terça-feira, 12 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. PROFESSORA MARIA PEREIRA.
(por Antonio Samarone)
“Em 1930, Itabaiana contava com um total de treze escolas primárias, das quais quatro estavam localizadas na sede do município — duas destinadas ao ensino masculino e duas ao feminino —, enquanto as nove restantes estavam situadas nos povoados.” Vladimir Carvalho.
Em 1937, instalou-se o Grupo Escolar Guilhermino e, em 1949, o Ginásio Murilo Braga.
O orgulho de vestir a farda do Ginásio, de caqui Floriano, um brim especial, com o brilho de linho. No braço da camisa da farda, o distintivo como os oficiais da polícia usavam, indicando a série que o aluno cursava. Eu me sentia garboso, mesmo sem saber o que era ser garboso.
A farda do ginásio eliminava (simbolicamente) as diferenças de classe social e riqueza. Fardados, éramos iguais. O Murilo Braga foi um viveiro de cidadania, em especial, no período dirigido por Maria Pereira (1967 – 1981).
Itabaiana é uma terra de grandes professoras: Maria Thetis Nunes, Maria de Branquinha, Tereza Cristina Souza, Etelvina Amália de Siqueira, Lourdes de Mozart, Terezinha, Joseíta, Inês Resende, Suzana de Sizino, Josefa Eliane, Neide Sobral e Izabel Esteves de Freitas. Entre outras...
A professora Maria da Conceição (Maria Pereira), Nasceu em Itabaiana, em 20 de dezembro de 1930, filha primogênita do casal Pedro Pereira de Andrade (Pedro de Cesário) e Maria Alexandrina da Conceição. Teve 4 irmãos: Carlos, Pureza, Lourdes e Luiz. Do primeiro casamento do pai, teve outros 5 irmãos: Benjamin, Elias Andrade, Filomeno, Leandro e Irineu.
Elias Andrade foi primeiro itabaianense a brilhar nas universidades. Formou-se em Engenharia, em Salvador, sempre como o primeiro da turma. Faleceu aos 30 anos, em Fortaleza, vitimado por um acidente aéreo.
Na infância, Maria Pereira mudou-se com sua família para Aracaju, onde se estabeleceram em uma propriedade localizada próxima à atual Avenida São Paulo, no bairro Siqueira Campos. Seu pai, Pedro de Cesário, era um fabricante de fogos de artifício, sendo reconhecido como o melhor fogueteiro da região.
Maria Pereira iniciou seus estudos em Aracaju, onde frequentou o ensino primário no Grupo Escolar General Valadão, localizado no Bairro Siqueira. A sua formação no ensino secundário foi Escola Normal Rui Barbosa. Após concluir o antigo curso pedagógico e obter o título de professora, Maria Pereira retornou com sua família à cidade de Itabaiana.
Em Itabaiana, Maria Pereira inicia sua vida profissional entre o final da década de 50 e início da década de 60, lecionando no Educandário Cônego Vicente de Jesus (Escola do Padre) e vinculada à Paróquia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.
Fui aluno de Maria Pereira, no segundo ano primário. O Colégio do Padre era privado, mas recebia alguns bolsistas, de entidades religiosas. O meu pai era do “circulo Operário”, uma organização da Igreja católica, que fazia frente ao Centro Operário, que era comandado pelos comunistas.
Nas salas de aula da Escola do Padre as carteiras eram duplas, sempre menino com menino e menina com menina. A Escola funcionava em um velho sobrado, ao lado da Igreja. A escola do Padre fez uma revolução pedagógica em Itabaiana, sob a direção do Padre Everaldo (Bode Cheiroso).
Depois, Maria Pereira transferiu-se para o Grupo Escolar Guilhermino Bezerra, Escola Municipal Isabel, até a sua integração ao corpo docente do curso pedagógico da Escola Normal Rural Murilo Braga. Hoje, Colégio Estadual Murilo Braga (CEMB), exercendo a função de diretora entre 1967 e 1981.
Sob o comando de Maria Pereira, o Murilo Braga implantou aulas de música, com o Maestro João de Matos, depois com o maestro Valtenio, formando músicos, de iriam fortalecer a secular Filarmônica Nossa Senhora da Conceição.
Maria Pereira foi uma disciplinadora sem perder a ternura. Dura, discreta e sensata. Respeitada por todos, pelo seu comportamento isonômico. Nem protegia, nem perseguia ninguém. As suas determinações eram justas e os corretivos leves. Maria Pereira me civilizou com exemplos.
Nas escolas primárias, a palmatória metia medo.
Em 19 de julho de 2019, foi criado o Movimento Cultural Maria Pereira, uma iniciativa da Academia Itabaianense de Letras, visando fomentar a cultura, a literatura e o protagonismo estudantil na região.
A Escola Estadual Professora Maria da Conceição, situada no bairro São Cristóvão, em Itabaiana, presta homenagem a uma profissional da educação de primeira grandeza.
Maria Pereira, foi diretora no Colégio Estadual Murilo Braga (CEMB), no período de 1967-1981. Faleceu em 23 de novembro de 2010, aos 80 anos, acometida pela doença de Parkinson. Maria Pereira não se casou e nem teve filhos.
Agradeço a pesquisadora Marina Mendonça, as informações sobre a carreira profissional de Maria Pereira. A foto é do acervo de Robério Santos.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
E POR FALAR EM RETRATISTAS...
E por falar em retratistas...
(por Antonio Samarone).
O segredo de um bom retrato é captar um olhar inteligente, mesmo quando não existe um pensar correspondente. O olhar inteligente tem vida própria, só captado pelo inconsciente óptico das máquinas fotográficas, inacessível ao olho humano.
