Assim falou Pedro de Anita. (por Antônio
Samarone)
Um dos males da velhice, da
inatividade obrigatória, é o fim dos domingos, feriados e dias santos. Os dias
tornam-se iguais. Natal, São João, Carnaval, tudo vira um segunda-feira cinzenta.
O feriadão só é dadivoso para quem trabalha por necessidade.
Pedro gostava do ócio em si, do
ócio pelo ócio. Para ele, todos os dias eram santos.
Pedro só usava óculos com armação
de “casco de tartaruga”, escuras, pesadas, daquelas que envelhecem as
aparências em pelo menos 20 anos. Para evitar a falsidade natural dos amigos nos cumprimentos: “como
você está novo, não envelhece, qual é a fórmula?”
Essa cortesia era abusiva, todos
diziam a mesma coisa: “você está muito bem”. É como se as pessoas esperassem
nos encontrar moribundos, caquéticos, acabados, ou quisessem o mesmo afago de
volta.
Pedro definia-se como um “saudável
moribundo”. Nunca teve pretensões à imortalidade e gostava da velhice.
A leitura de Nietzsche agravou a
confusão na mente de Pedro. Ele citava de memória:
“A terra será ocupada pelo
derradeiro homem, que vai apequenar todas as coisas. Sua laia é indestrutível,
ele viverá por muito tempo. Um pouco de veneno tornará os seus sonhos agradáveis.”
Pedro acreditava que esse veneno
era o álcool. Ainda não existiam outras drogas em Itabaiana. A maconha só era
usado ritualisticamente por iniciados.
“Meu amigo! Os homens mataram
Deus e não sabem o que fazer sem ele. O que Nietzsche queria dizer com a criação
do super-homem?” Pedro de Anita perguntava sem saber a resposta, nem ninguém em
Itabaiana sabia. Aquilo parecia conversa de doido.
Pedro encerrava as conversas com
uma exortação nietzschiana: “Dai-me a loucura, divino mestre, para que eu possa
acreditar em mim mesmo”.
Esse pedido, Deus atendeu!
Antônio Samarone.
A tela acima é de Tolstoi.
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