terça-feira, 12 de setembro de 2023

CAPITÃO JAGUNÇO


 Capitão Jagunço.
(por Antonio Samarone)

No domingo, recebi de um amigo gentil, culto e bem-humorado, Pedro Moraes, um livro de presente. Um mimo em desuso. Pedro me presenteou “Capitão Jagunço”, de Paulo Dantas. Tenho amigos de direita, bem a direita, mas grandes amigos.

Paulo Dantas, sergipano de Simão Dias, foi um escritor de grande fôlego e elevada cultura. Faleceu em 2007, aos 85 anos, em São Paulo. O seu livro mais conhecido, Capitão Jagunço (1964), conta ao seu modo, a história de Canudos.

Paulo Dantas encarregou a um personagem, Jerônimo Jagunço (Capitão Jagunço), a responsabilidade de recontar o massacre de Canudos. O Capitão Jagunço foi traidor de sua gente, guiando as tropas do exército, na tarefa de eliminar a comunidade de Monte Santo, liderada por Antonio Vicente Mendes Maciel (o Conselheiro).

O Capitão Jagunço faz uma narrativa preconceituosa sobre Canudos, defendendo uma versão desmontada pela história, inicialmente por outro sergipano, José Calazans.

O Capitão Jagunço transformou o massacre do Canudos, numa guerra justa. Numa versão onde houve exageros de lado a lado.

Capitão Jagunço foi cantado por Luiz Gonzaga, o que não é pouco.

Edmundo Munir (Canudos, Guerra Social) e Vargas Llosa (A Guerra do Fim do Mundo) defenderam que Conselheiro era comunista. Um exagero ideológico. Conselheiro foi um líder messiânico.

Segundo José Calazans:

“Canudos foi uma questão religiosa, depois passou a ser econômico-capitalista, depois política. Ninguém pode esquecer que houve uma revolução no Nordeste, chamada de Quebra-Quilo, por causa da mudança do sistema de pesos e medidas. O que fortaleceu muito a união em torno do Conselheiro foi a seca terrível de 1877. Além de cemitérios e capelas, ele fazia tanques de captação d'água.”

Uma nova versão sobre Canudos, surgiu após as pesquisas de José Calazans.

O médico Cícero Dantas, o Barão de Jeremoabo, defendia que Canudos era uma consequência do treze de maio. Um amontoado de ex escravos. A preocupação dos fazendeiros do Sertão baiano não era a terra, mas perder mão-de-obra para Canudos.

O Capitão Jagunço, personagem de Paulo Dantas, trata Canudos como uma guerra a favor da restauração da Monarquia, feita por Antonio Conselheiro, um louco. Canudos como um caso de loucura coletiva é a tese defendida pelo médico Nina Rodrigues: “A Loucura Epidêmica de Canudos.”

O Capitão Jagunço tem um grande peso na consciência pela traição. Ele confessa: “Depois do massacre, não passo em Canudos. Seus moradores não gostam de mim. Quando passo, eles jogam sal e viram as vassouras de cabeça para baixo.”

Paulo Dantas exagera, pela boca do Capitão jagunço: “Além do mais, aqueles ignorantes todos mereciam mesmo um castigo. Era gente fora da lei, vivendo nos desmandos das safadezas e das espertezas. E não queriam de jeito nenhum reconhecer o poder supremo do nosso Governo federal.”

Era uma jagunçada terrível, continua o Capitão Jagunço: João Abade, Pajeú, Vilanova, Lalau, Pedrão, Venancio, Macambira, André da Jibóia, Chico Ema e Major Seriema. O povaréu brabo de Canudos não prestava. Só Conselheiro, valia alguma coisa.

Paulo Dantas justifica a traição do Capitão jagunço por sua expulsão de Canudos, um ressentimento pessoal.

Não tenho a pretensão de julgar a obra de Paulo Dantas por suas posições políticas sobre Canudos, aliás, na juventude, Paulo teve simpatias pelo credo vermelho. O homem escreveu muito, escrevia bem e era muito culto. Para que não haja dúvidas, a minha leitura também tem lado: eu sou um conselheirista.

Canudos teve forte influência sobre Itabaiana. A estrada real Itabaiana/Jeremoabo passava pelas Flechas, meu berço. O cemitério de lá foi obra de Conselheiro, ainda não reconhecida. Conselheiro, passou um tempo em Itabaiana, na Rua da Pedreira, onde hoje existe um monumento. Mamãe falava de Canudos com intimidade.

O Padre Gumercindo, em seu livro de memórias, retrata os festejos na Praça da Igreja, em Itabaiana, celebrando Canudos. Itabaiana, ao contrário de Simão Dias, terra de Paulo Dantas, sempre foi conselheirista. Portanto, herdei!

Simão Dias ganhou economicamente com a guerra, Itabaiana perdeu.

O Exército brasileiro nunca comemorou o massacre de Canudos, pelo contrário, a Glória coube aos derrotados. Releiam os Sertões, de Euclides da Cunha.

Entretanto, o livro de Paulo Dantas não é só ideologia. A leitura é agradável, uma imitação de Guimarães Rosa. O livro reforça uma versão pouco divulgada, mas verossímil: Conselheiro boiou nos mares do Aracaju.

Vamos aos fatos:

Canudos foi derrotado em 05 de outubro de 1897. O ano seguinte foi de grande seca. Entretanto, em 1899, houve um dilúvio no Sertão. O discreto Vaza Barris vingou-se dos sofrimentos que presenciou. Encheu arrastando tudo, uma procissão de ossos e cadáveres mal enterrados.

Uma velha jagunça bradava: “Degolaram o meu santo Conselheiro, amarraram uma pedra em seu pescoço, mas ele apareceu boiando nas ondas do Mar.” Antes das barragens, as enchentes do Vaza Barris desaguavam no Mosqueiro.

Conheci um velho pescador, Seu Matias, com quase cem anos, que contava sobre os cadáveres de Canudos sendo enterrados pela natureza nos mangues do Mosqueiro. O profeta tinha razão: “O Sertão vai virar mar e o mar virar sertão.” Matias não viu Conselheiro boiando no mar, mas ouviu dizer.

“Os direitos da imaginação e da poesia hão de sempre achar inimiga uma sociedade industrial e burguesa. Em nome deles protesto contra a perseguição que se está fazendo à gente de Antônio Conselheiro. Este homem fundou uma seita a que se não sabe o nome nem a doutrina. Já este mistério é poesia.” (...) – Machado de Assis.

Adorei o presente de Pedro Moraes. Reavivou a minha memória conselheirista.

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

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