Na cultura, Itabaiana possui duas tradições: a música, com a secular Filarmônica; e a fotografia, com os mestres Paulino, Miguel Teixeira, Joãozinho Retratista, Percílio Andrade, Paulinho de Dóci, Jorge Moreira e Seu Romeu.
Só os ricos e remediados tinham acesso a esta arte.
Seu Joãozinho retratista era o mais famoso, com o seu cavalinho de madeira, anjos entregando hóstias não consagradas. Santos e cristos de papelão. Ao fundo, um cenário com o azul firmamento, carregado com nuvens de algodão. Seu Joãozinho dominava a técnica, com os seus retratos bem retocados, a lápis grafite.
Seu Joãozinho era um retratista mágico!
Miguel Teixeira (foto), o mestre da fotografia, deixou um legado sobre a vida na Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. O casario, o vestuário, as festas, folguedos, os dias santos, procissões, danças, hábitos e costumes. Um trabalho documental pouco estudado.
O acervo de Jorge Moreira se perdeu? Não sei dizer.
A fotografia era vista como um espelho do real. A fotografia não mente, é uma prova, uma mimese, uma imitação quase perfeita da realidade. A fotografia como semelhante ao referente. Um registro, uma tomada.
Os antigos retratistas oficiais se transformaram em fotógrafos profissionais. A boniteza estava na apuração técnica, na resolutividade, na iluminação e no enquadramento.
Hoje, se sabe, que a fotografia não é uma cópia do real.
O retratista Seu Justo chegou ao Beco Novo! A fotografia chegava ao povo. Seu Justo se instalou no mais famoso cruzamento de Itabaiana: Rua do Beco Novo com a Rua da Pedreira, na esquina onde funcionou a loja de tecidos de Manezinho Priscina, antiga casa do Coronel Sebrão.
Na segunda esquina, funcionaram as barbearias de Seu Abílio, e depois de Seu Juca, pai do guarda-vala Tito. Na terceira, funcionou a padaria de Euclides e Mamede Paes Mendonça, depois o Bar de Pedro Delfino, administrado com mão ferro por Dona Isaltina; e na última esquina, era a sortida bodega de Zé Meu Mano.
Um cruzamento com muitas histórias!
Dona Isaltina enxotava quem botasse açúcar demais no café. Ela inspecionava! Tomava-se café em copos de vidro, de geleia usado. Quando se pedia um pão com requeijão, ela não se dava ao trabalho de tirar a casca. E aí daquele que reclamasse!
Outro aborrecimento, inaceitável para Dona Isaltina, era algum abusado acaçapar uma bola com força na sinuca. Ela mandava encostar o taco na hora. Seja lá quem fosse...
Lembro-me que na bodega de Zé Meu Mano vendia-se óleo de rícino, o terror no tratamento final das lombrigas; ou para os que estivessem com a barriga inchada ou fastio. Minha mãe adorava prescrever óleo de rícino, violeta-genciana, pó de sulfamida, cibalena, cafiaspirina, pomada minâncora, uvilon, piperazil, emulsão de scott, biotônico fontoura e guaiacol.
Estava lendo um clássico de Philippe Dubois, “O Ato de Fotografar”, e a mente me empurrou para Itabaiana. Terminei no óleo de rícino de Zé Meu Mano e nas delicadezas de Dona Isaltina.
Vou parar por aqui.
Antonio Samarone.
domingo, 10 de novembro de 2024
O CU DE SIDCLAY.
O Cu de Sidclay...
(por Antônio Samarone)
O velho Chico Buarque diz numa canção esquecida: “Procurando bem/Todo mundo tem pereba/Marca de bexiga ou vacina/E tem caganeira, tem lombriga, tem ameba... Futucando bem/Todo mundo tem piolho/Não livra ninguém/Todo mundo tem remela...”
Lembrei-me dessa canção, ouvindo Dona Zefinha no rádio, reclamando dos médicos do SUS:
“Levei Sidcley, o meu filho mais novo, para fazer um exame de fezes no Postinho da Prefeitura, e o médico me disse que não existia mais esse exame. Como assim, me danei... Não existe, ou o senhor não quer pedir? O meu filho tá comido de vermes. Além da lombriga e o do amarelão, acho que ele pegou a caseira, aquela que ataca o olho do cu. O menino não para de coçar. Só saio daqui quando o senhor pedir o exame.”
Depois de muita insistência, o doutor terminou pedindo. Mas foi pior: quando recebeu o resultado, negativo, não deu nada. Como, Sidcley não tem verme? E essa caseira é o quê? O exame só pode tá errado. Fui conversar de novo com médico, desabafou Dona Zefinha.
Só que no rádio, Dona Zefinha não contou o final da história. Procurei saber da Unidade onde ela foi atendida, e liguei para o médico.
Ele, pacientemente, me explicou. Samarone, as verminoses são raríssimas hoje em dia. Os meninos mudaram os hábitos de higiene (acho que foi a escola); andam calçados, bebem água limpa, não fazem mais coco em baixo das bananeiras, como em nosso tempo.
Nunca mais consultei um menino com verminose, continuou o doutor, deixaram de ser um problema de Saúde Pública. Não se encontra mais ascaridíase (lombriga), ancilostomíase (amarelão), teníase nem se fala; ocasionalmente encontro um ou outro menino reclamando de uma coceirinha nos anus, examino, e tenho encontrado a oxiurose, isso mesmo, causado pelos oxiúros, o Enterobius vermicularis, um vermezinho de 2 mm.
Pensei que o Sidcley tivesse o que o povo chama de caseira. Nada, nem isso. O exame deu negativo. Os meninos de hoje tem muita alergia, TDAH e autismo. A lactose é quase um veneno.
E aí, meu amigo, se o Sidcley não está com a caseira, o que é esse formigamento no cu do menino? Formigamento não, disse-me o colega, é coceira das brabas. O cu de Sidclay está em carne viva!
A mãe me contou que Sidcley tinha botada a tripa gaiteira (a tripa gorda), para fora (prolapso retal) e ela botou para dentro com uma vara de fumo brabo. O povo se vira.
Para lhe falar a verdade, eu não sei do que se trata, disse-me o colega. Não dar para pedir uma ressonância magnética, para ganhar tempo. Nem posso dizer que é uma virose. Estou no mato sem cachorro. Não sei nem para quem encaminhar.
Coceira no olho do cu é competência de que especialidade? Eu não sei. Nem eu! Fui ver o manual de procedimentos da AMB, e não encontrei.
Me lembrei da infância no Beco Novo. Todos tínhamos lombrigas, perebas e bicho de pé. A disputa era saber quem tinha mais.
Após tomarmos os remédios de Dr. Pedro Garcia Moreno, médico do DNERU, as mães contavam quantas lombrigas os buchudinhos botavam. Passavam de cem. Peba de Seu Justino botou uma pelas ventas. E agora, fico sabendo que acabou. Virou raridade!
Encerei o telefonema alertando ao colega. Você trate de arrumar um remédio para Sidcley, senão Dona Zefinha lhe come vivo. E ainda vai ficar brotando no rádio o resto da semana, dizendo que o SUS virou uma esculhambação.
Antônio Samarone – médico sanitarista.
sábado, 9 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. UM MAESTRO IMPACIENTE.
Itabaiana - 350 anos. Um Maestro Impaciente.
(Por Antonio Samarone).
Antonio Melo (1902 – 2002), maestro da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, de tradicional família de artistas, em Itabaiana. Viveu cem anos. Um exímio saxofonista, improvisava qualquer arranjo.
Eu fui aluno do maestro, por três semanas, quando ele me desenganou: “você não dá para a música”! Ele acertou. Nem toco, nem canto e nem danço. Acho que na geração anterior, fui surdo.
O maestro Antonio Melo era irmão de Zezé da Lagoa, o dono do primeiro cinema em Itabaiana; de Zé Melo; Seu Heleno, de Neusa; Jú Melo; Bobó; Gustavo; Cecinha; Zaíra; Filelina Melo (Dona Nila), esposa do Dr. Florival de Oliveira.
Vejam esse esclarecedor comentário de Wellington Mendes:
“Seu Antônio Melo, apesar da fama de ranzinza, foi uma das pessoas mais hábeis em seu instrumento que já conheci, e apesar de tudo conseguia às vezes ser bem engraçado, com um humor acérrimo tipicamente itabaianense. Grande improvisador de choros, uma qualidade rara mesmo entre os entusiastas desse gênero."
"Descendente do grande Luiz Americano, a quem ele desmascarava como nascido em Itabaiana e como persona intrigante.”
“Vivíamos dia e noite no salão da Filarmônica. Ele nos cedia a chave para ficarmos por lá, praticando, tocando temas, brincando de jazzistas, ouvindo discos que eu levava com uma vitrola... Ele muitas vezes se juntava a nós com seu Alto ou Tenor. E quando uma peça tinha duas partes, ele improvisava uma terceira rss.”
“Nosso grupo, que compreendia os nomes de Aroldo Santos, Alexandre Abraham (RIP), Roberto Millet, Gustavo Melo de Seu Bobó, Jorge 'Pi' Pinheiro de Seu Bebé e eu, habitávamos praticamente no lugar. Até hoje nos diverte lembrar seus ditos pitorescos, como: "Três vezes ao leo!" "Shernepekcetbier!"
“E uma cantiga que ele dizia ter sido ensinada por um grupo de japoneses que um dia estivera em Itabaiana, que dizia: "Shon Kinashon Shonkina Nagazaky Yokohama Acordatiôi" rss. "Música e Mulher se escrevem com a mesma letra". "A velhice é uma boa peste!" rss
“Ele sempre ressaltava: "Quem toca clarineta toca saxofone, mas quem toca somente saxofone não toca clarineta".
"Contava sobre os primórdios do cinema em Itabaiana e como foi integrante de uma pequena orquestra que tocava para animar os filmes mudos (ele nascera em 1902! - duas Guerras Mundiais e algo mais!) Lembro que fiz dele uma caricatura que ele emoldurou e conservava na parede, não sei que fim teria levado.”
(O cinema era do irmão)
Boas lembranças, Wellington Mendes. Obrigado! Conte mais...
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. MAESTRO VALTENIO ALVES DE SOUZA.
Itabaiana – 350 anos. Maestro Valtenio Alves de Souza.
(por Antonio Samarone).
Itabaiana é o reino de Apolo, deus da música.
A iniciativa do padre e maestro Francisco da Silva Lobo, em criar uma orquestra sacra em 1745, prosperou, deu resultados, Itabaiana tornou-se um celeiro de músicos.
A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição encanta a nossa autoestima. É a maior instituição cultural de Sergipe e a mais antiga do Brasil. Possui em plena atividade: orquestra sinfônica, banda sinfônica, orquestra preparatória, orquestra experimental, banda infanto juvenil, grupo de flauta doce, classe de violão (50 músicos), grupo de percussão, fanfara, quinteto de metais, quinteto de cordas e quarteto de saxofones.
A filarmônica é composta por 350 músicos, 8 professores e 15 monitores. O maestro Ângelo Rafael Palmas Fonseca, doutor em regência, é um dos seus maestros. A filarmônica possui um laboratório de luteria, o Instituto João de Matos (escola) e um museu.
A Filarmônica é bem comandada pelo maestro Valtenio Alves de Souza.
Valtenio nasceu no pé da Serra de Itabaiana, em 30 de setembro de 1961. Filho de Seu Vieira e Dona Bonita, de uma família de seis irmãos. Estudou o primário no Educandário de Maria de Branquinha. O ginásio e o científico no Colégio Murilo Braga. Graduou-se em Educação Física, pela Universidade Federal de Sergipe.
Valtenio Alves de Souza, gostava do esporte, em especial o karatê. Entretanto, a sua alma era vocacionada para a música. Tocou corneta na fanfara da escola de Maria de Branquinha. No Murilo Braga, havia oficinas de músicas, organizadas pelo Mobral, onde Valtenio tomou um trompete emprestado e resolveu decifrá-lo.
Procurou o maestro Antonio Melo, da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição. Não teve sucesso, o exímio saxofonista Antonio Melo não tinha paciência com os discípulos.
Na verdade, a Filarmônica estava hibernando. Depois da morte de Euclides Paes Mendonça, presidente da Filarmônica, entre 1955 e 1959, o maestro Antonio Melo foi abatido pelo desânimo.
A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição já foi comandada por dois chefes políticos: Coronel Sebrão e Euclides Paes Mendonça. Hoje está entregue aos músicos.
Depois da morte do mestre Antonio Silva, assumiu a direção musical da Filarmônica, por pouco tempo, o maestro João de Matos. Na primeira metade dos anos cinquenta, o comando passou para o maestro Antonio Melo.
Valtenio não desistiu de aprender trompete. O próprio Antonio Melo aconselhou que ele procurasse João de Matos, para aulas particulares. Não deu outra. Valtenio passou a ser aluno particular do velho maestro.
Em 1976, o governador José Rollemberg Leite enviou para o Colégio Murilo Braga, uma quantidade de instrumentos musicais, suficientes para a formação de uma banda. O que fazer, com esse cabedal? Quem iria tocá-los?
Valtenio, aluno do colégio e interessado em música, sugeriu a diretora Maria Pereira, que contratasse um professor de música e abrisse uma turma. O professor foi o maestro de João de Matos e a primeira turma teve 30 alunos. Valtenio foi o aluno mais brilhante.
Como pagar ao professor? A burocracia pública não é fácil. Maria Pereira enxergou uma saída: o dinheiro da cantina terceirizada, seria para o pagamento do maestro.
A iniciativa foi um sucesso. No 7 de setembro de 1977, a banda do Murilo Braga já desfilou garbosamente pelas ruas de Itabaiana, tocando 2 dobrados, composições do grande João de Matos.
Novas turmas se formaram, entre 1977 e 1988, até a saída do maestro. Muita gente aprendeu música no Murilo Braga, com João de Matos.
João de Matos (1912 – 1994), marceneiro, velho comunista, fez história na música itabaianense.
A experiência da escola de música no Murilo Braga não acabou com a saída de João de Matos. Entre 1988 e 2013, assumiu a função de professor de música, Valtenio Alves de Souza, já professor de Educação Física do Murilo Braga, desde 1984.
Valtenio, inteligentemente, não se afastou do Maestro da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, Antonio Melo. Conciliou as duas missões: professor de música do Murilo Braga e membro da diretoria da Filarmônica. A missão era reativar a centenária Filarmônica.
Em 1998, Valtenio, com paciência, ganhou a confiança de Antonio Melo, tornando-se Presidente da secular Filarmônica. A sua primeira obra, foi reconstruir a velha sede, na Praça da Igreja, onde hoje funciona o museu. Era uma precária casa de taipa.
Antonio Melo (1902 – 2002) de tradicional família de artistas, em Itabaiana, viveu cem anos. Um exímio saxofonista, improvisava qualquer arranjo.
Com a ascensão de Valtenio na Filarmônica, ele recrutou os melhores alunos de música do Murilo Braga, para integrarem-se. O espaço físico da sede tradicional, na Praça, ficou pequeno.
Com o fim da escola de música do Murilo Braga (2013) e a retomada das atividades da Filarmônica, uma área do Colégio Murilo Braga foi cedida, para o funcionamento do Instituto João de Matos (a escola da Filarmônica). Depois, a área foi cedida em comodato.
Ressalte-se a competente passagem pela presidência da Filarmônica, do médico, músico, filosofo e poeta, Rômulo de Oliveira Silva, período onde a Orquestra Sinfônica foi consolidada.
Valtenio casou-se em 1986, com Maria Aparecida, funcionária do SESP. O casal teve dois filhos: Tássio Vieira e Thaíse Rubeny.
Hoje, a grandeza da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, deve muito ao maestro Valtenio Alves de Souza que, pacientemente, transpôs o período difícil da Filarmônica, recompôs, formou novos músicos e ganhou a confiança dos velhos mestres da música itabaianense.
Valtenio colocou a Filarmônica no patamar merecido!
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. OS FERREIROS DA MATAPOÃ.
(por Antonio Samarone)
Matapoã, (mata redonda, mata bonita), é um povoado de Itabaiana, onde nasce gente inteligente e troncha. A maioria dos gênios de Itabaiana é de lá.
Quando eu era menino, em Itabaiana, o povo chamava de Maitapã, onde viveu a tribo “Mathiapoa”, da Nação Tupinambá. Os meus ancestrais maternos, quando chegaram de Portugal, na primeira metade do século XIX, montaram as suas tendas de ferreiros na Matapoã.
O ferreiro João José de Oliveira (português) e Maria do Espírito Santo (Nhanha), uma Tupinambá, se estabeleceram em Matapoã. A prole desse casal, são conhecidos como os ferreiros da Matapoã: Quirino, Tertino, Antonio Francisco, Bernardino Francisco de Oliveira, Francisco Antonio, Vicente, Felismino (Nonô), Zentonho, Benvindo e Maria (Nanã).
A tragédia de Bernardino.
Numa terça-feira nublada, 17 de agosto de 1926, o velho ferreiro Bernardino Francisco de Oliveira, viúvo de dois casamentos (Maria Rosa de Jesus e Maria Wenceslau do Sacramento), 68 anos, pai de imensa prole (Felismina, Antonio Francisco (Totonho, meu avô), Francisco Antônio, Selvina, Ana, Neves, Libânio, Josefa e Maria (Lília), Agnelo, Maria (Neném) e Firmina); largou-se da Sambaíba, em Itabaiana, para comprar ferro em Maruim, matéria-prima da sua milenar profissão.
Já chegando ao destino, por volta das 9:40 da manhã, no povoado Caititu, entre Riachuelo e Maruim, KM 337 da ferrovia, o burro em que Bernardinho ia montado, assustou-se com o trem de passageiros nº 72, da “Companhia Ferro-Viária Éste Brasileiro”, que vinha de Propriá com destino a Aracaju.
O trem era conduzido por um maquinista experiente, Caetano Antônio de Jesus, que ao avistar a aflição, danou-se a apitar e puxar o freio de emergência.
A tragédia se anunciava, o velho Bernardino não conseguiu tirar a sua montaria da linha do trem, o animal agitado não obedecia às rédeas; o maquinista impotente, o local era uma curva em declive, próxima a um pontilhão. Tudo muito rápido.
A verdade é que o velho ferreiro não saltou do burro, talvez o amor ao animal. Um burro castanho de estimação, empurrou os dois para o mesmo destino.
Em frações de minutos o ferreiro e o animal estavam esmagados sob peso da locomotiva. Mamãe contava que não foi possível separar os restos de Bernardino dos restos do animal. Exagero!
Falava-se também, que em pouco tempo, como vingança, o maquinista foi esquartejado pelos ferreiros, irmãos de Bernardino. Não encontrei comprovação.
A massa ensanguentada, irreconhecível, foi recolhida com a pá de carvão, e colocada num saco, depositada num salão de chão batido, do imóvel que servia de parada do trem em Caititu. Ao final da tarde, os corpos foram transportados para o Departamento de Assistência Pública, na rua de Boquim, em Aracaju, para serem periciados.
Os Drs. Carlos Moraes de Menezes e Mário de Macedo Costa, levaram mais tempo para separar as partes do ferreiro, que para a devida necropsia. O estado de mutilação do corpo de Bernardino chocou a província.
A emissão do laudo pericial foi acompanhada pelo Senhor Doutor Chefe de Polícia do Estado, Álvaro Fontes da Silva (é como está no laudo cadavérico).
A bigorna e o fole de Bernardinho, repassados para o meu avô, Totonho, depois para os meus tios Zé e Omero, estão preservados numa tenda, no sítio do primo Arnaldo, nas Flechas.
As bigornas são como os sinos, possuem sonoridade única. Quando essa secular tenda operava, se sabia a distância: Bernardino está trabalhando.
Bernardino Francisco de Oliveira, nasceu em 11 de maio de 1858. Faleceu em 17 de agosto de 1926. Está sepultado no cemitério Santa Isabel, em Aracaju.
Antonio Samarone.
terça-feira, 5 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. JOSÉ AUGUSTO MACHADO.
Itabaiana – 350 anos. – Professor José Augusto
A historiadora Thetis Nunes, atribuía o desenvolvimento de Itabaiana, a partir de meados do século XX, as duas mudanças estruturais: chegada de BR – 235 e a inauguração do Ginásio Murilo Braga.
A importância de um curso ginasial, em 1950, já foi comentada. Em pouco tempo, Itabaiana lotaria as Universidades, em especial a UFS. Uma geração talentosa, estudiosa, bem formada, emergiu do Murilo Braga.
O primeiro exame de admissão em Itabaiana, ocorreu em 11 de março de 1950. A primeira turma iniciou com 40 alunos. Em dezembro de 1953, somente 20, concluíram o ginasial. O Paraninfo foi o Governador José Rollemberg Leite, em gratidão.
Em 1953, Itabaiana assistiu a uma festa nova: jovens desfilando nas ruas festejando, com direito a baile de formatura. Os meninos itabaianenses das classes populares, os filhos do povo poderiam avançar nos estudos. Não seriam mais obrigados a responder, quando perguntado sobre a escolaridade: “primário completo!”
Entretanto, entre o ginásio e a universidade existia o antigo 2º grau, o chamado científico. O Murilo Braga só ofereceu o “cientifico” em 1969. O Decreto-Lei 16, de 15 de maio de 1969, criou o curso científico, o Ginásio Murilo Braga se transformou em Colégio.
A primeira turma de cientifico em Itabaiana teve 51 alunos. Em 1971, somente 17 alunos concluíram o curso. Eu fui da 4ª turma. A divulgação dos resultados dos aprovados no vestibular da UFS, tornou-se uma festa em Itabaiana. A cidade era tomada por jovens de cabeças raspadas, com bonés de cores diferentes. Os futuros médicos, usavam bonés verdes.
Cantávamos o samba de Martinho da Vila: "felicidade, passei no vestibular..." O futuro estava encaminhado.
Essa festa teve um padrinho. O cientifico chegou pelo trabalho abnegado do filho de Zé da Manteiga. Nunca divulgou, fez tudo discretamente. De quem estamos falando?
José Augusto Machado (71 anos), natural de Itabaiana. Filho de José de Oliveira Machado (Zé da Manteiga) e dona Maria Maurícia Machado. Quatro irmãos: José Arnaldo (Manteiguinha), Maria do Carmo, Vera e Aparecida.
José Augusto era neto de Cândida Veridiana de Oliveira, filha de Benvindo, irmão de meu bisavô Bernardino! Era um ferreiro.
José Augusto fez o primário no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Foi aluno de Maria Pereira, Helena de Branquinha, Helena Priscina, Maria do Carmo de Pedrinho e Lenita Porto.
Entrou no Ginásio Murilo Braga em 1959, após um rigoroso exame de admissão (um vestibular precoce), e concluiu em 1962.
José Augusto, como todo menino da época, Jogou bola, brincou de castanha e pião. Pegou passarinho no visgo e no alçapão. Se danou de bicicleta, pelos povoados. Tomou banhos em rios, lagoas e açudes.
Em 1963, veio para Aracaju, cursar o científico no Colégio Estadual de Sergipe, no velho Atheneu, obrigatório para quem queria continuar os estudos.
Naquele tempo, terminado o ginásio no interior de Sergipe, os meninos que podiam vinham fazer o científico em Aracaju, os que não podiam, paravam os estudos, e iam procurar do que viver.
José Augusto passou no vestibular da conceituada Escola de Química de Sergipe, sem frequentar cursos de pré-vestibular. Concluiu o Curso de Química em 13 de dezembro de 1969.
Em 1970, José Augusto já era professor no Instituto de Química da UFS.
José Augusto se casou em 1972, com Iracema Barreto Machado. É pai de três filhos: Breno, Diogo e Dênio.
Ainda estudante, José Augusto Machado se envolveu na luta para levar o curso científico para Itabaiana quase sozinho. Depois de muito vai e vem, conseguiu que a Secretária de Educação instalassem em 1969, o curso científico no Colégio Murilo Braga.
Para sanear a falta de professores, José Augusto se dispôs a lecionar três disciplinas (matemática, física e química). E o curso se viabilizou.
O científico em Itabaiana foi a salvação para muitos meninos pobres que queriam continuar os estudos e as famílias não tinham condições de sustentá-los em Aracaju. Ressaltando, que esse benefício alcançou gente de todo o agreste e de parte do sertão.
Eu fui aluno da quarta turma, em 1970.
Itabaiana anoitecia com caravanas de alunos vindos de tudo o que era lugar. Vindos de ônibus, kombi, pau-de-arara, caminhoneta, de burro, bicicleta e a pé. Chegava gente de todos cantos: Carira, Frei Paulo, Ribeirópolis, Campo do Brito, Malhador, Moita Bonita, Macambira, vinha gente até de Jeremoabo e Chorrochó.
Esse povo todo, muitos só se formaram pela chagada do científico em Itabaiana, numa escola pública. Passamos a ter esperança em melhorar de vida através da escola. Era a cidadania conquista pela escola pública.
E essa luta para levar o científico para Itabaiana, pouca gente sabe, foi travada por José Augusto Machado, um anônimo estudante de química. Sem pretensões, sem interesses pessoais, apenas para beneficiar um magote de jovens pobres, condenados a encerrar os estudos no ginásio.
Antes que apareçam padrinhos, quem levou o curso científico para Itabaiana não foi político, secretário, diretor, padre ou juiz, foi um competente e discreto estudante de química da UFS.
O professor José Augusto Machado foi vítima da Covid-19. Faleceu em 14 de março de 2021.
José Augusto Machado, muito obrigado.
Antônio Samarone – Secretário de Cultura.
domingo, 3 de novembro de 2024
A ALCATEIA SERRANA
A alcateia serrana.
(por Antonio Samarone).
O historiador Sebrãozinho nomeia Itabaiana de “Velha Loba”, provavelmente, uma referência a Roma. Mesmo considerando o bairrismo, parece um pouco exagerado.
Por outro lado, a família Lobo, descendentes do Padre Francisco da Silva Lobo, exerceu um papel de protagonista na vida itabaianense, sobretudo, na fotografia e no ouro.
A lenda do Bezerro de Ouro, que pastava livremente nas noites de lua cheia, na Serra de Itabaiana, se traduziu na proliferação de ourives e joalheiros, desde o século XIX.
O acordo de Bretton Woods (1944), que substituiu o padrão ouro pelo dólar, teve impacto profundo em Itabaiana. O ouro estocado caiu de preço.
Sobre a fotografia, em 1871, já existia em Itabaiana a “Photo Nacional”, certamente a primeira empresa fotográfica do Estado, sob a batuta de Miguel Teixeira da Cunha (Teixeirinha), falecido em 1938, aos 90 anos.
Aqui entram os “Lobos”, no ouro e na fotografia.
Germano Teixeira Lobo (Germano Venta), o acendedor de lampiões da cidade, e Dona Maria Francisca Lobo tiveram 8 filhos: Antonio Lobo (ourives), João Lobo (Joaozinho retratista). E cinco lobas: Bambina, Eudóxia (Dóci), Dulce, Saudalina e Florípedes. Mulheres que simbolizavam a força do matriarcado itabaianense.
Bambina, que o povo chamava de Bombina, era casado com Pita da bodega (Agripino Ferreira), dono de um boteco na rua do Futuro. Eudóxia, era a esposa de Zezé da Requinta, pai dos “dócis” famosos (Tonho, Adélson, José, Paulinho).
Pita de Bombina presenciou a passagem de Antonio Conselheiro por Itabaiana. Ele contava detalhes.
João Teixeira Lobo (Joãozinho Retratista), aprendeu a arte da fotografia com o padrinho Teixeirinha. A acervo fotográfico por eles deixados, representa uma relevante fonte historiográfica da primeira metade do século XX, em Itabaiana.
O talento fotográfico de Joãozinho Retratista foi herdado pelo neto, Eduardinho, de elevada sensibilidade para as imagens. Tenho recebido belas fotos do Aracaju, da lavra dele, possuidor de um “drone” espião.
Antonio Teixeira Lobo, casado com Josefa Andrade Lobo (Zefa Gorda), era o melhor ourives do agreste, tendo feito, por encomenda, um anel de ouro para Lampião.
Dona Zefa era descendente do centenário tronco dos ferreiros da Matapoã, do patriarca português João José de Oliveira, meu tataravô.
O Casal Tonho Lobo e Zefa Gorda tiverem cinco filhos: Marilene, Ana Angélica, Ieda, Rosangela e o famoso Djalma Lobo, um personagem que merece um verbete especifico.
Robério Santos, em seu discurso de posse na Academia Itabaianense de Letras, esclareceu as distinções entre: Antonio Teixeira Lobo, o pai de Djalma Lobo; Antonio Teixeira Lobo Sobrinho, o filho de Joãozinho Retratista; e Antonio Teixeira Lobo Filho, Lobinho, filho de Helena Andrade.
Os Lobos (e Lobas), descendentes do padre que criou uma Orquestra Sacra, em 1747, são construtores da história de Itabaiana, com destaque no ouro e na fotografia.
A bela foto é de Dona Bambina, da lavra de Joãozinho Retratista.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
sábado, 2 de novembro de 2024
FINADOS DE 2024.
(por Antonio Samarone)
“Eu só peço a Deus/ Que a dor não me seja indiferente/ Que a morte não me encontre um dia/ Solitário sem ter feito o que eu queria.” - Leon Gieco.
“A velhice foi presente que a vida me deu”.
Nunca imaginei que chegaria aos 70 anos. Faltam apenas 2 meses. Espero que o pessoal da “autoajuda” me dê sossego. Não sou idoso, sou velho. Idoso foi Matusalém. O desapego e o fim das ambições deixam a sabedoria, a clarividência e o discernimento fluírem livremente nos velhos.
A bíblia celebra o 70 como o número da universalidade, do fim de um ciclo.
As livrarias estão abarrotadas de livros de autoajuda: lições para sermos ricos, felizes, eternos, jovens, saudáveis e realizados. Vão todos à merda! Não preciso que me digam que lado nasce o sol.
Agora entendo o conselho, que Nelson Rodrigues deu a juventude: envelheçam...
“Deixemos a outros as armas, os cavalos e as lanças, a clava e os projéteis. A outros a caça e a corrida. A autoridade natural, eis o coroamento da velhice.” – Cícero.
Eu sei, a demência é uma ameaça! Procuro exercitar a memória. Não sei se vai funcionar.
Quanto ao corpo, percebo que ele não me pertence. Não me obedece, tem os seus caprichos. A experiência alheia mostrou-me que o corpo tem um momento que desaba. Em dias, envelhecemos um século. Viramos pós! É uma certeza bíblica.
Algumas limitações naturais da velhice, são bem-vindas. Por exemplo: a surdez nos poupa dos ruídos das bobagens. O esquecimento nos liberta das lembranças das derrotas.
A vida é formada de matéria, energia e informação. As duas primeiras obedecem às leis gerais da física e da química; já a informação, a complexidade, a organização só pode ser entendida pela metafísica. Uma rede de circuitos cerebrais, produzem a consciência. As propriedades da mente pertencem ao conjunto, não existem nas partes isoladas.
As mudanças desvendadas pela física quântica, também ocorreram ao nível das macromoléculas intracelulares. Com menos divulgação. Nem a mecânica cartesiana, nem a energia vital estavam certas. A vida é mais complexa.
A ciência descobriu que as proteínas alostéricas, macromoléculas intracelulares (a hemoglobina é um exemplo) possuem informações paralelas ao código genético. Evoluíram com certa autonomia. Funcionam desobedecendo às leis gerais da química e com reduzido consumo de energia.
A medicina, por conveniência mercantil, parou na fisiologia do século XIX, de Claude Bernard.
O paradigma molecular ainda é uma miragem para a medicina. A fisiologia cerebral passou por mudanças profundas, nos últimos 30 anos. O cérebro é plástico e dinâmico. A psiquiatria limita-se a tentar regular os níveis de serotonina.
Alcancei a pós-modernidade e o fim das verdades. Isso não me afeta. O desafio é enfrentar a velhice (sobreviver). Espero que os mecanismos biológicos de controle da vida, continuem funcionando.
A velhice me deu humildade para reconhecer, que as origens do Cosmo, da Vida e da Consciência não estão ao alcance humano.
A ciência, a filosofia e a religião tentam, sem sucesso, penetrar no domínio dos mistérios. “O cérebro inventou o mundo, com diz Nicolelis, inventou inclusive o desconhecido e o metafísico.
Antonio Samarone – médico sanitarista.
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
ITABAIANA - 350 ANOS. JOSÉ QUEIROZ DA COSTA
Itabaiana – 350 anos. José Queiroz da Costa.
(por Antonio Samarone)
O desenvolvimento de Itabaiana teve a participação de Zé Queiroz.
Na década de 1960, uma nuvem de pessimismo cobriu Itabaiana: a luta política pelo controle do comércio atacadista, terminou em um banho de sangue. As paixões foram estremecidas.
A passagem de uma economia centrada na agricultura, para um polo comercial, foi traumática, seguiu o “vale tudo” da acumulação primitiva.
A cidade ganhou a fama de violenta e estava dividida pelo ódio e pelo ressentimento. Muitas famílias migraram para Aracaju. Nada unia os itabaianenses.
Um grupo, liderado por Zé Queiroz, Dr. Pedro, Mozart, Resende, Zé de Gentil, Pedro Goes, Alemãozinho, Fefi, Faustino, Tonho de Dóci, entre outros, investiram no futebol. Encontrou-se um caminho de reunificação: Somos Itabaiana, "Cidade Celeiro”, diz o hino.
Zé Queiroz liderou uma revolução cultural, através do futebol, ajudando na reunificação da sociedade civil itabaianense.
Infelizmente, a luta política continuou nos moldes coronelísticos. A modernização política, esperou pelo século XXI, com a chegada do grupo político liderado por Valmir de Francisquinho.
Em 10 de janeiro de 1960, Zé Queiroz casou-se com Maria do Carmo Monteiro, filha de Juca Monteiro, descendentes de Nicolau, um judeu russo, plantador de fumo. Carminha e Zé Queiroz tiveram seis filhos: Carmen, Zezinho, Norma, Ivan, Nana e Rui.
