sábado, 23 de dezembro de 2023

O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO

 O Primeiro Aniversário.
(por Antonio Samarone).

Não esqueço a sexta feira, 14 de janeiro de 1966, quando fui pela primeira convidado para uma festa aniversário. Eu tinha 12 anos.

Em minha casa éramos muitos, não se comemorava essas datas. Mamãe mal lembrava a data de nascimento de cada filho.

Conhecia poucos aniversariantes e nunca constava em suas listas de convidados.

Eu era bolsita da Escola do Padre, um colégio pago. Desta feita, a professora Maria Perreira deu o recado: Dona Maria de Durval, convida todos voces para o aniversário de Melcíades. Houve uma dúvida: “os bolsistas também”? Também! Todos...

Bateu em mim uma grande curiosidade: O que é uma festa de aniversário? Vai ter salgadinhos para todos, pode se comer a vontade o que quiser, vai ter raspadinha, quebra-queixo, pipoca, rolete de cana, sorvete de coco, algoodão doce e cocada puxa?

Nunca tinha ido a um aniversário, não era convidado e não tinha vocação para penetra. Mamãe era rígida: não apareça onde não foi convidado. E assim eu me comportava. Mamãe me ensinava a ter vergonha e brio.

Com a surpresa desse convite, vinheram as dúvidas: e vão me deixar entrar? Eu digo o quê, na porta?

Foi fácil, a senha de entrada era simples: eu sou amigo de Melcíades. E era mesmo. Jogava em seu time de futebol: o Bahia de Melcíades. Quem não acreditar, eu tenho as fotos.

Melcíades Souza completava 9 anos. Era o menino mais rico da cidade. O pai, Durval do Açúcar, era um benemérito da molecada. Em dias de futebol, a gente ficava de olho no Beco Novo. Quando seu Durval apontava, terno de linho, sem gravata, fumando um Suerdieck, era a maior gritaria. Seu Durval está vindo! Viva!

Não sei de onde aparecia tanto moleque, um centena, todos mal vestidos, pés descalços, meninos vadios, que viviam soltos. Seu Durval, me bote, me bote, todos gritavam ao mesmo tempo. O Barão do Acúcar não fazia cara feia. Ordenava ao porteiro do velho Etelvino Mendonça: “deixe os meninos entrar e vá contando”. Não importava quantos. Seu Durval pagava para todos os carentes.

Seu Durval do Açúcar era a nossa festa! Seu Durval era um homem de bolso fundo, quando metia a mão, saia os bolos de dinheiro.

E quem me convida pela primeira vez para um aniversário? O filho de Durval do Açúcar!

Fui muito bem recebido. Dona Maria, a mãe de Melcíades, uma mulher alva, bem vestida, parecia uma rainha, me tratou como se eu fosse um Príncipe. Não perguntou quem eu era, filho de quem, morava onde. Nada. Fui tratado com fidalguia.

Mesmo assim, passei a festa acanhado. Mamãe me educou rigidamente. "Não avance em nada, não fique olhando para a comida, coma pouco e não demonstre gula. Não me faça passar vergonha."

Eram tantas as proibições, que eu fiquei atordoado, com medo de esquecer alguma. O mais dificil, foi disfarçar que não era marinheiro de primeira viagem.

O simbolismo desse convite (aos 12 anos) me marcou: eu passei a achar que tinha jeito, que o mundo, mesmo desigual, me cabia.

Depois, esperei mais sete anos para um segundo convite: aos 19 anos, fui convidado para o casamento de Zé de Nedo.

Que eu lembre, só!

Melcíades Souza, depois se tornou o maior talento de minha geração: arquiteto, pintor, músico, urbanista. A arquitetura de Itabaiana tem a marca de Melcíades. Aí, já é outra história. Depois eu conto.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

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