AS DOENÇAS DO MUNDO.
Antonio Samarone
Academia Sergipana de Medicina
As doenças do mundo perderam a sua relevância cultural,
passaram a se chamar “doenças sexualmente transmissíveis (DST), surgiu a AIDS,
e as temidas doenças venéreas perderam o encantamento, deixaram de simbolizar o
pecado, a perda da virgindade masculina, o rito de passagem para a maturidade. Os
adolescentes enchiam o peito com orgulho e se gabavam: - “peguei uma
gonorreia”, ou, querendo ser discreto: - “porra, como a benzetacil dói”, que
todo mundo entendia. Ninguém mais
alardeia que tem gonorreia ou blenorragia...
A milenar gonorreia (gonos = espermatozoide + rhoia =
corrimento), pela confusão do exsudato purulento com o sêmen; a mais disseminada,
era conhecida na china antiga, citada no antigo testamento e batizada por
Galeno. O germe causador só foi descoberto em 1879, pelo médico alemão Albert
Neisser, e recebeu o nome de “Neisseria gonorrehoea”, em homenagem ao
descobridor. A gonorreia só encontrou tratamento na década de 1930, com as
sulfas; e com mais eficácia, a partir de 1942, com a penicilina.
Havia uma crença que a doença voltava com o uso de alimentos reimosos
ou carregados, em quem sentasse em cadeira quente, principalmente de barbeiro, ou
quem usa-se vestuário de pessoa infectada. Os cabarés eram chamados de pinga
pus, por conta da devastação da gonorreia nas “mulheres da vida”.
O intrigante é que a doença não foi controlada, pelo
contrário, a incidência tem aumentado muito, mas ninguém se dar mais conta da
sua existência. A temível gonorreia não mete mais medo, não assusta, tornou-se
uma doença ignorada.
Outra doença do mundo, bem mais nova e bem mais grave,
surgida no século XVI, a grande pústula, morbus gallicus, mal napolitano, entre
tantas denominações, assustou o mundo. Em 1530, Girolamo Fracastoro, médico e
poeta de Verona, publicou seu poema “Syphilis Sive Morbus Gallicus”, no modelo
das Geórgicas de Virgílio, onde a doença é descrita como uma punição de Apolo
ao jovem e bonito pastor Sífilo, por ter sido insultado pelo mesmo. A fama do
poema consolidou sífilis como o nome da doença. A descoberta que Treponema pallidum
era a causa da sífilis, ocorreu em 1905, por Fritz Schaudinn e Erich Hoffmann.
A sífilis primária despontava como nome de cranco duro. Mesmo
sendo doenças bem menos agressivas, curioso, o medo maior era do cranco mole,
conhecido como “cavalo”, causado pelo Haemophilus ducreyi, com pequenas feridas
purulentas nos órgãos genitais e que terminavam numa íngua insuportável; e do
linfogranuloma venéreo, conhecido como “mula”, causada pela Chlamydia
trachomatis, gerando um bulbo purulento na região inguinal. Em Itabaiana,
chegou um desavisado com mula, Dr. Pedro Garcia Moreno rasgava, e ainda por
cima, não abria mão de um exame da próstata, com o seu enorme dedo rombudo. Tudo
pela saúde pública.
A distorção devia-se ao fato do cranco duro “recolher” com o
tempo, ficando o infeliz à espera da sífilis secundária; já a mula, os médicos
acreditavam que deveria ser “rasgada”, mesmo sem evidencias do menor benefício,
e o cavalo causava uma dor insuportável. A sífilis (cranco duro), o cavalo e a
mula também saíram de moda, acompanharam a gonorreia. Nunca mais soube-se de
alguém conhecido reclamando nem de mula nem de cavalo, mas a sua ocorrência
continua avançando.
Claro, a infestação por “chatos”, o popular
Phthirus púbis; atingia até as sobrancelhas; a “crista de galo”, causado pelo
Papilomavirus humano; essas desapareceram de vez. Para evitar desmentidos, as
doenças do mundo desapareceram do universo de preocupação das pessoas, mas
continuam vivas e saudáveis, apenas deixaram de ser do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário