Itabaiana – 350 anos. Dr. Pedro Garcia Moreno Filho.
(por Antonio Samarone).
O neto do Monsenhor Daltro e da escrava Clara, filho do farmacêutico Pedro, de Laranjeiras e de Dona Ambrosina, incorporou a alma da Velha Loba. O Dr. Pedro Garcia Moreno Filho foi um consenso em Itabaiana. Mesmo quando disputou cargos políticos, os adversários votavam contra, sempre com muito respeito.
Dr. Pedro foi um médico que fazia de tudo em Itabaiana: parto, bicho de pé, sangrava mula, tratava gonorreia, febres e engasgos. O paciente era centro de sua atenção humanista. Só pagava quem podia. Eu enganchei para nascer, a parteira não deu jeito. Chamaram Dr. Pedro.
Pedro Garcia Moreno Filho nasceu em 22 de julho de 1920, em Maruim, numa família de sete filhos: o intelectual Garcia Moreno; Herianto; Eurianta; Anatólio, farmacêutico no Bairro Santo Antonio; Canuto, cirurgião; Paráclita e aldjebran.
Os Garcias Morenos sergipanos, devem o sobrenome ao Cardeal do Equador Gabriel Garcia Moreno, um mártir da fé.
O Dr. Pedro levou uma infância de traquinagens. Fez o curso primário em Maruim, o ginásio no Colégio Tobias Barreto e o científico no Atheneu. Formou-se em medicina na Bahia, em 1947. Foi colega de turma do filho de Manuel Teles, chefe político em Itabaiana.
Na Bahia, Dr. Pedro encontrou o seu amor. Casou-se com dona Ivone Magalhães, a filha do dono da pensão. Chega em Itabaiana em 1949, já com dois filhos (Anatólio e Ângela), para trabalhar no recém-criado Hospital Rodrigues Dórea.
Em Itabaiana, a família de Dr. Pedro cresceu: Cássia, Paráclita, Pedro, Ambrosina, Clara, João, Ângelo, Margarida, Sílvia, Angélica, Canuto, Aldgebra e Lígia
Um médico na cidade, para substituir o Dr. Gileno, não podia só clinicar. Dr. Pedro foi dar aulas de francês e história natural, no Ginásio Murilo Braga.
Dr. Pedro foi seu diretor do Murilo Braga, entre 1951 e 54. Além de Dr. Pedro, o Ginásio de Itabaiana teve diretores famosos: Padre Arthur, Lauro Pacheco, o Ministro Luiz Carlos Fontes de Alencar, e a grande, Maria Pereira.
Em 1955, chegou a Itabaiana o competente e politizado Padre Arthur, um grande amigo de Dr. Pedro. Passam a incomodar politicamente o chefe da UDN, Euclides Paes Mendonça. Nas eleições de 1958, em Itabaiana, o PSD não tendo um nome forte para enfrentar Euclides, lançou mão do prestígio médico de Dr. Pedro. Claro, perdeu.
Em 1961, o Dr. Pedro assume o comando do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), em Itabaiana. Foi uma folga, para ajudar na criação de 14 filhos.
O Dr. Pedro passou a ser a cara de Itabaiana. Humilde, engraçado, gozador, sarcástico, amigueiro, simples e humano.
Conta-se que uma idosa, com um grau avançado de demência, possuía uma boneca de estimação. Com frequência, levava a boneca para ser consultada por Dr. Pedro. O doutor não hesitava, consultava a boneca.
Antes de Almir Santana, o Dr. Pedro já cuidava da saúde das prostitutas, em Itabaiana, com zelo e dedicação. Uma delas perdeu um filho pequeno, afilhado do Doutor. No dia do sepultamento, o féretro parou defronte do consultório, para receber a última benção do padrinho.
Outro fato desconcertante: encontraram Dr. Pedro rodando a feira a procura de uma paciente. Procuraram saber o motivo. Ele foi direto. Essa senhora foi a única que pagou a consulta. Achei injusto. Só ela! Vim devolver o dinheiro.
Claro, com esse comportamento, família grande, a situação financeira era precária. Um amigo, fazendeiro de Frei Paulo, ofereceu os restos do leite para Dr. Pedro vender coalhada, e melhorar a receita. Assim foi feito.
Diariamente, o neguinho da coalhada, um agregado, percorria as ruas de Itabaiana vendendo a coalhada de Dr. Pedro. Como não existia copos de plástico, a coalhada era vendido em copos de vidros, aqueles copos de bodega.
No início de 1970, o MDB de Oviedo e Zé Carlos Teixeira procuram Dr. Pedro para compor a chapa de Deputado Estadual. Dr. Pedro foi eleito com 2.895 votos.
O Natal era uma festa de muito apreço para Dr. Pedro, além de vestir-se de Papai Noel, ele montava uma vistosa árvore-de-natal.
O Dr. Pedro era chegado aos Saraus Etílicos Culturais, com uma roda de amigos diversificada, gente de todas as classe sociais: Seu Pepita, sapateiro (merece um verbete); João Quarenta, sapateiro; Oswaldo de Vivi; Oscar, motorista; Zé Silveira; Zeca Araújo; Aderlado Oliveira; Seu Martins; Josafá, da coletoria; Tonho de Pedro Delfino; Airton Tavares e Reginaldo Silveira.
Manoel Francisco de Oliveira (Pepita), retornou do Rio de janeiro em 1949, doente, quase paralítico, perturbado da cabeça, e logo estabeleceu uma profunda amizade com Dr. Pedro. Seu Pepita era filho de Amália, uma famosa fabricante de colchões de junco, os melhores de Itabaiana.
Seu Pepita passou a ser a sombra de Dr. Pedro, numa relação de carinho e profunda amizade. Além de sapateiro, Seu Pepita fabrica gaiolas. Faleceu em 1985.
Os saraus eram semanais, na casa de Marcelino, que tinha a melhor radiola de Itabaiana, som em alta fidelidade.
Dr. Pedro criou em Itabaiana, o fã clube de Francisco Alves, morto em 1952. Em todo 28 de setembro, a turma se reunia, muita cerveja e feijoada, para relembrar o Rei da Voz. No final, todos concordavam: ele canta cada vez melhor. Não sei se anda funciona.
Certa feita, Santinho de Nia, meio lá meio cá, passou por essa turma e fez o cumprimento habitual: “para Dr. Pedro, boa tarde; para os outros, merda.”
Dr. Pedro era maçom, loja Cotinguiba; flamenguista e espirita (uma herança do pai). Foi presidente da Associação Olímpica de Itabaiana (1965/68). Nesse período que o clube passou por uma revolução: a chegada do primeiro ídolo do futebol itabaianense, Horácio de Carira.
Dr. Pedro era diabético. Sofreu o primeiro infarto em 1976. Em 1979, Dona Ivone, a esposa, decidiu voltar para o seio da família, em Salvador. Em 1983, sofreu o segundo infarto.
Em 05 de janeiro de 1990, aos 69 anos, o mundo perdeu uma alma de luz. Morreu pobre. O seu corpo está sepultado no cemitério da Igreja Senhor do Bomfim, em Laranjeiras.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura
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