A Nostalgia da Terra.
(por Antonio Samarone)
“Do nada tudo surgiu, e ao nada tudo volta. O nada é o começo e o fim de tudo.” – Siddhārtha Gautama.
Para afastar o tédio decorrente do confinamento pandêmico, “plantei um sítio no Sertão de Piritiba. Peguei na enxada como pega um catingueiro, fiz aceiro, botei fogo, venha vê como é que está.”
Me aproximei da terra. O primeiro sentimento foi que a terra é uma criação divina. Essa tese de “big-bang” é conversa fiada. Tenho evidencias metafísicas que o meu sítio é parte do Jardim de Éden.
A terra é um organismo vivo e belo, reage as agressões. A terra precisa ser venerada, não aceita a destruição.
O meu sítio é aqui mesmo, na Curva do Rio Santa Maria, comunidade de São José dos Náufragos do Aracaju. O inverno reforçou a vida, a terra está viçosa. O sítio é rico em materialidade e me afasta do mundo digital.
O meu sítio tem flores azuis, mesmo no inverno. Segundo Goethe, o azul tem, em oposição ao amarelo e ao vermelho, algo de obscuro. O azul descansa o olhar, desperta a nostalgia.
O tempo no sítio é mais lento, assume o ritmo das formigas cortadeiras, das saúvas, e das arapuás. “Ouricuri madurou é sinal de que arapuá já fez mel” – João Vale.
Cada planta tem o seu próprio tempo, alimenta a paciência. A minha pressa é inútil.
A terra possui seus aromas e cores.
A digitalização, o bigdata e a inteligência artificial desromantizaram o mundo. Nos resta restituir os mistérios, o sagrado, o sublime e o belo da terra. Uma virada metafísica. A terra é o lugar da redenção e da bem-aventurança.
“As plantas e os animais são o que nós fomos. Fomos natureza como eles, e nossa cultura deve nos levar de volta à natureza, pelo caminho da razão e da liberdade.” Schiller.
Em meu sítio passei a chamar as plantas pelo nome. Identificá-las, respeitando as diferenças. Elas não gostam de ser chamadas genericamente de arvores, plantas, pé de pau. Tratá-las pessoalmente é um primeiro passo.
Vou começar a trazer os animais para o sítio. Por enquanto, só gatos, cagados, cobras sem veneno, sapos cururu, piolho de cobra, lacraias, abelhas, insetos, peixes de aquário e pirilampos.
Vou ao Carira buscar galinhas de capoeira, isso, aquelas antigas, sem carne na titela e que cantam fazendo: kel, kel, kel. Essas galinhas primitivas não pegam gôgo. Eu sei, tem galinhas maiores, mais vistosas e mais poedeiras, mas eu quero as antigas.
Só os galos de capoeiras cantam na hora certa, reconhecem o ciclo da vida. O meu vizinho cria esses galos modificados geneticamente e eles cantam a qualquer hora, não tecem as manhãs.
Esqueci dos passarinhos, do anu-branco, pica pau e das aves de rapina. Bem, eles não vivem lá, só passeiam.
Estou pensando em construir a minha biblioteca no sítio e, como na canção de Elis Regina, plantar os meus livros. Não confio em livros eletrônicos.
Voltei a terra, para ficar e, quem sabe, garantir os meus sete palmos.
Esse escrito é inspirado na leitura do texto “louvor à terra”, de Chul Han.
Antonio Samarone. (médico sanitarista)
domingo, 2 de julho de 2023
A NOSTALGIA DA TERRA
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