O gordo feliz. (por Antônio Samarone)
Seu Conrado da Matinha (93 anos),
1,78 cm, 105 kg. Só rolou uma conversa no velório: não se diz que a gordura
mata, cadê?” Seu Conrado já nasceu gordo, e só morreu porque chegou a hora, e
da hora ninguém passa.
Comecei a lembrar: em pouco
tempo, a gordura passou de dádiva a maldição.
Numa sociedade onde a fome e a
desnutrição dominavam, a gordura de Seu Conrado era vista como um sinal de
riqueza, poderio e ascendência. Parecia um Major...
A preocupação era com quem
emagrecia: viu fulano, magro e amarelo, só tem o couro e o osso, deve estar com
alguma doença grave. Deus queira que não seja tuberculose.
Os gordos eram sadios e rosados. A
barriga era do burguês, do chopp, da boa vida. Claro, com exceção dos muitos
gordos (Tota, Cacau e Thiago).
Apesar da gula ser um pecado
capital, saúde era barriga cheia. O jejum era sacrifício, ritual da semana
santa.
O Seu Conrado só vivia de bom
humor, uma graça, uma tirada na ponta da língua. Seu Conrado era um homem
espirituoso. Cheio de chistes...
O prestígio do gordo começou a
cair quando ele virou obeso. Só pelo nome, obesidade, não pode ser coisa boa. O
obeso é improdutivo. Em pouco tempo a gordura virou doença e o magro virou
esbelto.
Existem gordos bonitos, mas obeso
eu não conheço. O obeso é o gordo triste, que não se aceita, que só pensa em
dieta e bariátrica.
A química invadiu os alimentos,
que passaram a ser analisados por especialistas. O que se pode e o que não se pode
comer depende deles. A sorte é que eles mudam de opinião semanalmente.
Além de pesados e medidos, os obesos
passaram a ser um risco, uma iminência mórbida. Em pouco tempo a obesidade virou
epidêmica, um grave problema para a Saúde Pública.
Hoje se padece de uma obesidade
científica, medida pela circunferência abdominal. Uma obesidade resistente a
toda e qualquer dieta, onde a consciência é o que mais pesa. Uma obesidade que
virou provação e martírio.
Seu Conrado foi o último gordo
feliz, que nunca quis ser magro.
O obeso tornou-se objeto de
denúncia, da vigilância alheia. Todos se acham no direito de admoestá-lo: se
cuide, cabra veio! Muitos pensam com satisfação: pelo menos não cheguei a esse
ponto.
Seu Conrado cagava e andava para
essas conversas bestas. Era um gordo assumido.
Se morre um magro, todos atribuem
aos caprichos da morte, que age aleatoriamente; se morre um gordo, a condenação
é geral, também, queria o quê, gordo daquele jeito. Não dizem, mas muitos
pensam: foi bem-empregado!
A morte de Seu Conrado, gordo e aos
93 anos, não ensejou até agora observações moralistas. Destoava. Foi quase uma
festa. Cada um tinha um “causo” para contar do gordo feliz.
Antônio Samarone.
muito bom.
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