Uma Breve História da Epilepsia (por
Antônio Samarone)
No cristianismo medieval, epilépticos
eram rejeitados e temidos, sob a suspeita de estarem endemoniados. Na Grécia antiga
a epilepsia era chamada de morbus sacer (doença sagrada). Na Idade Média virou
o morbus demoniacus (doença do demônio). O epiléptico possuí três santos
protetores: São Valentino, São Sebastião e São Vito. A leitura
do evangelho era recomendada durante as crises da doença. Era vista como uma doença contagiosa.
Hipócrates rejeitava qualquer explicação
sobrenatural das doenças. A epilepsia era um transtorno humoral, uma flutuação
na produção de fleugma pela pituíta, que se encontra na base do cérebro. A
epilepsia era um bloqueio fluídico dos ventrículos. A explicação de Hipócrates foi reforçada
por Galeno e permaneceu aceita até o final da Idade Moderna.
Paracelso (1493 – 1541) foi o
primeiro a contestar a explicação humoral.
Na Idade Média a epilepsia era
vista como uma punição condigna de algum pecado ou falta terrível. O médico suíço Tissot afirmava que a epilepsia era consequência do
vicio solitário, da masturbação.
A Bíblia relata a cura de dois
epilépticos, vistos como exorcismo de um demônio. “Um espírito apoderou-se dele
e ele incontinenti chorou; e foi rasgado pelo espírito que, espumando,
abandonou o corpo infantil” (Lucas 9:39) e “Mestre, eu trouxe ante Ti meu filho,
que tem um espírito ensandecido e que dele se apossou, o dilacerou e o fez
espumar e ranger os dentes e o atormenta” (Marcos 9:14 – 29).
A epilepsia já foi associada a
genialidade. Vários heróis foram epilépticos: Alexandre Magno, Petrarca, Maomé,
Pedro, o grande, Napoleão Bonaparte e Júlio César. A mitologização dos gênios epilépticos
foi intensa: Buffon, Flaubert, Dostoievski, Helmholtz e Van Gogh.
Dostoievski escreveu sobre a sua
experiencia com a aura extática, um evento raro em epilépticos do lobo frontal,
com momentos de êxtase antes das convulsões e atenção convergindo para
temas transcendentais como Deus e a morte. Dostoievski atribuía a sua doença à sentença de prisão e ao exílio na Sibéria.
Cesare Lombroso (1836 – 1909)
apontava a conexão da epilepsia com o crime. “Anormalidades atávicas nos crânios
dos condenados e degenerados demonstravam a ligação do crime com a epilepsia,
considerada uma doença atávica.”
No início do século XIX a
epilepsia ainda estava sob os cuidados dos alienistas.”. Dizia Esquirol: “quatro
quintos dos meus pacientes epilépticos são afetados por mania, demência, fúria,
idiotia e desordem de caráter. A epilepsia quando associada a insanidade nunca
melhora.”
Nos manicômios do século XIX os
epilépticos eram agrupados com os insanos. Esquirol quis separá-los com receio
do contágio.
Morel (1860) acreditava existir
uma epilepsia mascarada, sem convulsões, chegou a definir um caráter epiléptico.
O individuo seria pegajoso, obsequioso, imprevisível, super religioso,
irritável e vingativo.
A obsessão da medicina era
encontrar uma lesão anatômica que pudesse explicar as doenças. No final do
século XIX, a epilepsia já tinha se tornado uma doença neurológica. A correlação entre lesões cerebrais e convulsões da epilepsia foi estabelecida. Eram alterações no
cérebro produzindo descargas elétricas irregulares.
Jean Martin Charcot, em seu “Lês
Démoniques dans l’ Art (1887), tentou demonstrar, aqueles que antigamente
foram considerados místicos, profetas, possuídos pelo demônio, eram portadores
de doenças neurológicas, como epilepsia e histeria.
A epilepsia continua uma doença
grave. Entretanto, a medicina já sistematizou os sintomas clínicos, a natureza
foi esclarecida, a medicação é efetiva e seus efeitos podem ser controlados. A
maioria dos epilépticos participam normalmente da vida social. Os estigmas
estão desaparecendo.
Por outro lado, não teremos mais
Dostoievskis...
Antônio Samarone.
Fonte principal: Berrios & Porter
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