O Canto das Cigarras.
(Por Antonio Samarone)
Ainda existem vidas, fora das redes sociais!
Resolvi conhecer a cultura dos povoados em Itabaiana. Comecei pela Matapoã (Maitapam), onde viveram os meus ancestrais. Ontem, fui ao Bom jardim. A quem procurar? Pensei, aos mais velhos. Eles são os guardiões da cultura.
Como antigamente, fizemos uma roda de conversas (foto), no quiosque de Dona Terezinha, no meio da Praça. Lá estavam: Zé de Chico (94 anos), Seu Onésimo (81 anos), Maria Clemencia e Inês, todos nascidos e criados no Bom Jardim. Marcelo Pulido, um paulista exilado no Povoado e Erotildes de Jesus, Secretário de Agricultura de Itabaiana.
Uma conversa alegre, inteligente e bem informada. Eles são descendentes dos fundadores do Povoado, tetranetos de Vitório José de Jesus, o desbravador, que chegou por essas bandas em meados do século XIX. Os Ipês do pé da Serra estavam floridos. O nome foi automático: aqui é um Bom jardim.
Aliás, Seu Onésimo tem essa história escrita. Ficou acertado que quando ele encontrar, me dará uma cópia do manuscrito. Será um mimo. Um achado. Quando eu receber a raridade, darei ampla divulgação.
Um povo religioso (católicos) e trabalhador. O padroeiro é o “Sagrado Coração de Maria”, comemorado no terceiro domingo de agosto. Não tem miséria no Bom Jardim. Nem ricos, nem pobres, todos vivendo decentemente. É o povoado mais bonito de Itabaiana. Disparado.
Quando o Monsenhor Carvalho estava construindo a Igreja do Colégio Arquidiocesano, em Aracaju, foi feita uma campanha estadual solicitando que as comunidades doassem os bancos. Um daqueles bancos da Igreja, foi doado pelo povo do Bom Jardim. O Padre Carvalho se afeiçoou pela comunidade e passou a frequentar as festas locais do padroeiro.
Em minha adolescência, participei no Bom Jardim de um retiro para jovens, organizado pelo padre Antonino, um italiano que rondou por aqui. Éramos quinze. Após uma pregação, o padre mandou que a gente saísse para meditar. A missão não foi cumprida: não sabíamos o que era meditar e tivemos vergonha de perguntar.
O Bom Jardim possui uma Capela imponente e bem cuidada. Uma terra de grandes professoras, destaco: Zuleide Floresta, Laura Maria dos Santos e Anita Santos.
A eletrificação do Bom Jardim foi lenta, as coisas não andavam. O Monsenhor Carvalho intercedeu junto ao Governador Augusto Franco. Em 30 dias, as luzes do Bom Jardim foram acesas. Esse fato é lembrado até hoje.
A abertura da estrada até Itabaiana, na década de 1950, foi um reboliço. Um sitiante não deixava que a estrada cortasse o seu sítio. Euclides Paes Mendonça foi pessoalmente comandar o trator, para a derrubada das cercas.
Retornei da roda de conversas ao anoitecer. Desci pelo Beco Novo. Fiz algumas fotos. Ao chegar na Praça da Matriz, fui recebido pelo canto das cigarras. Um som de minha infância, envolvente, ritmado, todas anunciando a quaresma.
Não ouço cigarras em Aracaju. Se existirem, são cigarras da capital, silenciosas!
Ontem, achei que as cigarras da Praça da Igreja (milhares, centenas de milhares), estavam a todo pulmões. Mais de cem decibéis. Sabiam que o Bispo Josafá ia chegar puxando uma via-sacra.
Por quem cantam as cigarras? Na cultura chinesa, a cigarra é um símbolo de imortalidade e renascimento.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
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