Ranulpho Hora Prata – o fundador da radiologia em
Sergipe. O mais sergipano dos escritores nacionais.
Nasceu em 04 de maio de 1896, em Lagarto/SE, filho de
Felisberto da Rocha Prata e Ana de Vasconcelos Hora (Ana Hora Prata). Inicia os
estudos em Estância, depois transferiu-se para Salvador onde concluiu o
Ginásio. Ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, estudando até o quarto
ano, quando se transfere para Rio de Janeiro, concluindo o curso em 30 de
dezembro de 1919, defendendo a tese “Do Riso”. Entre o final do curso e 1920,
Ranulpho Prata estabelece a sua clínica médica em São Tomás de Aquino, no
interior de Minas Gerais; no ano seguinte (1921) transfere-se para de Mirassol,
no interior de São Paulo, onde se casou (1923) com Dona Maria da Glória Prata.
Em 1924, nasceu o seu filho único, também médico, Paulo Prata.
Um parêntese: Henrique Prata, o neto de Ranulpho, em
entrevista recente ao jornalista Jozailto Lima, relatou que a sua bisavó, Ana
Hora Prata, já possuía uma visão humanista, tendo fundado uma Santa Casa de
Misericórdia em Simão Dias, em 1918. Trabalho para os historiadores da medicina
em Sergipe desvendarem.
Volta ao Rio de Janeiro em 1925, abre um consultório por
4 meses; retorna a Sergipe, a convite de Augusto Leite, para organizar o serviço
de radiologia do Hospital de Cirurgia e disputar a cátedra no Colégio Atheneu
Pedro II. Em maio de 1927 foi para Santos, ocupar a vaga de radiologista na
Santa Casa de Misericórdia. Pai do Dr. Paulo Prata (filho único) e avô de
Henrique Prata, do conceituado Hospital de Câncer de Barretos, SP. Faleceu em
São Paulo, tuberculose, em 24 de dezembro de 1942, aos 47 anos, internado no
Hospital Santa Cruz.
Ranulpho Prata é Patrono da cadeira sete da Academia
Sergipana de Letras e da cadeira vinte e três da Academia Santista de Letras.
Aprovado para a cátedra de literatura do colégio Pedro II, em Aracaju, cargo
que não assumiu. A Renascença das Letras em França; Foi a tese apresentada
quando da disputa pela cadeira de literatura no Atheneu Pedro II, em Aracaju
(1927).
Escreveu o tropeiro, conto, 1916; O Triunfo, romance,
1918; Do Riso, tese de medicina, 1921; Dentro da Vida, onde Ranulpho expressa a
sua visão da medicina e do seu papel como médico, é também uma novela sobre a
lepra, 1922; na epigrafe, ele cita o grande clínico brasileiro Miguel Couto:
“Não vos esqueçais, então, de que se toda a medicina não está na bondade, menos
vale separada dela. ” Ranulpho Prata carregava consigo uma lição do médico e
filosofo judeus Moises Maimônides: “Senhor, enche a minha alma de amor pela
arte e por todas as criaturas. Sustenta a força do meu coração, para que esteja
sempre pronto a servir ao pobre e ao rico, ao amigo e ao inimigo, ao bondoso e
ao malvado. E faz com que eu não veja senão o humano, naquele que sofre! Com
certeza, Ranulpho passou essa lição para o seu único filho, o Dr. Paulo Prata.
“ Citação do Dentro da Vida - “Legar-lhe-ei
toda a minha fortuna que servirá, em suas mãos, para construir e manter, nos
terrenos da fazenda, um leprosário para indigentes. Não os deixe mais
peregrinar pelas estradas, a esmolar, causando repugnância e horror.
Recolha-os. Deixarão de ser perigosos para os são, e terão garantidos o pão e o
leite. Morrerão, pelo menos, tranquilamente, ao abrigo das intempéries e o que
é mil vezes pior, da repulsa humana. ” A Longa Estrada, contos, 1925; o
Lírio na Torrente, romance, 1926; Lampião, documentário – 1934. Citação: “Promessas pagam-se em qualquer tempo.
