terça-feira, 17 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. VAL DECORADOR

Itabaiana – 350 anos. Val Decorador.
(por Antonio Samarone)

José Valder Santos (Val Decorador), nasceu na Rua das Flores, Itabaiana, em 06 de novembro de 1951, filho de Euclides Barraca e Dona Rosinha, neto de Dona Maria Barraca (Sá Rita), filha de escravizados. Sá Rita era paneleira e rezadeira, no Tabuleiro dos Caboclos, atual Bairro São Cristóvão.

Dona Rosinha era das Flechas, filha de Dona Alexandrina, lavadeira de roupas, no Açude Velho. Dona Rosinha e as irmãs, Saturnina, Badé e Joaninha, eram devotas de Santa Luzia. Em todo 13 de dezembro, elas saiam a pé, para acompanhar a procissão da Santa, na Barra dos Coqueiros. Até hoje, Val cumpre a promessas da mãe e acompanha a mesma procissão. São Pretos devotos.

Euclides Barraca era guarda-noturno e lanterninha no Cinema de Zeca Mesquita. A noite itabaianense era segura. Com frequência, a gente escutava o apito a altas horas da noite. Era um sinal que a rua estava vigiada. Bastava um apito. Um guarda com a sua capa colonial, uma bicicleta e um apito, era suficientes.

Ladrão, ladrão profissional, eu não me lembro de nenhum. Tinha alguns gatunos.

Cresci ouvindo dizer: Itabaiana não tem pretos! O racismo radical negava a existência dos pretos. A realidade era outra: Os povoados Carrilho, Tabocas, Dendezeiro e Barro Preto são reminiscências rurais de mocambos, e o Tabuleiro dos Caboclos um mocambo urbano.

A famosa castanha assada de Itabaiana é uma herança quilombola.
Só a família Barracas, tinha uma centena de Pretos. Seu João Barraca, padeiro e comunista. Os seus filhos, os gêmeos Cosme e Damião, revelações do futebol. Bons de bola, mesmo muito frágeis. Os dois, juntos, não pesavam mais de 50 quilos.

O famoso rezador Mané Barraca, filho de Dona Zefá Barraca. Um desportista, dono dos 11 Perigos, da Coreia. Aliás, usava-se essa denominação para o Bairro São Cristóvão, por puro preconceito. O bairro São Cristóvão também era chamado de Cruzeiro, devido a uma Capela de São Cristóvão, construída na virada dos séculos XIX para o XX.

Aproveito o resto de memória, para relembrar alguns Pretos famosos, em Itabaiana: Dona Tóta, professora de datilografia, irmã de Zé Andrade, esposo de Dona Olga. Tudo do Beco Novo.

Naquele tempo, quem não soubesse datilografia, não passava em concurso. O Banco do Brasil, exigia que os candidatos batessem 300 toques por minuto, sem olhar para o teclado.

Era uma arte! Hoje, os meninos já nascem sabendo. Batem os 300 toques no teclado do celular, sem pestanejar. Saudades de Dona Tóta.

Lembrei-me de Aruvim do Balaio; João Rocha, barbeiro; Candinho da Rua do Fato, que só calçava sapatos em dia de eleição; Senhor, um preto velho que cozinhava na casa de Euclides Paes Mendonça; Paulina Preta, cozinheira de mão cheia e Dona Maria Besouro, lavadeira do açude velho, com quem eu deixava os meus chinelos, para me danar no açude. Todos Pretos, que ajudaram a construir Itabaiana.

O Açude Velho, onde aprendi a nadar, era infestado de lavadeiras de ganho. Não existia máquina de lavar roupa. Lavar e passar eram ocupações de mulheres pobres. No Beco Novo, a maior engomadeira foi Dona Bilou. Uma senhora muito respeitada, parecia uma Rainha, de andar imponente. Os ricos, mandavam os seus ternos de linho branco, para dona Bilou engomar.

Depois apareceram os ternos de Nycron, o senta e levanta sem amassar. Perdeu a graça. Uma calça bem engomada, com os vincos impecáveis, tinha a sua beleza.

Val Decorador tem cinco irmãos, todos vivos. Aroaldo, Regis, Mazé, Ná e Maié.

Val estudou só o primário, na Escola de Maria de João Fagundes, no Tanquinho. Passou a infância fazendo presepadas. Era o chefe da tribo dos moleques do Beco Novo: Albertino, Rosa, Nego Veio, Sereia Branca, Maguivier, Tonho de Deca e Zé Capuco. Eu, mais medroso, me sentia protegido por esse exército.

Não me lembro de onde, apareceu em Itabaiana um negro ousado, Zé Carlos (Coceira), sobrinho de dona Maria Cajueiro, dona de uma das três pensões, existentes na cidade. Coceira, enchia-se de purpurina e assombrava a hipocrisia provinciana.

Foi Coceira, na década de 1970, que levou a Parada Gay para Itabaiana. Ele sozinho, fazia a festa. Acho que ele ainda é vivo e mora em São Paulo.

Até então, o homossexualismo assumido na cidade, era restrito a cinco personagens, todos bem comportados: João de Filipinho, Uago, Cidália, Chico de Mirinda e Zé Baixinho. Os demais, se é que existiam, eram sob sete capas.

Em Itabaiana existiam três pensões: o Hotel Santo Antonio, de Tancredo; o Hotel Comercial, de Dona Josefa e a pensão de Maria Cajueiro. Antes, tinha a Pensão de Dona Antonieta, mãe de Zé Bezerra e Dona Didi. Essa carência de acomodações hoteleiras persiste até hoje.

Nas traquinagens, Val foi acusado de ter levado capim para os frades, de uma Santa Missão que passava pela cidade. As coisas começaram a engrossar. Ele nega até hoje.

Naquele tempo, Itabaiana possuia poucas oportunidades de trabalho. Como tantos, Val foi passar uns dias em São Paulo, na casa de Seu Felintro, filho de Manesinho Clemente, e Dona Júlia, Gente do Beco Novo que tinha partido antes. Fui vizinho deles, lembro-me das suas filhas: Claudia, Claudete e Claudiceia.

Val arrumou emprego nas lojas do Pão de Açúcar e por lá ficou. Com grande talento, foi promovido a decorador, na empresa. Um autodidata.

Quando retornou a Itabaiana, por volta de 1987, a cidade já era outra. Ele aproveitou, e tornou-se o decorador oficial do andor de Santo Antonio. Hoje, é um profissional respeitado no Agreste. Faz tudo: casamento, batizado, festa de 15 anos e festas cívicas. No último sete de setembro, ele reproduziu a Nau de Pedro Álvares Cabral. Linda!

Val Decorador rompeu os preconceitos! Hoje, é o melhor profissional em decoração do Agreste.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário