Hospital Santa Izabel (Parte Quatro)
Antonio Samarone de Santana.
Em 1883, será nomeado diretor do hospital o Dr. José Marques da
Silva Bastos. A partir de 1885, o Hospital de Caridade de Aracaju passa a ser
dirigido pelo Dr. Augusto Borborema, logo substituído pelo Dr. Benjamim
Aristide Ferreira Bandeira. Entretanto, em todas essas administrações, o homem
forte continua sendo o Major José de Barros Pimentel. Os serviços médicos do
hospital serão entregues ao Dr. Antônio Rodrigues de Souza Brandão, devido à
exoneração, em 10 de junho de 1884, por avançada idade e quase cegueira, do Dr.
Francisco Sabino Coelho Sampaio.
A mesma questão da grande dependência do Governo e da necessidade
de entregar-se o hospital a uma instituição de caridade volta a ser levantada
pelo Presidente Francisco Gouveia Cunha Barreto (1884), novamente sem sucesso.
“A atual Comissão administrativa, em seu relatório, trata da
criação de uma Irmandade de Misericórdia (a questão retorna), constituída
regularmente e a cujo cargo exclusivo fiquem todos os estabelecimentos de
caridade aqui existentes”.
Não discordo dessa opinião, pois que deixando de ser considerado
estabelecimento público o hospital de caridade passa a ficar sob as vistas de
uma corporação religiosa, como é praxe em muitas outras Províncias do Império,
poderá ele mais facilmente preencher os verdadeiros fins de sua existência...”[1]
Apesar de ser um ponto com o qual quase todos concordavam, a
questão da transferência do Hospital Nossa Senhora da Conceição para uma
instituição de caridade, só será resolvido no período Republicano, durante o
Governo do Monsenhor Olímpio Campos (1899 a 1902), quando o hospital passará a
chamar-se Santa Isabel e, finalmente, será entregue à “Associação Aracajuana de
Beneficência”, com quem permanece até hoje.
É inegável que as condições de funcionamento do citado hospital,
durante o Império, eram de extrema precariedade. Dr. Juliano Simões, num
depoimento publicado pelo jornal da Sociedade Médica (julho 1986), descreve a
situação do hospital por volta do início do século XX, nos seguintes termos:
“Sabemos, nós médicos mais antigos em Aracaju, que há muito tempo o
Dr. Pimentel Franco quando ia passar visita a seus doentes, do serviço de
mulheres, ao entrar na enfermaria levava ao seu lado um servente com um
fogareiro aceso queimando incenso ou alcatrão, para poder suportar o mau cheiro
do ambiente. Eu mesmo alcancei na enfermaria dos homens, o famigerado “pilão
sem boca” (não sei por que lhe deram esse nome), local por trás de um tabique
de madeira, onde doentes ulcerados ou desenganados, estendidos comumente em
esteiras, arrastavam-se pelo chão até o canto, onde retiravam de um pote de
barro, com um só caneco, a água para beber.”
A situação do hospital de caridade de Aracaju (atual Santa Isabel)
continuou precária no inicio do período Republicano. No Governo de Oliveira
Valadão (1896), já se discutia sobre a necessidade de transferir o hospital de
Caridade da rua Aurora. A casa estava caindo.
Quanto ao funcionamento, em agosto de 1895, passaram pelo hospital
79 pacientes, dos quais 29 receberam alta e 8 faleceram. As causas dos óbitos
foram: 2 casos de tuberculose pulmonar, 2 de leucemia, 1 de gastroenterite, 1
de pneumonia, 1 de catarro pulmonar e o último de ascite.
Em 1893, mais uma epidemia de varíola atingia Sergipe. O
Governador, José Calazans, manda construir um grande lazareto para abrigar os
bexiguentos. Foi exatamente para esse prédio, construído bem afastado da
cidade, nos morros de areia do bairro Santo Antonio, que o hospital de caridade
de Aracaju será transferido. No momento da transferência, os médicos que
trabalhavam no hospital eram os doutores Costa Pinto e Aristide Fontes; e os
serviços de enfermagem estavam entregues a uma italiana, a Irmã Gregorina.
No Governo Olympio Campos, o Hospital de Caridade de Aracaju é
transferido da rua Aurora para o alto do Santo Antônio. Dias depois, desaba o
teto da sede antiga e, por muito pouco, não aconteceu uma tragédia em Sergipe.
A situação de precariedade da antiga sede do Hospital Nossa Senhora da
Conceição foi descrita de forma minuciosa pelo Inspetor de Higiene, Dr. Davino
Nomysio:
“O antigo edifício, além de achar-se encravado no centro da
cidade, entre casas, é demasiadamente pequeno, dispondo apenas de duas salas,
uma para homens e outra para mulheres, onde se encontram promiscuamente os
enfermos de todas as espécies de moléstias internas e externas. Afora as
referidas salas, que mal recebem luz por duas de suas faces, existe um
compartimento alongado, destinado à enfermaria de polícia, comunicando
diretamente com a latrina do edifício, que é antes uma fossa imunda e
pestilenta, a derramar de contínuo por todo o prédio e particularmente na
enfermaria mencionada, os pútridos vapores que exala, de um cheiro intolerável
e nauseabundo”.
Para instalação do velho hospital no prédio do antigo Lazareto,
foi comprado todo o instrumental cirúrgico na Europa e organizada uma pequena
farmácia. A cirurgia ainda encontrava-se em estágio incipiente em Sergipe, como
está evidente no quadro de ocorrências do hospital. Entre julho de 1901 e julho
de 1902 foram realizadas apenas 16 cirurgias no Hospital Santa Isabel: uma
amputação de braço, uma de perna e uma de coxa; três fimoses, duas parofimoses
uma dilatação de uretra, uma paracentese e cinco abscessos. Eram chamadas
pejorativamente de “cirurgias de postemas”.
O hospital vinha funcionando muito precariamente neste período,
inclusive com graves denúncias de má aplicação dos minguados recursos. Antes da
lei transferindo o hospital para uma instituição filantrópica, o Governo, em 25
de janeiro de 1900, nomeia uma comissão, composta pelo Inspetor do Tesouro, Luiz
Marcolino Machado de Souza, e pelos senhores Alcebíades Leite e Augusto de
Magalhães Carneiro, para efetuar uma rigorosa auditoria nas contas do hospital.
Procura também fazer a doação de várias propriedades ao hospital, para que o
mesmo, de forma autônoma, mantivesse sua administração sem os subsídios do
Estado. Nesse momento, a subvenção estatal estava em torno de dez por cento da
receita do hospital.
A saída vislumbrada para o Hospital de Caridade de Aracaju, desde
o Império, era entregá-lo a uma Instituição Filantrópica. Como vimos no
capítulo anterior, à exceção dos demais, o hospital de Aracaju era quase uma
repartição pública. O Governo nomeava seus diretores e assumia a maior parte
das despesas. Naquele momento não fazia parte das responsabilidades do poder
público assumir a administração dos hospitais de caridade. A assistência médica
aos “pobres e miseráveis” era tarefa da filantropia privada, mesmo com as
dificuldades para se receber qualquer contribuição espontânea a partir do
século XIX.
“O Hospital de Caridade desta Capital, que é por assim dizer uma
instituição oficial, pois o pessoal de sua administração é nomeado pelo
Presidente do Estado, que superintende todas as atas da administração, precisa
ser reformado no sentido de dar-lhe uma administração autônoma, sem relação de
dependência com o Governo, além das que são comuns a institutos dessa
natureza.”
[1]
Fala do Presidente da Província, Dr. Francisco de Gouvêa Cunha Barreto, com que
abriu a 1a sessão da 25a Legislatura da Assembléia
Provincial, em 02 de março de 1884.
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