sábado, 20 de fevereiro de 2021

PSICOCIRURGIAS E A PSIQUIATRIA DO APRIMORAMENTO.


Psicocirurgias e a Psiquiatria do Aprimoramento.
(por Antonio Samarone)

Os antecedentes históricos da psicocirurgia moderna estão perdidos num passado distante. Desde o Neolítico, cerca de 40 000 anos, o homem já realizava cirurgias no crânio. Os achados arqueológicos revelaram milhares de crânios, com buracos cirúrgicos, praticamente em todo o mundo.

Esta cirurgia, chamada trepanação, era realizada para liberar "demônios e espíritos ruins que os médicos antigos acreditavam serem os responsáveis pela loucura e as doenças da mente.

A primeira técnica científica consistente para a psicocirurgias, foi desenvolvida pelo neurologista português Dr. Antônio Egas Moniz, e realizada pela primeira vez em 1935, com o seu colega, Almeida Lima.

Moniz baseou sua operação no achado que tinha sido feito alguns anos antes, de que certos sintomas neuróticos induzidos em chimpanzés poderiam ser diminuídos cortando-se as fibras nervosas que conectam o córtex pré-frontal com o resto do cérebro.

Ele desenvolveu uma técnica chamada leucotomia ou lobotomia, que consistia em cortar tratos de fibra entre o tálamo e o lobo frontal, usando uma faca especial chamada um leucótomo.

Os resultados de Moniz foram considerados tão bons, que a lobotomia começou a ser usada em vários países como uma tentativa de reduzir psicose e depressão severa ou comportamento violento em pacientes que não podiam ser tratados com qualquer outro meio.

Na ocasião, não havia muitos recursos: o choque induzido por insulina e o choque eletroconvulsivo também estavam em seus estágios iniciais e os medicamentos psicoativos ainda não estavam disponíveis.

Assim, a lobotomia era empregada principalmente em pacientes institucionalizados que também mostravam agitação crônica ou angústia e comportamento obsessivo-impulsivo. Moniz foi premiado com o Nobel de Medicina em 1949, por sua brutal descoberta.

A primeira lobotomia realizada por Antonio Moniz, ocorreu em 12 de novembro de 1935, no Hospital de Santa Marta, em Lisboa.

Dois cirurgiões americanos, Walter Freeman e James Watts, adotaram entusiasticamente o procedimento de Moniz e o melhoraram. Eles desenvolveram um procedimento cirúrgico rápido e fácil chamado " leucotomia trans-orbital" que podia ser feita em alguns minutos sob anestesia local em um consultório médico.

Essa novidade consistia na inserção, com a batida leve de um martelo, de um instrumento de quebrar gelo através do teto das órbitas, seguido de um movimento lateral rápido para romper as fibras nervosas.

Walter Freeman operou, dissertou e ensinou extensivamente nos Estados Unidos, popularizando a leucotomia, como uma ferramenta para controlar o comportamento indesejável, através dos manicômios da nação, hospitais e clínicas psiquiátricas.

Não tenho notícias da realização dessa cirurgia em Sergipe.

Assim, entre os anos de 1945 e 1956, mais de 50,000 pessoas foram sujeitas a lobotomia no mundo inteiro, ou seja, baseadas em evidências escassas e pouco rigorosas (inteiramente injustificadas).
Logo ficou claro que, embora a lobotomia reduzisse o comportamento severamente agitado e violento e acalmava alguns pacientes psicopatas; havia muitos efeitos indesejáveis.

A lobotomia pré-frontal produziu " zumbís ", ou seja, pessoas sem emoções, apáticas para tudo, com drive e iniciativa reduzida. Eles também perdiam várias funções mentais superiores, como comportamento socialmente adequado e a capacidade de planejar ações.

Em muitos casos, a lobotomia foi amplamente usada não como uma ferramenta de último recurso, como queria Egas Moniz e outros médicos mais responsáveis, mas sim em crianças com problemas, adolescentes rebeldes e oponentes políticos.

Com o aparecimento de drogas efetivas contra ansiedade, depressão e psicoses, nos anos cinquenta, e com a evidência de seu abuso difundido e efeitos colaterais, a lobotomia e outras formas de leucotomia foram abandonadas naquela década. Estão voltando, com outros trajes.

A lobotomia frontal transcraniana, quando surgiu, foi comemorada como uma cura milagrosa.

A crença que os quadros psicopatológicos estão sempre relacionados com alterações orgânicas no cérebro é antiga na história da medicina. Os avanços das neurociências renovaram essa pretensão.

As psicocirurgias voltaram a ordem do dia. O eletrochoque e outras estimulações físicas do cérebro retornaram com força e com uma fantasia científica.

A psiquiatria orgânica acredita que a explicação dos transtornos mentais se encontra na estrutura cerebral e em sua neuroquímica. O que ainda se desconhece é uma questão de tempo.

A partir do DSM – III (1980), Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, a psiquiatria abandonou os critérios etiológicos para a definição dos transtornos mentais, propondo um diagnóstico pautado apenas nos sintomas. A psiquiatria troca as “Escolas” pelas “Escalas”. É a hegemonia da psiquiatria biológica.

A psiquiatria avançou para o “enhancement”, com o objetivo de aumentar os ganhos performáticos das pessoas, via prescrição de substâncias psicoativas (“smart drugs”). Por exemplo: pessoas saudáveis usam a Ritalina como potencializador cognitivo.

O futuro dessa psiquiatria são os implantes neuronais. Chips eletrônicos adaptados ao cérebro, capazes de captar as mensagens dos neurônios e emitir comandos, articulados com dispositivos não orgânicos (computadores), interagindo com os bancos de dados e tirando proveito da inteligência artificial.

O sofrimento psíquico será controlado e dirigido por novas tecnologias e aplicativos.

Chegaremos a uma medicina sem médicos e sem doentes, voltada para melhoramentos na espécie humana.

É a Psiquiatria do Aprimoramento.
Antonio Samarone. (médico sanitarista).


 

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