domingo, 17 de novembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. A POESIA DE IÊDA TAVARES SILVEIRA.


 Itabaiana – 350 anos. A poesia de Iêda Tavares Silveira.
(por Antonio Samarone)

Os historiadores nativos chegaram a um consenso: Itabaiana nasceu com a criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas, em 30 de outubro de 1675. Completará 350 anos, em 2025.

Zeca Cego, um camponês itabaianense, comuna que acompanhou a coluna Prestes e cantava a Internacional em russo, me ensinou: Itabaiana, com essa aparência machista, é um matriarcado. Uma terra de grandes mulheres.

Vou abrir um parêntese, antes de falar de Dona Iêda.

Para comemorar os 350 anos, pensei, vou contar o que sei, a partir de meados do Século XX. Um sobrinho, doutor em história, se ofereceu para ajudar. Hesitei, nem sei e nem quero escrever a história. São muitas regras, a metodologia é rigorosa, fria e inflexível. Sem emoção.

A história é uma narrativa do poder, dos eleitos, dos heróis, dos gênios e dos santos. A história não fala dos derrotados.

Por isso, resolvi escrever uma memória. Não somente a minha memória pessoal. Essa, apagou muita coisa, reescreveu outras, fantasiou, inventou, esqueceu. Pretendo narrar uma memória coletiva, de quem se dispuser a contar.

Por exemplo: Onde pesquisar sobre Carbureto? Saí perguntando...

Ninguém se lembra de muita coisa dele. Esqueceram até o nome. Antes da água encanada, Carbureto vendia água, uma mercadoria mais escassa que o petróleo. Saí implorando: quem sabe como se chamava Carbureto? Pelo menos uma foto, a certidão de óbito, qualquer coisa. Uma amiga me mandou a foto do Jegue de Carbureto, mas dele e dos filhos, nada!

Por sorte, descobri que o livro de poesia de Dona Iêda Tavares Silveira, traz um texto maravilhoso sobre Carbureto e a vida em Itabaiana, nos tempos da falta d’água.

Vou reproduzi-lo em parte:

“Era uma cidade do interior, chamada Itabaiana, onde o progresso ainda não tinha chegado. As ruas não eram calçadas, não tinha água encanada e a luz elétrica era fornecida por uma empresa particular, mas só era ligada das 19:00 às 24:00 horas, quando iam desligar davam três sinais para avisar e dar tempo aos usuários acenderem as placas ou os candeeiros.”

“A cidade era pacata e quase todos os moradores se conheciam ou eram parentes.”

“Havia na cidade diversas ruas e três praças, na principal estava situada a Igreja Matriz com seus altares e dois púlpitos pintados a ouro, nas laterais da nave no andar superior tinha as tribunas que eram alugadas para alguns fiéis. No lado oposto à Igreja estava a Intendência (hoje Prefeitura Municipal) e dos outros dois lados as casas residenciais.”

“Bem no centro desta praça tinha um belo coreto, construído sobre um poço artesiano com uma portinhola atrás por onde Seu Capitulino (o responsável pelo poço) entrava para bater a bomba e encher o reservatório que fornecia água para toda população.”

No lado de fora, uma fila enorme com seus potes, latas e baldes esperava o precioso líquido. Só que a água era salobra e não servia para beber. Por isso tinha os aguadeiros.

‘’Aguadeiros’’ eram homens que vendiam água potável para a população, eles iam apanhar a água em latas ou ancoretas (pequeno barril) em número de quatro sobre o lombo de burricos ou jegues e percorriam grandes distâncias até às nascentes dos rios. Tinham a pele curtida pelo sol, as mãos calosas e os pés, de tanto andarem descalços, tinham o plantar tão grosso que não sentiam mais as asperezas dos caminhos.

“Existiam na cidade uns cinco ou seis aguadeiros, mas só lembro o nome de dois: seu Teixeira (cego de um olho) e seu Carbureto, que era o aguadeiro da nossa casa, tanto de água potável como da salobra.

