. Todas com filas, lotadas de gente. Para vender remédios não existe tempo ruim...
Como explicar esse consumo desenfreado de drogas farmacêuticas?
Fiz uma pesquisa entre os conhecidos da minha faixa etária (acima de 60 anos), perguntando quem tinha tomado algum remédio nos últimos trinta dias. Entre 117 pessoas consultadas, 106 tinham usado e 83 tomaram mais de um medicamento. Eu consumo dois continuadamente.
A conclusão é óbvia: não existe mais ninguém sadio. Ou todos estamos doentes, ou somos todos hipocondríacos.
Historicamente, a hipocondria era incluída na classe das doenças vesânicas, como um desarranjo das faculdades intelectuais.
Hipócrates conhecia a hipocondria (séc. IV aC). O pai da medicina acreditava que a hipocondria se associava frequentemente com a melancolia. Vale a pena conhecer a descrição que ele fazia:
“O hipocondríaco melancólico parece ter em suas vísceras um espinho encravado; a náusea o atormenta; ele foge da luz e dos homens, ele ama as trevas; ele é tomado pelo medo; a caixa frênica é saltada para o exterior; sente dores quando tocado; ele tem medo, tem visões aterradoras, sonhos terríveis, e, as vezes vê os mortos. Normalmente a doença ataca na primavera.”
Galeno acreditava que a hipocondria era uma doença da alma.
O grande Thomas Sydenham (1749) achava que a hipocondria predominava entre os homens e tinha a mesma origem cerebral da histeria, esta predominante nas mulheres.
Segundo Freud, na hipocondria há a retirada do investimento libidinal dos objetos, concentrando-se no corpo a atenção às sensações aflitivas e penosas.
Schreber, paciente de Freud, apresentava um quadro de hipocondria: duvidava de seu peso, acreditava estar morto e em decomposição e afirmava que seu cérebro estava amolecendo.
No CID-10, a hipocondria está diluída em Transtornos Somatoformes e é caracterizada como uma preocupação persistente, com a presença de uma ou mais doenças graves e progressivas, por mais de seis meses. Mesmo quando existem evidências de exagero.
A hipocondria virou um termo pejorativo. Ninguém se reconhece hipocondríaco.
Os médicos, por sua vez, não vão espantar um cliente cativo, quase um freguês, dizendo que eles não padecem de nada e que estão sadios. As farmácias precisam cativar esse consumidor obsessivo de medicamentos.
Ninguém se interessa pelo sofrimento dos hipocondríacos.
É mais cômodo tratar as supostas doenças que os hipocondríacos padecem, do que perder tempo em convencê-los que estão sadios. Os hipocondríacos fogem da saúde.
Mais recentemente surgiu o hipocondríaco probabilístico. Este pode até aceitar que não tem as doenças, mas não renuncia à crença que está sob intenso risco, e que a qualquer momento as doenças aparecerão. Não custa nada começar a consumir os fármacos, preventivamente.
O desejo de antecipar o futuro é atávico.
Antigamente, procurávamos os profetas, adivinhos, pitonisas e áugures, recorríamos aos sonhos, presságios, horóscopos, vaticínios, prenúncios, búzios, cartas e bolas de cristal.
Recorremos hoje à medicina, para identificarmos as doenças antecipadamente. Centrados nas ciências, nas estatísticas e na probabilidade, os médicos encontram evidências sobre as nossas doenças futuras, através dos códigos, mensagens, sinais e riscos.
A medicina criou o hipocondríaco futurista: “Eu posso até aceitar que ainda não estou doente, mas com certeza em breve estarei.”
Está cada vez mais difícil “morrer de velho” !
Antonio Samarone.
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