Esqueceremos todas as que nos foram feitas, mas pedimos, rogamos o cumprimento
daquela que é para nós a maior de todas: o combate eficiente a Lampião. Não
queremos estradas, justiça, trabalho, escolas, higiene, tudo que constitui luxo
de civilização requintada. Mas concedei-nos a esmola da tranquilidade e da paz.
Lampião, escrito em forma de documentário, é uma denúncia, um clamor
nacional contra o “terror do sertão”, o ponto de vista do filho do Coronel
Felisberto Prata, fazendeiro em Simão Dias.
“
Navios iluminados, romance sobre a vida de um nordestino nas Docas de Santos,
em 1937. Ao lado de Os Corumbas, de Amando Fontes, vários manuscritos ficaram
inéditos, inclusive um romance Uma Luz na Montanha. Ranulpho ainda escreveu
várias monografias: A Renascença das Letras em França; Repercutiu em nossa
literatura o movimento romântico de 1930? O Teatro no Brasil; O valor da
radiografia no esqueleto, Diagnóstico da sífilis congênita e Servidão e
grandeza da doença; Martins Fontes, médico.
Qual o lugar de Ranulpho Prata na literatura brasileira?
O crítico Geraldo Azevedo (1955), citado por Paulo de Carvalho Neto, faz a
seguinte análise: “Não será inverdade afirmar que Ranulpho Prata é um dos
grandes injustiçados da literatura nacional. Nossa crítica, tão pródiga em
dispensar elogios, ainda não se deteve para estudar a obra, não muito vasta, do
escritor sergipano. Compreende-se até certo ponto essa ausência: é que Ranulpho
Prata, de temperamento arredio, lutando sempre contra a pertinácia da doença (a
tuberculose não tinha cura), vivendo exclusivamente para o trabalho e a
família, não teve tempo de brilhar nas reuniões pseudos literárias, em que o
cabotinismo, a auto incensação, a bajulação sem termo nem medida tomam a
maioria das horas daqueles que procuram a glória sem querer participar das
renúncias que a arte exige dos seus seguidores. Felizmente, o tempo não
conserva ídolos de barro. E os que viveram uma vida literária sem literatura
acabarão por ceder o lugar que injustamente ocupavam aos homens de têmpera e
valor. Um dia, quando se fizer uma revisão honesta da história de nossas letras,
Ranulpho Prata de certo aparecerá com o esplendor de sua grandeza humana. A
obra que construiu cheia de brasilidade e calor, de ternura e emoção emergirá
do esquecimento atual para o deslumbramento das gerações futuras. Nesse dia, a
crítica literária nacional, terá apagado da história de nossas letras mais uma
injustiça. “
Paulo de Carvalho Neto nos conta uma passagem deliciosa
da amizade Lima Barreto com Ranulpho Prata: “Lima Barreto elogiou o livrinho –
conta Ranulpho Prata a Silveira Peixoto, em 1940 -, e foi visitar-me no
Hospital do Exército, onde eu era interno. A visita desse mulato genial deu-me
grande alegria. Sentados num dos bancos do imenso parque do hospital, o Lima,
meio tocado, como sempre, mas perfeitamente lúcido, claro, brilhante mesmo,
queria saber com segurança se a Angelina do romance era realmente bonita como
eu a pintara. Todos os ficcionistas, dizia-me com ironia, tem a mania de fazer
belas raparigas das cidades pequenas. Nos lugares por onde eu andara não vira
nenhuma... Eram todas feias, grosseiras, desalinhadas... E eu garanti que a
minha Angelina era, positivamente, encantadora, capaz de virar cabeças sólidas
de gente das grandes cidades. “
Uma literatura social influenciada por Jackson de
Figueiredo, de quem era grande amigo. Uma poesia em defesa dos oprimidos de
inspiração cristã, é essa a sua obra. Mais recentemente Ranulpho Prata começou
a ser descoberto pelos estudiosos da literatura, a sua obra foi tema para tese
de mestrado “História e Literatura no Porto de Santos – o romance de identidade
portuária, Navios Iluminados, defendida por Alessandre Alberto Atanes Perreira,
na Universidade de São Paulo; bem como teve o citado livro republicado pela
editora da USP.