Ele era de estatura pequena, um pouco musculoso, cabelos avermelhados (sarará). Um dia eu estava estudando e ele me disse que não sabia ler nem escrever, mas trabalhava muito para que um dia seus filhos fossem letrados.”

Alguns dias depois Sr. Carbureto me perguntou: - “Menina, você que já é mais adiantada na escola podia me respondê uma coisa que tá atrapaiando minhas ideias?”

“Pois não, seu Carbureto, pode perguntar: - É que meu filho já entrô na escola e chegou lá em casa dizendo que a terra é redonda como uma laranja, é verdade? - É verdade seu Carbureto, eu também aprendi assim. “Mais isso num entra na minha cabeça de jeito nenhum, porque a Terra é toda retinha. Deu até logo e foi embora.”

“No ano seguinte fui estudar na Capital, pois na cidade ainda não tinha ginásio. A cada férias que eu ia passar em casa notava o grande progresso da cidade: ruas, calçadas, hospital, energia elétrica vinda da Usina Hidrelétrica, Ginásio, o comércio e a agricultura em expansão. Só a água encanada não chegara.”

“A maioria das pessoas tinha construído grandes cisternas (reservatórios) para enchê-las com água de chuva que servia para todas as finalidades. Os aguadeiros estavam perdendo o seu ‘ganha-pão.”

“Quando terminei o curso ginasial e o pedagógico voltei para ensinar no Grupo Escolar e depois no Ginásio. Alguns dias depois apareceu seu Carbureto, me deu os parabéns e perguntou: - “Agora que a senhora já é formada e bem letrada, eu queria saber sobre aquela história de o mundo ser redondo.”

“É verdade, Seu Carbureto e, além disso, nós moramos do lado de fora com tudo que existe e ainda mais a Terra gira, mas é tão rápido que ninguém percebe. “Virge Nossa Senhora e meu padinho Sto. Antônio o povo indoidô mesmo, isso não entra na cabeça de ninguém.”

“Não quis mais entrar em detalhes falando sobre a gravidade, nem que existiam outros planetas, e que a Terra ficava solta no espaço, para não piorar mais a situação. Ele então me explicou como era a Terra:”

“Minha filha me desculpe mais a Terra não é assim como vocês dizem não, no meu pensamento o mundo é grandão que não tem fim.”

O texto acima é de Dona Ieda Tavares Silveira.

Dona Iêda Tavares Silveira nasceu em Itabaiana, em 02 de outubro de 1926, em um sítio no Canto Escuro. Foi a filha primogênita de Francisco Araújo Tavares e Elze Araujo Tavares. Uma família com 10 filhos: Anode, Zeca, Ayrton, Manuel, Antônio, Leda, Zezé e Paulo.

Ieda fez o primário em Itabaiana, em Escolas Isoladas e depois na primeira turma do Grupo Guilhermino Bezerra (foto). Cursou o ginasial no Atheneuzinho e depois formou-se em professora na Escola Normal.

Voltou para Itabaiana, ensinou numa escola a noite, para adultos; primário no Grupo e na Escola Normal do Murilo Braga. Uma jovem professora.

Casou-se com José Silveira Filho, em 10 de junho de 1951. Tiveram 9 filhos: Mesquita, Eduardo (Tuca), Denise, Emmanuel, Dayse, Desirée, Elze, Clotilde e Chico. A família completa tem 25 netos e 15 bisnetos.

Ocupa a cadeira 26, da Academia Itabaianense de Letra. Na maturidade se revelou com habilidade para artes plásticas com pintura em tela e artesanato. Publicando o seu primeiro livro de poesia aos 80 anos.

A foto: primeira turma do Guilhermino Bezerra. Professoras sentadas: Dona Glorinha, Dona Bebé e Dona Dinorá. Alunos: Arlete, Adelson Oliveira, Cremilde, Antonio Oliveira, Eugênia, Osvaldo Carvalho, Elpídio Teixeira e Ieda Tavares.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura.

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