segunda-feira, 24 de junho de 2024
SÃO JOÃO DO CARNEIRINHO.
São João do carneirinho.
(por Antonio Samarone)
“Quando o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa, a vida é tão rara.” - Lenine. A festa é tempo de contemplação.
O poder público transformou a festa de São João em mercadoria, em circo alienante, espetáculo, evento sem celebrações. Tudo ali é vazio, consumo massificado.
O São João era uma festa pagã, da fertilidade rural: “Eu plantei meu milho todo no dia de São José, se me ajuda a providência, vamos ter milho a grané, vou colher pelos meus cálculos, vinte espiga em cada pé.” Canta Luiz Gonzaga.
Eu sei, a fertilidade ficou a cargo do agro negócio, da semente transgênica e dos pesticidas. O milho é uma commodity. O agro produz bem mais de vinte espiga em cada pé. Em contrapartida, o agro pop impôs a sua música e a sua dança, ainda por cima, levou o fogo sagrado das fogueiras, para incendiar as florestas e os pantanais.
Sepultaram a celebração. Acabaram as fogueiras contemplativas.
O fogo é o primeiro devaneio humano, a sua primeira forma de adoração. A condenação de Prometeu pela liberação do segredo do fogo aos humanos, é um mito que diz muito da condição humana.
O homem foi condenado ao sofrimento cíclico. Restou-lhe de consolo, a esperança, o sagrado, o riso e sono. A aceitação do divino é um ato de humildade, um reconhecimento da miséria humana.
Sentar-se em torno da fogueira é a busca de uma contemplação ancestral. Só recebemos o bem-estar do fogo, quando apoiamos os cotovelos nos joelhos e a cabeça na mão, a postura do pensador. Perto do fogo é preciso sentar-se, repousar sem dormir.
As crianças nascem sabendo que não se mija no fogo, ele é sagrado. Em torno do fogo se fazia e se cumpria promessas, renovavam-se as amizades. Existiam até os compadres de fogueira. Os mais ousados, saltavam as fogueiras e pisava nas brasas.
Como se não bastassem as fogueiras, o São João também era uma festa dionísica, bárbara, com barcos de fogo, espadas e busca-pés. Era uma adoração ao fogo móvel, que corre e encanta. Os fogos de artifícios eram o ornamental. Aqui também não há espaços para contemplação.
Os donos do poder sequestraram o nosso São João, a nossa festa. E não existe volta!
O meu São João é o do carneirinho. Esse São João espetáculo, nem me move, nem comove.
Antonio Samarone.
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