Em defesa das causas perdidas
terça-feira, 19 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. DIA DA CONSCIENCIA NEGRA.
(por Antonio Samarone)
O dia da consciência negra é antigo em Itabaiana. Quintino de Lacerda é o herói negro do município.
Em Itabaiana, a lei municipal n.º 965, de 20 de setembro de 2001, reconheceu o itabaianense Quintino de Lacerda, líder do Quilombo do Jabaquara, Herói Negro Municipal; e instituiu o 08 de junho, dia do seu nascimento, o dia municipal da Consciência Negra.
Em Itabaiana, um importante logradouro público recebe o seu nome. Em Santos, a Rua Major Quintino de Lacerda, Jabaquara, é uma das vias principais.
Nascido escravo no Povoado Flechas, Itabaiana, em 8 de junho de 1839. Quintino (Tintino) era escravo de Antonio dos Santos Leite, da família Leite Sampaio.
Acusado de roubo, foi vendido para Santos, ao senhor Antônio Lacerda Franco, da firma Lacerda & Irmãos, de quem herdou o sobrenome Lacerda. Passando a se chamar Quintino de Lacerda.
Quintino de Lacerda liderou o Quilombo do Jabaquara, onde abrigava escravos fugitivos de toda a região e do planalto, que aqui buscavam refúgio.
Três meses antes da abolição, já não havia mais escravos em Santos. No 13 de maio, Quintino de Lacerda foi o centro das atenções e chegou a receber um relógio de ouro, homenagem popular ao mais querido líder abolicionista de Santos e região.
O relógio contava com a seguinte inscrição, segundo o historiador Francisco Martins dos Santos, em sua obra História de Santos: "Lei de 13 de maio de 1888. Homenagem popular abolicionista a Quintino de Lacerda, Santos, 1888".
Impulsionado pela abolição, Quintino lançou-se na política, agregando os negros, pela primeira vez na história de Santos, ao processo político. Elegeu-se Vereador. O primeiro escravizado no Brasil, a conseguir tal façanha.
Sua eleição como vereador, em 1895, desencadeou uma grande crise política fomentada por setores racistas da Cidade, iniciada com a negação de sua posse, pelo fato de Quintino ser analfabeto. Quintino de Lacerda chegou a Presidência da Câmara Municipal, em Santos.
Organizou e comandou um batalhão na defesa contra uma suposta rebelião para depor o Marechal Floriano Peixoto, o que lhe rendeu o título de Major Honorário da Guarda Nacional, em 1893.
Quintino de Lacerda morreu em 10 de agosto de 1898, aos 59 anos, deixando três filhos.
Seu sepultamento foi acompanhado por um expressivo número de pessoas, testemunho do reconhecimento de sua importância histórica.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura).
ITABAIANA - 350 ANOS. FRANCIS DE ANDRADE.
Itabaiana – 350 anos. Francis de Andrade.
(por Antonio Samarone)
José Francisco de Andrade (Francis de Andrade), faleceu em 21 de junho de 2021, da Peste pandêmica (Covid – 19), aos 62 anos. Um talentoso comunicador.
Francis de Andrade, nasceu em Santos, e chegou em Itabaiana com 10 anos. Um meninão diferente, de calças curtas e suspensório. Filho de Seu Brió e Dona Juanita. Moravam numa casa bonita, com muro baixo e varanda, na esquina da Praça de Eventos.
Zé de Brió (o nome de menino) teve o seu avô paterno, Luiz Pereira de Andrade, assassinado pela polícia na porta da Igreja Matriz de Itabaiana, em 1916, durante as trezenas de Santo Antonio, por conta do conflito do Coronel Sebrão com o Cônego Vicente Francisco de Jesus.
As raízes de Zé de Brió em Itabaiana são profundas.
Zé de Brió terminou o segundo grau no Murilo Braga. Foi um autodidata de grande inteligência. Nunca puxei um assunto, para ele está desinformado. Nasceu para o rádio.
Antes, Zé de Brió foi telefonista da Telergipe. Sempre com uma voz poderosa, talhada para a locução.
Quando a Rádio Princesa da Serra foi inaugurada (13/06/1978), Zé de Brió já participou da primeira equipe. Juarez do Correio montou uma equipe local, por bairrismo e economia.
Chamou os que falavam bem em serviços de alto-falante: Djalma Lobo, Messias Santos (Taquari), Fernando Pinto (do Campo do Brito), Aloiso Santos (do Saco do Ribeiro), Daniel Barros e Gilson Portela. Tentaram até o iconoclasta Zé de Álvaro.
Depois é que chegou João Batista (um profissional), ganhando a fábula de seis salários-mínimos.
Foi na Rádio Princesa da Serra que Zé de Brió começou, como disc jockey, imitando o grande Francisco Carlos, o Chicão da Paradinha, sucesso daquele tempo. Nesse momento surgiu o radialista Francis de Andrade, o nome artístico de Zé de Brió.
Depois foi trabalhar na FM – Itabaiana (93.1), onde atuava até ontem, com grande audiência. Ia esquecendo, foi locutor esportivo, no mesmo nível de Jorge Cury e Waldir Amaral.
A entrada na política foi uma consequência da entrada da Princesa da Serra na política. Fez parte das mudanças em Itabaiana.
Francis de Andrade, a voz da democracia, exerceu 4 mandatos de vereador em Itabaiana, chegando a ser o Presidente da Casa. No final do mandato de Presidente, deixou nos cofres da Câmara 116 mil reais, uma novidade.
Foi o maior animador de palanque político que conheci. Com Francis de Andrade, não existia tristeza em comícios.
Francis de Andrade, nunca teve papas na língua. Carismático, tocava fundo e com ironia nas mazelas de Itabaiana e do mundo.
Era muito inteligente, culto e de privilegiado tirocínio. Rápido nas improvisações, desconcertantes nos debates e cheio de trocadilhos.
Francis de Andrade foi um talento no rádio, desperdiçado na Província.
Francis de Andrade foi um homem livre. Usava a maconha recreativa, com um fundo cultural profundo. Já naquele tempo, em Itabaiana. Não pensem que era fácil.
Espirituoso criador de apelidos. Em Itabaiana tinha um político que vivia em cima do muro, nem cheirava, nem fedia, Francis de Andrade o denominou de “Bufa de Alma”.
Tem outros apelidos que eu não posso contar.
Minha homenagem e admiração a Francis de Andrade, talento do rádio sergipano.
Deixou seis filhos.
Francis de Andrade será homenageado, nomeando o futuro Estádio Municipal, em Itabaiana.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
domingo, 17 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. A POESIA DE IÊDA TAVARES SILVEIRA.
Itabaiana – 350 anos. A poesia de Iêda Tavares Silveira.
(por Antonio Samarone)
Os historiadores nativos chegaram a um consenso: Itabaiana nasceu com a criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas, em 30 de outubro de 1675. Completará 350 anos, em 2025.
Zeca Cego, um camponês itabaianense, comuna que acompanhou a coluna Prestes e cantava a Internacional em russo, me ensinou: Itabaiana, com essa aparência machista, é um matriarcado. Uma terra de grandes mulheres.
Vou abrir um parêntese, antes de falar de Dona Iêda.
Para comemorar os 350 anos, pensei, vou contar o que sei, a partir de meados do Século XX. Um sobrinho, doutor em história, se ofereceu para ajudar. Hesitei, nem sei e nem quero escrever a história. São muitas regras, a metodologia é rigorosa, fria e inflexível. Sem emoção.
A história é uma narrativa do poder, dos eleitos, dos heróis, dos gênios e dos santos. A história não fala dos derrotados.
Por isso, resolvi escrever uma memória. Não somente a minha memória pessoal. Essa, apagou muita coisa, reescreveu outras, fantasiou, inventou, esqueceu. Pretendo narrar uma memória coletiva, de quem se dispuser a contar.
Por exemplo: Onde pesquisar sobre Carbureto? Saí perguntando...
Ninguém se lembra de muita coisa dele. Esqueceram até o nome. Antes da água encanada, Carbureto vendia água, uma mercadoria mais escassa que o petróleo. Saí implorando: quem sabe como se chamava Carbureto? Pelo menos uma foto, a certidão de óbito, qualquer coisa. Uma amiga me mandou a foto do Jegue de Carbureto, mas dele e dos filhos, nada!
Por sorte, descobri que o livro de poesia de Dona Iêda Tavares Silveira, traz um texto maravilhoso sobre Carbureto e a vida em Itabaiana, nos tempos da falta d’água.
Vou reproduzi-lo em parte:
“Era uma cidade do interior, chamada Itabaiana, onde o progresso ainda não tinha chegado. As ruas não eram calçadas, não tinha água encanada e a luz elétrica era fornecida por uma empresa particular, mas só era ligada das 19:00 às 24:00 horas, quando iam desligar davam três sinais para avisar e dar tempo aos usuários acenderem as placas ou os candeeiros.”
“A cidade era pacata e quase todos os moradores se conheciam ou eram parentes.”
“Havia na cidade diversas ruas e três praças, na principal estava situada a Igreja Matriz com seus altares e dois púlpitos pintados a ouro, nas laterais da nave no andar superior tinha as tribunas que eram alugadas para alguns fiéis. No lado oposto à Igreja estava a Intendência (hoje Prefeitura Municipal) e dos outros dois lados as casas residenciais.”
“Bem no centro desta praça tinha um belo coreto, construído sobre um poço artesiano com uma portinhola atrás por onde Seu Capitulino (o responsável pelo poço) entrava para bater a bomba e encher o reservatório que fornecia água para toda população.”
No lado de fora, uma fila enorme com seus potes, latas e baldes esperava o precioso líquido. Só que a água era salobra e não servia para beber. Por isso tinha os aguadeiros.
‘’Aguadeiros’’ eram homens que vendiam água potável para a população, eles iam apanhar a água em latas ou ancoretas (pequeno barril) em número de quatro sobre o lombo de burricos ou jegues e percorriam grandes distâncias até às nascentes dos rios. Tinham a pele curtida pelo sol, as mãos calosas e os pés, de tanto andarem descalços, tinham o plantar tão grosso que não sentiam mais as asperezas dos caminhos.
“Existiam na cidade uns cinco ou seis aguadeiros, mas só lembro o nome de dois: seu Teixeira (cego de um olho) e seu Carbureto, que era o aguadeiro da nossa casa, tanto de água potável como da salobra.
Ele era de estatura pequena, um pouco musculoso, cabelos avermelhados (sarará). Um dia eu estava estudando e ele me disse que não sabia ler nem escrever, mas trabalhava muito para que um dia seus filhos fossem letrados.”
Alguns dias depois Sr. Carbureto me perguntou: - “Menina, você que já é mais adiantada na escola podia me respondê uma coisa que tá atrapaiando minhas ideias?”
“Pois não, seu Carbureto, pode perguntar: - É que meu filho já entrô na escola e chegou lá em casa dizendo que a terra é redonda como uma laranja, é verdade? - É verdade seu Carbureto, eu também aprendi assim. “Mais isso num entra na minha cabeça de jeito nenhum, porque a Terra é toda retinha. Deu até logo e foi embora.”
“No ano seguinte fui estudar na Capital, pois na cidade ainda não tinha ginásio. A cada férias que eu ia passar em casa notava o grande progresso da cidade: ruas, calçadas, hospital, energia elétrica vinda da Usina Hidrelétrica, Ginásio, o comércio e a agricultura em expansão. Só a água encanada não chegara.”
“A maioria das pessoas tinha construído grandes cisternas (reservatórios) para enchê-las com água de chuva que servia para todas as finalidades. Os aguadeiros estavam perdendo o seu ‘ganha-pão.”
“Quando terminei o curso ginasial e o pedagógico voltei para ensinar no Grupo Escolar e depois no Ginásio. Alguns dias depois apareceu seu Carbureto, me deu os parabéns e perguntou: - “Agora que a senhora já é formada e bem letrada, eu queria saber sobre aquela história de o mundo ser redondo.”
“É verdade, Seu Carbureto e, além disso, nós moramos do lado de fora com tudo que existe e ainda mais a Terra gira, mas é tão rápido que ninguém percebe. “Virge Nossa Senhora e meu padinho Sto. Antônio o povo indoidô mesmo, isso não entra na cabeça de ninguém.”
“Não quis mais entrar em detalhes falando sobre a gravidade, nem que existiam outros planetas, e que a Terra ficava solta no espaço, para não piorar mais a situação. Ele então me explicou como era a Terra:”
“Minha filha me desculpe mais a Terra não é assim como vocês dizem não, no meu pensamento o mundo é grandão que não tem fim.”
O texto acima é de Dona Ieda Tavares Silveira.
Dona Iêda Tavares Silveira nasceu em Itabaiana, em 02 de outubro de 1926, em um sítio no Canto Escuro. Foi a filha primogênita de Francisco Araújo Tavares e Elze Araujo Tavares. Uma família com 10 filhos: Anode, Zeca, Ayrton, Manuel, Antônio, Leda, Zezé e Paulo.
Ieda fez o primário em Itabaiana, em Escolas Isoladas e depois na primeira turma do Grupo Guilhermino Bezerra (foto). Cursou o ginasial no Atheneuzinho e depois formou-se em professora na Escola Normal.
Voltou para Itabaiana, ensinou numa escola a noite, para adultos; primário no Grupo e na Escola Normal do Murilo Braga. Uma jovem professora.
Casou-se com José Silveira Filho, em 10 de junho de 1951. Tiveram 9 filhos: Mesquita, Eduardo (Tuca), Denise, Emmanuel, Dayse, Desirée, Elze, Clotilde e Chico. A família completa tem 25 netos e 15 bisnetos.
Ocupa a cadeira 26, da Academia Itabaianense de Letra. Na maturidade se revelou com habilidade para artes plásticas com pintura em tela e artesanato. Publicando o seu primeiro livro de poesia aos 80 anos.
A foto: primeira turma do Guilhermino Bezerra. Professoras sentadas: Dona Glorinha, Dona Bebé e Dona Dinorá. Alunos: Arlete, Adelson Oliveira, Cremilde, Antonio Oliveira, Eugênia, Osvaldo Carvalho, Elpídio Teixeira e Ieda Tavares.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
ITABAIANA - 350 ANOS. DR. PEDRO GARCIA MORENO FILHO.
Itabaiana – 350 anos. Dr. Pedro Garcia Moreno Filho.
(por Antonio Samarone).
O neto do Monsenhor Daltro e da escrava Clara, filho do farmacêutico Pedro, de Laranjeiras e de Dona Ambrosina, incorporou a alma da Velha Loba. O Dr. Pedro Garcia Moreno Filho foi um consenso em Itabaiana. Mesmo quando disputou cargos políticos, os adversários votavam contra, sempre com muito respeito.
Dr. Pedro foi um médico que fazia de tudo em Itabaiana: parto, bicho de pé, sangrava mula, tratava gonorreia, febres e engasgos. O paciente era centro de sua atenção humanista. Só pagava quem podia. Eu enganchei para nascer, a parteira não deu jeito. Chamaram Dr. Pedro.
Pedro Garcia Moreno Filho nasceu em 22 de julho de 1920, em Maruim, numa família de sete filhos: o intelectual Garcia Moreno; Herianto; Eurianta; Anatólio, farmacêutico no Bairro Santo Antonio; Canuto, cirurgião; Paráclita e aldjebran.
Os Garcias Morenos sergipanos, devem o sobrenome ao Cardeal do Equador Gabriel Garcia Moreno, um mártir da fé.
O Dr. Pedro levou uma infância de traquinagens. Fez o curso primário em Maruim, o ginásio no Colégio Tobias Barreto e o científico no Atheneu. Formou-se em medicina na Bahia, em 1947. Foi colega de turma do filho de Manuel Teles, chefe político em Itabaiana.
Na Bahia, Dr. Pedro encontrou o seu amor. Casou-se com dona Ivone Magalhães, a filha do dono da pensão. Chega em Itabaiana em 1949, já com dois filhos (Anatólio e Ângela), para trabalhar no recém-criado Hospital Rodrigues Dórea.
Em Itabaiana, a família de Dr. Pedro cresceu: Cássia, Paráclita, Pedro, Ambrosina, Clara, João, Ângelo, Margarida, Sílvia, Angélica, Canuto, Aldgebra e Lígia
Um médico na cidade, para substituir o Dr. Gileno, não podia só clinicar. Dr. Pedro foi dar aulas de francês e história natural, no Ginásio Murilo Braga.
Dr. Pedro foi seu diretor do Murilo Braga, entre 1951 e 54. Além de Dr. Pedro, o Ginásio de Itabaiana teve diretores famosos: Padre Arthur, Lauro Pacheco, o Ministro Luiz Carlos Fontes de Alencar, e a grande, Maria Pereira.
Em 1955, chegou a Itabaiana o competente e politizado Padre Arthur, um grande amigo de Dr. Pedro. Passam a incomodar politicamente o chefe da UDN, Euclides Paes Mendonça. Nas eleições de 1958, em Itabaiana, o PSD não tendo um nome forte para enfrentar Euclides, lançou mão do prestígio médico de Dr. Pedro. Claro, perdeu.
Em 1961, o Dr. Pedro assume o comando do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), em Itabaiana. Foi uma folga, para ajudar na criação de 14 filhos.
O Dr. Pedro passou a ser a cara de Itabaiana. Humilde, engraçado, gozador, sarcástico, amigueiro, simples e humano.
Conta-se que uma idosa, com um grau avançado de demência, possuía uma boneca de estimação. Com frequência, levava a boneca para ser consultada por Dr. Pedro. O doutor não hesitava, consultava a boneca.
Antes de Almir Santana, o Dr. Pedro já cuidava da saúde das prostitutas, em Itabaiana, com zelo e dedicação. Uma delas perdeu um filho pequeno, afilhado do Doutor. No dia do sepultamento, o féretro parou defronte do consultório, para receber a última benção do padrinho.
Outro fato desconcertante: encontraram Dr. Pedro rodando a feira a procura de uma paciente. Procuraram saber o motivo. Ele foi direto. Essa senhora foi a única que pagou a consulta. Achei injusto. Só ela! Vim devolver o dinheiro.
Claro, com esse comportamento, família grande, a situação financeira era precária. Um amigo, fazendeiro de Frei Paulo, ofereceu os restos do leite para Dr. Pedro vender coalhada, e melhorar a receita. Assim foi feito.
Diariamente, o neguinho da coalhada, um agregado, percorria as ruas de Itabaiana vendendo a coalhada de Dr. Pedro. Como não existia copos de plástico, a coalhada era vendido em copos de vidros, aqueles copos de bodega.
No início de 1970, o MDB de Oviedo e Zé Carlos Teixeira procuram Dr. Pedro para compor a chapa de Deputado Estadual. Dr. Pedro foi eleito com 2.895 votos.
O Natal era uma festa de muito apreço para Dr. Pedro, além de vestir-se de Papai Noel, ele montava uma vistosa árvore-de-natal.
O Dr. Pedro era chegado aos Saraus Etílicos Culturais, com uma roda de amigos diversificada, gente de todas as classe sociais: Seu Pepita, sapateiro (merece um verbete); João Quarenta, sapateiro; Oswaldo de Vivi; Oscar, motorista; Zé Silveira; Zeca Araújo; Aderlado Oliveira; Seu Martins; Josafá, da coletoria; Tonho de Pedro Delfino; Airton Tavares e Reginaldo Silveira.
Manoel Francisco de Oliveira (Pepita), retornou do Rio de janeiro em 1949, doente, quase paralítico, perturbado da cabeça, e logo estabeleceu uma profunda amizade com Dr. Pedro. Seu Pepita era filho de Amália, uma famosa fabricante de colchões de junco, os melhores de Itabaiana.
Seu Pepita passou a ser a sombra de Dr. Pedro, numa relação de carinho e profunda amizade. Além de sapateiro, Seu Pepita fabrica gaiolas. Faleceu em 1985.
Os saraus eram semanais, na casa de Marcelino, que tinha a melhor radiola de Itabaiana, som em alta fidelidade.
Dr. Pedro criou em Itabaiana, o fã clube de Francisco Alves, morto em 1952. Em todo 28 de setembro, a turma se reunia, muita cerveja e feijoada, para relembrar o Rei da Voz. No final, todos concordavam: ele canta cada vez melhor. Não sei se anda funciona.
Certa feita, Santinho de Nia, meio lá meio cá, passou por essa turma e fez o cumprimento habitual: “para Dr. Pedro, boa tarde; para os outros, merda.”
Dr. Pedro era maçom, loja Cotinguiba; flamenguista e espirita (uma herança do pai). Foi presidente da Associação Olímpica de Itabaiana (1965/68). Nesse período que o clube passou por uma revolução: a chegada do primeiro ídolo do futebol itabaianense, Horácio de Carira.
Dr. Pedro era diabético. Sofreu o primeiro infarto em 1976. Em 1979, Dona Ivone, a esposa, decidiu voltar para o seio da família, em Salvador. Em 1983, sofreu o segundo infarto.
Em 05 de janeiro de 1990, aos 69 anos, o mundo perdeu uma alma de luz. Morreu pobre. O seu corpo está sepultado no cemitério da Igreja Senhor do Bomfim, em Laranjeiras.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura
sábado, 16 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. DR. SINVAL ANDRADE DOS SANTOS
Itabaiana – 350 anos. Dr. Sinval Andrade dos Santos.
(por Antonio Samarone)
Nasceu em 31 de julho de 1938, em Itabaiana/SE, filho de José Rodrigues Santos (Zeca de Áurea) e Dona Rosália Andrade Santos. Um ceboleiro de quatro costado.
Vejam um pouco da genealogia de Sinval, no estilo Itabaianense.
Seu Zeca, o pai, era alfaiate, filho de Dona Áurea e Seu Manezinho Pricina, dono de loja de tecidos, na esquina do Beco Novo, com a Rua da Pedreira. Seu Zeca de Áurea foi casado com Dona Rosália, irmã de Antonio Magneto. Seu Zeca de Áurea era irmão de Juca Cego, que fazia o melhor vinagre artesanal do Brasil.
Sinval Andrade tem as suas raízes no Beco Novo, residiu na casa número 06, vizinho a Antonio de Mojica. É irmão de Antônio, também médico, que mora para as bandas de Araraquara; de Clodomir, homem de vasta cultura; de Maria, viúva de Benedito de Candoca e da professora Zelinda.
Sinval Andrade fez o primário em Itabaiana, no Grupo Guilhermino Bezerra. Formou-se em medicina no Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1967. Fez residência médica em anestesiologia, no Hospital Souza Aguiar.
Retornou a Sergipe em 1970. Exerceu a anestesiologia por muito tempo. Hoje, exerce a acupuntura. Autor da história da anestesiologia em Sergipe. Em 1973, assumiu a chefia da primeira UTI de Sergipe, no Hospital de Cirurgia.
Mestre pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Especialista em acupuntura. Ocupa a cadeira 29, da Academia Sergipana de Medicina.
Sinval Andrade é casado com Katia, irmã do famoso Dr. Wagner da Diagnose, é pai de Vinicius/ cirurgião de aparelho digestivo, Tatiana/anestesista, Marcelo, radiologista, além da advogada Bianca, profissional de destaque no departamento jurídico da Petrobras.
Foi meu professor de Farmacologia e de Anestesiologia, na Faculdade de Medicina da UFS.
Sinval Andrade (84 anos), destaca-se pela erudição, saber científico e retidão moral. Um humanista!
Antônio Samarone. Secretário de Cultura.
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. LATA D' ÁGUA NA CABEÇA
(por Antônio Samarone)
A água foi escassa desde as origens. A transferência do Arraial de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, do vale fértil do Jacarecica, para a árida Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, foi uma decisão para só para beneficiar o padre de São Cristóvão, que queria vender uma propriedade.
A Irmandade das Almas comprou o sítio, transferiram a Arraial e o povo acompanhou Santo Antonio Fujão. As consequências, só foram atenuadas com a chegada da água encanada (1963).
Antes, os ricos construíam cisternas, para garantir a sua água. Os remediados comprovam aos carregadores, e os pobres se largavam em busca das águas barrentas dos tanques e açudes. Tanque do Povo, no centro; Tanquinho, Santa Cruz, Aloque, Açudes Velho, Novo e do Matadouro, na periferia.
Diariamente, o Beco Novo se acordava alvoroçado, uma procissão de gente em direção ao Tanquinho, em busca de água, para se fazer o café e lavar o rosto. Banho, banho mesmo, era uma fidalguia. Só os banhos de sopapo ou de cuia.
Os meninos do Beco Novo dormiam sujos! Mamãe só exigia que esfregássemos os pés molhados numa pedra, para tirar o lodo grosso, e não sujar o lençol.
Nem os meninos escapavam dessa via-sacra em busca de água.
Quando eu passava na esquina do Beco do Ouvidor, gritava: Dona Mãezinha, não vai mandar os meninos buscar água? Ela já se levantava com cipó na mão: acorda preguiçosos, o filho de comadre Lourdes já fez três viagens ao Tanquinho. Eu saia rindo da perversidade.
Entre os carregadores de água, que abasteciam a cidade, com quatro latas no lombo dos jegues, duas de cada lado, e que viviam disso, lembro-me de Seu Carbureto, um senhor baixinho, pés descalços, calças arregaçadas e sempre avexado.
Ele enchia a caixa d’água do Bar Brasília e dos ricos da Praça. Uma lata d’água de beber, de Seu Carbureto, custava uma pequena fortuna.
Que fim levaram os filhos de Seu Carbureto, são vivos?
Sei que é quase impossível uma pessoa que sempre teve água na torneira imaginar o que estou contando. No dia em que chegou água em Itabaiana, ficamos acordados esperando os primeiros pingos na torneira. A maioria era incrédula: não vai chegar!
O milagre: por volta das 9 horas da manhã, surgiu o boato: na Rua da Vitória já chegou. Eu sair desembalado na carreira para ser o primeiro a ver novidade, na casa de Rosália de Antonio de Genoveva. E era verdade! Uma aguinha fraca, chilreando.
Passavam-se horas, para se encher um pote. Mas a água chegou. Acabou o castigo!
Aquele resenha acabou. O caminho dos tanques era uma festa. O caboclo “Vai oiando coisa a grané/ Coisas qui, pra mode vê/ O cristão tem que andá a pé.” – Gonzaga.
Como já tínhamos água da Ribeira, dentro de casa, entupiram-se os tanques para se fazer casa. Eita povo sem juízo. Aterraram a Santa Cruz, ali perto do cabaré de Laura; o Tanque do Povo para se construir um mercado. Taparam tudo. Não sobrou nem a memória.
Tem as lembranças negativas. Conta-se que o finado Euclides, chefe político da UDN, mandou prender Seu Vital da Lapa, pequeno comerciante, um homem de bem, só porque ele era do PSD.
Nessa prisão arbitrária a tortura correu solta: além de apagarem um charuto no rosto de Seu Vital, ele foi obrigado a encher a caixa d’água da cadeia com uma lata furada, indo buscar no Tanque do Povo.
Não sei se o fato é comprovado pelos historiadores; mas todo mundo em Itabaiana daqueles tempos sabia dessa estória. Eu se fechasse os olhos via Seu Vital todo molhado, com a lata furada na cabeça.
A chegada da água da Ribeira, trouxe novidades hídricas: as primeiras piscinas em Itabaiana. O banho de rio e a rede de dormir são as principais heranças lúdicas deixada pelos Tupinambá. A piscina é um luxo. Álvaro de Antonio Agostinho construiu a primeira piscina, em sua chácara. Foi um espanto.
No dia da inauguração, a cidade parou, todos queriam ver novidade. Uma procissão desceu a estrada dos eucaliptos, em direção à casa de seu Álvaro. Ocorre que a piscina era particular, só cabia os convidados.
Ainda acho um desperdício de água, encher uma piscina.
Nesse tempo, a Associação Atlética e o Aruana Clube instalaram piscinas para os sócios. As manhãs dos domingos ficaram movimentadas. Essas não chegavam para o meu bico.
A história não acabou: pobre também é filho de Deus. Um comerciante de tecidos, Abércio de Basto, resolveu fazer uma barragem em sua propriedade na fronteira do Malhador (foto). Estava criada a “Piscina de Abércio”. Foi uma farra no Beco Novo.
Era o nosso Parque Aquático.
Aos domingos e feriados, um magote de meninos saia do Beco Novo, em caravana, para a Piscina de Abércio. Quem tinha, ia de bicicleta; quem não tinha, ia a pé. Duas léguas tiranas.
Essa semana, fui visitar o local da piscina de Abércio. Um buraco dentro do mato, era o nosso encanto juvenil. Só a mangueira e a memória sobreviveram.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
O COLÉGIO MURILO BRAGA, COMPLETA 75 ANOS (1949 - 2024)
(Por Antonio Samarone.)
A escola pública era o caminho mais seguro de ascensão social. A criação do Ginásio Murilo Braga, em Itabaiana, em 1949, foi um bom exemplo.
A farda do ginásio, simbolicamente, unia pobres, ricos e remediados. Quem não via saídas, enxergou a escola.
Antes, a juventude trabalhadora, terminado o primário, tinha duas opções: 1 - as profissões artesanais (sapateiro, alfaiate, padeiro, ourives, marceneiro, carpina, oleiro, comerciário, motorista...), não cabia todo mundo; 2 - ir embora para o Rio de Janeiro ou São Paulo, como diz os versos de Patativa do Assaré: viver como escravo no Norte ou no Sul.
