segunda-feira, 13 de novembro de 2023

DAS MÃOS AOS TALHARES

 Das mãos aos talheres.
(por Antonio Samarone)

Fernando descende de camponeses pobres. A mãe, pequena sitiante das Flechas. O pai, pataqueiro das Candeias. Fernando já nasceu na Villa, em casa de Rancho, no Beco do Ouvidor (atual Monsenhor Constantino).

Fernando não se lembra de garfos em sua casa. Desde cedo, comeu com as mãos. Degustou a papa infantil, através do dedo indicador da mãe, em forma de gancho. Comer de colher, só depois de grandinho. Se fazia os bolos de feijão com as mãos, para molhar no molho de pimenta.

Etiqueta à mesa era desconhecida.

As crianças não cabiam na pequena mesa, posta ao lado do fogão de lenha. O único móvel era um guarda louça, infestado de baratas. Além dos pratos, guardava-se também os alimentos.

Os copos eram três velhas canecas de estanho, as mesmas que se mergulhavam nos potes d’água.

Fernando não seguiu a carreira eclesiástica por conta dos guardanapos. Já matriculado no Seminário de Carpina, a família recebeu a relação dos itens obrigatórios do enxoval, que deveria levar. Entre as exigências, estavam 12 guardanapos de pano. Ninguém sabia do que se tratava, nem os vizinhos.

Guardanapos, até o nome era desconhecido.

A mãe de Fernando suspendeu a viagem. Seu filho era pobre, mas não precisava passar aquela vergonha: chegar no Seminário sem os tais guardanapos. Roma, pode ter perdido um Cardeal.

As únicas regras de boas maneiras obedecidas eram não ser guloso (arado), nem ximão. A comida era pouca. A mãe de Fernando castigava que comesse carne pura. Ximar era invejar a comida alheia. Fernando sempre baixava o olhar diante de uma mesa de comidas, nas casas alheias, para não parecer estar ximando.

Fernando era elogiado por todos, por não ser ximão. Mesmo quando perguntavam se ele queria, ele, morrendo de vontade, com água na boca, nunca aceitava.

Aos 16 anos, quando Fernando conheceu a primeira churrascaria rodízio, achou uma suprema estupidez. Pensou, vou comer tanta carne, que vou dar um grande prejuízo aos donos. Quase morre empanzinado.

Na casa de Fernando, a carne, quando tinha, era um luxo.

Uma regra invertida: as mãos de Fernando só eram lavadas depois das refeições, para se retirar o excesso de graxa. Lavar as mãos antes das refeições, ele nunca sentiu a menor necessidade.

Hoje, Fernando está sofisticado: come pinha e chupa pitomba de garfo. Tentou até comer Carapeba, sem usar as mãos. Foi um desastre, desperdiçou a metade do peixe.

Uma confissão: Fernando não sabe ainda comer com os pauzinhos chineses, nem fez o curso de vinhos, dos novos ricos.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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