A partir de 1968, Queiroz passou a contribuir com a Associação Olímpica de Itabaiana, levando a conquista de vários títulos estaduais. Inclusive, o penta campeonato de 1978-1982, e um título de campeão do Nordeste, em 1971.
Queiroz realizou um sonho: a construção da Vila Olímpica, que levou o seu nome. Por tudo isso passou a ser conhecido como o “Patrono” da Associação Olímpica de Itabaiana.
José Queiroz da Costa, nasceu em 14 de julho de 1936, em Itabaiana. Filho único de Antônio Sacristão e Dona Rosinha.
Zé participou de todas as traquinagens permitidas, naquele tempo, aos meninos do interior. No futebol, foi ponta esquerda do Cantagalo. Não chegou a ser um craque. Foi um ponta arisco, como se dizia.
O avô de Zé Queiroz, José dos Santos Queiroz (Cazuza), foi Prefeito de Itabaiana entre 1926/29. Seu Cazuza, um homem de posses, foi assassinado às pauladas, em frente a sua loja de tecidos, num sábado, as 10 horas da noite, no centro de Itabaiana.
Nessa trágica noite, a Orquestra “Almas Latinas Marimbas Mexicanas”, animava um baile na Associação Atlética. Esse crime brutal nunca foi esclarecido. As fundadas suspeitas circulam a boca miúda. Todos sabem, mas ninguém comenta publicamente.
Queiroz passou pelo Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Fez o curso ginasial na primeira turma do Murilo Braga, sendo o orador na festa de formatura. Serviu ao Exército Brasileiro no Tiro de Guerra, em Itabaiana. Ao lado de familiares, trabalhou no comércio, na loja do avô, herdada por sua mãe, na venda de tecidos e produtos para vestuário.
Queiroz é a encarnação da alma itabaianense. Competitivo, inteligente, irônico, prático, só entra numa disputa para vencer. Se quiser responder rapidamente, qual a natureza do itabaianense, pode dizer: do jeito de Zé Queiroz.
Zé Queiroz envolveu-se muito cedo com a vida social em Itabaiana. Participou, como tesoureiro, do Centro de Ação Social Católica de Itabaiana, na paróquia de Santo Antônio e Almas, onde participou ativamente da Construção da Maternidade São José e do Colégio Dom Bosco.
Foi funcionário do Banco do Brasil (1955), em Itabaiana, depois transferido para a capital sergipana, onde completou tempo de serviço para aposentadoria.
Outra grande contribuição de Zé Queiroz: em 13 de junho de 1978, criou a Rádio Princesa da Serra, a segunda do Interior sergipano. A emissora deu voz a Itabaiana. Levou a nossa versão, a nossa narrativa e os nossos valores. Antes, a Capital falava sozinha.
A importância da Rádio Princesa da Serra para o desenvolvimento de Itabaiana, precisa ser estudada.
Queiroz foi o distribuidor exclusivo, em Sergipe, da Editora Abril, empresa que tinha como produto de livros e revistas. Tendo sido premiado como destaque na área de vendas. Foi representante do Baú da Felicidade, empresa do Grupo Sílvio Santos.
Queiroz se meteu com cinemas, chegando a controlar 15 cinemas simultaneamente, incluindo Cine Rio Branco e Cine Palace em Aracaju, Trianon em São Cristóvão, São José em Itaporanga D’Ajuda, etc.
Iniciou as atividades com o Cinema Santo Antônio, em prédio de propriedade da Paróquia de Santo e Almas de Itabaiana, localizado na Praça João Pessoa, onde hoje funciona o Supermercado Nunes Peixoto.
Posteriormente adquiriu o Cinema Popular, de Zeca Mesquita, que após fechar as portas, passou a funcionar os estúdios da Rádio Princesa da Serra FM e AM. Em Aracaju, adquiriu o Cine Aracaju, e construiu o Cinema Plaza, com 1.250 lugares.
Na política, o neto de Cazuza Queiroz, foi eleito em 1986, Deputado Federal Constituinte, com maioria dos votos dos filhos de Itabaiana. Representou o Estado de Sergipe na elaboração da nossa Constituição, promulgada em 05 de outubro de 1988.
Queiroz participou ativamente da política municipal, chegando a ser eleito em 1996, vice-prefeito.
Pela atuação na Constituinte, como destaque, além de diversos projetos sociais, recebeu o Diploma “Palavra de Honra” concedido pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – DIAP, em defesa dos interesses dos trabalhadores, e a “Medalha do Mérito Desportivo” concedido pelo Ministério da Educação, pela atuação em defesa do esporte.
Teve vida curta na política. A sua personalidade era incompatível com as virtudes políticas: conciliações, conchavos, composições, transigências, jeitinhos e fidelidade ao grupo. Sempre foi ele, depois ele, e, finalmente ele. Queiroz era a verdade.
Entretanto, a maior contribuição de Zé Queiroz para Itabaiana foi imaterial. O seu sucesso e a sua autoestima servem de exemplo. A alma itabaianense foi reforçada: gente empreendedora, esperta no comércio, independente e cheia de ironias e narrativas. E mais, o nosso bairrismo passou a fazer sentido, se aproximou da realidade.
O Itabaianense tem orgulho até das fragilidades. Como diz Fernando Pessoa: "o rio da minha Aldeia, (jacarecica) é maior que o Tejo."
Zé Queiroz foi um intransigente. Nunca tergiversou. Nunca cedeu, com ou sem razão. "Nunca deu o braço a torcer"! Mesmo assim, foi um vitorioso. O verso de Gonzaguinha: “vence na vida quem diz sim”, não orientou Queiroz.
Ele venceu, dizendo “NÃO”.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.