O Ginásio, em 1949 e o científico, em 1969, no Murilo Braga, abriram as portas das universidades, sobretudo da Universidade Federal de Sergipe. Uma legião de Itabaianenses conquistaram a cidadania nos bancos escolares. Modestamente, “Ainda estou aqui”, parodiando o filme de Walter Salles.
É impossível lembrar-me de todos os diplomados. São milhares! Tentei lembrar-me somente dos formados em medicina. Pedi ajuda da Dra. Fátima Siqueira, a mente mais fértil de Itabaiana, e levantei os nomes de alguns médicos que saíram do Murilo Braga:
O primeiro, Dr. Antonio Santana de Menezes, formado em 1968; Átalo, homeopata; Luiz Antonio das Vitalinas, clinicou em Simão Dias; os filhos de Serapião do Cartório (Bertrand, Gois e Roberto); Luciano das Vitalinas, Luciano Siqueira e Luciano de Zé Sacristão.
Continuando a lista de médicos filhos de Itabaiana:
Guilhermino Noronha; Valfredo, de Maria Tavares; Carlos Umberto (China); Luiz Carlos Andrade, Antonio Carlos Fontes e duas filhas, Andrea e Amanda; Airton Peixoto, Elio Lima, Denise Silveira, Maria Betania, filha de Tonho de Dóci, a primeira mulher; José Marcondes; Benjamin de Bebé; Luiz Antonio (Tinho); Ferreira anestesista.
Maria José, irmã de Zé Carlos Machado; Fátima Siqueira; Diana Maria Andrade; Diana Oliveira, Djalma ( irmão de China); Ana Jovina, neta de Quinho Carteiro; Ana Cristina, Anaelze e Ana Carla; Jussane Oliveira, filha de Cleunair Carapiá; Edésio, do mercadinho; Ana Patrícia; Rômulo de Oliveira, filho de Lessa; Antônio Correia, Fabian Vinicius; José Augusto Lima; Carlos Augusto, filho de Mozart, Ana, filha de Floro e Alysson.
Tem a turma mais nova, que certamente está incompleta: Edelma de Zé de Merré, Ivanilson, José Antônio Nascimento ( Toinho de Antônio Pintor); Débora Ocea; Patrícia Ocea; Roseane; Carlos Cleber, filho de José Carlos Massa Crua); Jilvan Pinto (presidente do CRM); Ana Taísa; Taísa; Victor Teles, o que passou no vestibular com 14 anos; Danilo; Matheus Peixoto; Nathan, Marifran; Simone; Geová; Ana Paula, uma filha de Paulo de Dezi; José Vieira e Jonas.
Milena, filha de Ronaldo Breu, Adilson, Carlos Alberto e Adelvan Ferreira, filho de Avelar; Matheus Carvalho e Alex; Naudson; Alan; José Jeová, Edelma; Shirley, filha de Zé Catito; Shirley, Shirlene, primas de Gleuza e Renê, filho de Purga de Cós.
Os famosos Francisco Máximo, Eduardo Amorim, Gilson Andrade (prefeito de Estância); Alberto Machado; Adilson Almeida, filho de Seu Alvino; Sinval Andrade e o irmão, Antonio Andrade; José Luiz Machado, Aguinaldo Fonseca; Reges Almeida; Marconi Ramos; Marcos Ramos; Antonio Fernandes Menezes; Edmundo da Graça e Nivaldo de Joãozinho Vermelhinho.
Os universitários eram destaque em Itabaiana. Participavam ativamente da vida social. A cidade se orgulhava dos seus estudantes. Essa foto é um exemplo: um time de universitários fazendo a preliminar dos jogos do Itabaiana. Um desafio: quem está nessa foto?
Sei que esqueci de muitos. Peço ajuda: quem lembrar médicos itabaianenses não citados, tendo ou não passado pelo Murilo Braga, passe-me os nomes.
No dia 23 de novembro, sábado, a Academia Sergipana de Medicina organizará uma “tertúlia” em Itabaiana. A atividade terá com principal atração, uma palestra de Vladimir Carvalho, sobre a história da medicina em Itabaiana. Durante o evento, médicos Itabaianenses serão homenageados.
A atividade é aberta a sociedade.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.