Ranulpho Prata e Jackson de Figueiredo.
A aproximação intelectual entre Ranulpho Prata e Jackson
de Figueiredo é notória no pronunciamento da solenidade de inauguração do
Centro Dom Vital em Sergipe (1933). Ele afirma, então, que Sergipe era o berço
do nosso grande Jackson, por isso, “não podia, de nenhum modo, quedar-se
indiferente à obra grandiosa de fé e de combate, que foi o maior e o melhor
sonho de sua inteligência. Com essas palavras Ranulpho Prata inicia sua
conferência, a convite do padre Moisés Ferreira, uma das figuras do Centro Dom
Vital e diretor do periódico católico no estado de Sergipe.
“Aqui,
junto aos amigos de infância de Jackson, na vizinhança destes sítios
melancólicos onde ele passou os seus dias nervosos de menino, do menino que
havia de ser mais tarde o ser de exceção, tão útil ao Brasil e à “Fé”, como que
sentimos mais perto de nós, mais na nossa intimidade, a viver conosco todas as
horas.
Bem
sabeis que estais a receber um humilde e velho soldado da fé e da Igreja. Ao
enfileirar nas vossas hostes, repito o juramento feito a mim mesmo, há mais de
lustro, de combater o bom combate.
Sob
o patrocínio do espírito de Jackson, que sinto pairar nesta sala como um
pássaro de asas de luz, enchendo os nossos corações de uma saudade doce e
consoladora, vou dar início a minha palestra.
O
assunto – o sofrimento
Na
vida toda cheia de incertezas, de ilusões e de imprevistos, só há de certo e
fatal o sofrimento. Do berço ao túmulo é o companheiro inseparável do homem. Não
se lhe despega da ilharga, como uma sombra triste. A história do sofrimento é a
história mesma da humanidade. O nascimento é um ato de sofrimento grandioso e
duplo. Sofre quem dá a vida e sofre quem a recebe. Depois, sem mais nos
abandonar, vai ele nos seguindo, palmilhando conosco toda a subida alegre da
montanha.
Ranulpho e Lima Barreto.
Na carta, datada de janeiro de 1921, trocada com Lima
Barreto, Prata reafirma esse sentimento de desolação do médico no interior do
Brasil, justamente na época em que trabalhou em Mirassol:
Nada
posso fazer no interior, num ambiente que asfixia e mata. E, ademais, o tempo é
pouco para dar alívio físico ao jeca sofredor. E é assim, meu caro e ilustre
homem de letras, que um moço como eu que sempre ambicionou uma vida superior,
uma vida de espírito, consuma todo o seu tempo em curar tracomas, amarelão e
disenterias! ...não se pode imaginar o que é a clínica do interior, clínica de
casebres. Andam de braços em casa do nosso caboclo, numa funesta e desoladora
parceria, a miséria e a moléstia. Verdadeiros quadros de romance meus olhos têm
visto.
Na epigrafe do livro “Dentro da Vida”, onde Ranulpho
traduz a vida e as dificuldades de um médico do casebre ele cita uma famosa
formulação de Miguel Couto: “Não vos esqueçais, então, que se toda a medicina
não está na bondade, menos vale separada dela.
A abordagem estética de Ranulpho Prata, enfatiza as
figurações sobre a vida em uma vertente católica do sofrimento, a ideia de
sofrimento resignado, vinculado à visão política do pensamento católico do
Centro Dom Vital. As camadas pobres da população brasileira eram identificadas
na obra de Prata pelos imigrantes nordestinos e pelos habitantes do interior.
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