A Revolta da Vacina.
(por Antonio Samarone)
(por Antonio Samarone)
O século XX começou em Sergipe, com uma procissão de bexiguentos. A varíola era a principal causa de morte. As epidemias se sucediam, quase anuais. O único remédio era a vacinação em massa.
Aqui reside o problema: a vacinação não era bem aceita.
A resistência a vacinação era generalizada. A grande Revolta da Vacina de 1904, no Rio de Janeiro, não foi um evento isolado. Oswaldo Cruz conseguiu que o Presidente Rodrigues Alves tornasse a vacinação contra a varíola obrigatória e povo partiu para o enfrentamento.
Não imaginem que a resistência à vacinação era exclusiva do povo. O sábio Rui Barbosa, discursava contra a vacinação no Congresso: “Mostrai-me o título, divino ou humano, que vos conferiu o direito de intervir na substância do meu sangue... A natureza reservou as minhas veias ao seu domínio privativo. A lanceta oficial não as penetrará...”
A Academia Nacional de Medicina era contra a vacinação obrigatória, proposta por Oswaldo Cruz. Aliás, os médicos discordavam da teoria microbiana das doenças, descoberta por Pasteur. Os médicos professavam o velho higienismo.
As superstições não são apanágios do povo.
Setores do Exército foram contra a vacinação. Foi uma luta do Apostolado Positivista, de inspiração liberal. A resistência a vacinação é atávica. O povo pegou o embalo.
A racionalidade científica sempre enfrentou resistências no enfrentamento das Pestes. O negacionismo da Covid-19 mantém a regra.
Os positivistas chamavam a vacinação obrigatória de sifilização obrigatória.
Existe um texto de Augusto Comte condenando a vacina: “A medicina apresenta um vício lógico capital, pois está sempre reduzida a recorrer a processos gerais em casos específicos.” A vacinação seria um processo geral.
A vacinação obrigatória era vista, no início do século XX, como um atentado a integridade física e moral do indivíduo e a sua liberdade de consciência. O corpo humano é uma propriedade sagrada e inviolável de cada um.
Em 1911, em Laranjeiras - Sergipe, a população reagiu violentamente quando o Dr. Militão de Bragança, diante de uma grande epidemia de varíola, tomou a iniciativa de vacinar a população. O doutor teve a sua vida ameaçada.
O Dr. Bragança vacinou as filhas em Praça Pública, para demostrar que a vacina era segura. Não houve jeito. Neste ano, só em Laranjeiras, morreram 340 pessoas por varíola.
Eu conheço teses, pretensamente marxistas, que afirmam que a vacinação obrigatória era uma tentativa de dominação capitalista, através da higiene. Uma confusão com os projetos eugênicos, de inspiração racista, apoiado pela Sociedade Brasileira de Higiene. Essa é outra discussão.
A vacinação da época de Bragança não era mais a antiga variolização, braço a braço. Já se vacinava modernamente com a linfa vacínica. A pele era lavada com um antisséptico (licor de Wansoiten), a lanceta era flambada e fazia-se uma escarificação na pele do braço. Soprava-se na extremidade do tubo para que uma gota da linfa penetrasse através da pele escarificada. Esse era o método de vacinação.
O difícil era manter a linfa vacínica em bom estado de uso.
Atualmente, existe um movimento mundial anti-vacina. Muitos pais decidem não vacinar os seus filhos. A OMS aponta o “medo da vacina”, como um grave problema de Saúde Pública. Essa controvérsia secular continua em pauta.
A resistência a vacinação tem defensores de peso: Em 1998, o médico britânico Andrew Wakefield, publicou um estudo em uma respeitada revista científica, a Lancet, relacionando a vacina tríplice viral, que previne contra a caxumba, o sarampo e a rubéola, ao autismo.
Não sei o porquê da surpresa, quando o Presidente Bolsonaro defendeu recentemente que a futura vacinação contra o Covid-19 deve ser facultativa. Vacina-se quem quiser, disse o Mito. A justificativa é a mesma, uma defesa dos direitos individuais.
Do jeito que a coisa anda, a futura vacinação contra a Covid-19 pode não ser pacífica. A sociedade brasileira se dividiu sobre a existência ou não da Pandemia, por que a vacinação seria consenso?
Não se surpreendam com uma nova Revolta da Vacina.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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