Do Roló ao Mocassim...
(por Antonio Samarone)
Hoje visitei uma Feira de Calçados em Itabaiana. Um Show Room da Serra. Mais de cinquenta expositores, de todo o país. Grandes marcas e representantes. Centenas de logistas lotaram a feira, para realizarem negócios.
Conversei com um empresário de Novo Hamburgo, o maior polo calçadista do País, para contar-lhe a história dos sapateiros em Itabaiana.
Até e o final da década de 1960, existiam em Itabaiana 78 fabriquetas de sapatos. Chamavam-se de “Tendas”, onde a arte da sapataria era exercitada. Já falei sobre isso. Em Sergipe, Itabaiana e Simão Dias, dominavam a produção artesanal de sapatos.
Com a chegada do sapato industrializado, os artesões locais sucumbiram a concorrência. Ainda tentaram, alguns importaram um maquinário de Novo Hamburgo, mas não houve jeito. Essas máquinas ainda existem, sucateadas.
Hoje, 60 anos depois, o capitalismo desfilou os seus calçados, numa terra de sapateiros.
Eu acompanhei de perto a derrocada dos sapatos em Itabaiana, morava defronte a Tenda de Seu Justino, uma das maiores. Os sapateiros eram especializados, uns cortavam, outros costuravam e havia os soladores, que colocavam o sapato na forma. Ainda sinto o cheiro da cola de sapateiros, da qual fazíamos bolas saltitantes.
Seu Justino veio de Paripiranga, com uma grande família. Todos sapateiros. Messias, Everaldo (Peba), Toninho, Gilberto, Meco, Dedé e Dandinho, além das mulheres, Iracema, Finha e Nilza. Talvez tenha esquecido de outros.
Seu Justino foi o primeiro beco novense a possuir uma radiola. Aquele móvel grande, que ficava na sala de visitas. Tocava muito os demônios da garoa.
Dona Mãezinha, a esposa de Justino, era uma líder destemida. Braço forte, muito amiga de mamãe. A melhor definição da dor do parto, eu ouvi dela: “A dor de parir é a dor de cagar uma jaca.” Exagero ou não, nunca ouvi nada mais próximo da realidade.
Certo dia, a rua do Beco Novo entristeceu: Seu Justino foi embora, levou a família para ganhar a vida na Baixada Fluminense. Quebrou! Diziam os fofoqueiros, nas bodegas e barbearias. Como, pensava eu, um homem tão rico. Eu desconhecia o capitalismo.
Aquela família de amigos foi embora. Me criei com eles, brincando de pega-pega, pé em barra, bola de meia, cantigas de roda e tomando banho no Açude Velho.
As casas do Beco Nova eram de portas abertas. Os meninos circulavam de casa em casa. A rua era nossa. Não tinha automóveis, nem essas motos agressivas. Só as segunda feiras, chegava o caminhão de Tonho de Chagas, da Feira de Carira.
Por vezes, passava a marinete de Manesinho Clemente, no Beco Novo. Daquelas, que o bagageiro era em cima. Eu corria atrás para pungar na escada, pelo fundo.
O campinho era na rua e as traves dois chinelos.
Seu Justino tocava na Filarmônica e Dona Mãezinha era crente. A primeira que conheci.
Hoje, na grande e próspera feira da indústria calçadista em Itabaiana, eu tive saudades das Tendas, e de Dona Mãezinha, saudade de Everaldo (Peba), o meu primeiro amigo, com quem ia para as matinês de Zeca Mesquita.
Tentei dizer isso aos organizadores do empreendimento: Itabaiana, já foi um polo calçadista, nos tempos do artesanato.
Antonio Samarone – médico sanitarista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário