terça-feira, 14 de maio de 2024

A DEUSA FORTUNA E OS JOGOS DE AZAR


 A deusa fortuna e os jogos de azar...
(por Antonio Samarone)

“Quem é ateu e viu milagres como eu/ Sabe que os deuses sem Deus/ Não cessam de brotar, nem cansam de esperar...” Caetano Veloso.

Sigmund Freud descobriu o inconsciente. O psiquiatra suíço Carl Jung foi mais longe, descobriu as profundezas do inconsciente coletivo e os seus arquétipos (comportamentos e valores do passado que pesam no presente).

Observo dois arquétipos poderosos na sociedade itabaianista: os arquétipos religioso e guerreiro. Por aqui, se acredita facilmente em milagres e a competição interpessoal é acirrada, por qualquer besteira.

Jung descreve um arquétipo, o Trickster, que eu não sei a tradução, que trata das travessuras, brincadeiras, humor e trapaças. Ou seja, um arquétipo que trata do jogo de azar, do carteado, da roleta, do pio, do jogo do bicho. Acho que em Itabaiana esse arquétipo é enraizado.

Por lá, se aposta em quase tudo. Os viciados em jogo são abundantes. Cresci, ouvindo falar de cafuas poderosas, muito bem frequentadas. Mesmo nas feirinhas de Natal o jogo de azar corria solto. Mesas de carteados e roletas dominavam a metade da festa.

Para as famílias, existiam as roletas que sorteavam goiabadas e o original “jogo do preá”. Um mesa grande arrodeada de tocas numeradas, onde se soltava o pobre animal no meio e a turba começava a tanger o bichinho para a toca de preferência. Se apostava em qual toca o preá iria se esconder, depois da algazarra humana.

Eu morria de pena do preá!

A alfaiataria de Seu Lau, na Praça de Santa Cruz, era uma cafua disfarçada. Lá, ninguém encomendava um terno. O jogo de baralho virava a noite e rasgava as madrugadas.

Confirmei a força do Trickster, o arquétipo do jogo e da trapaça, ao passar ontem na praça, onde um carteado (a brinca) estava em pleno funcionamento. Cercado de perus. (veja a foto).

O jogo de azar é um elemento cultural forte em Itabaiana. O jogo do bicho funciona há cem anos, ininterruptos, com os mesmos banqueiros.

Atualmente, os jogos de azar dominam o Brasil. A Caixa tem umas trinta loterias, onde as chances dos que arriscam são próximas a zero.

Os jogos baseados nos esportes (BET isso, BET aquilo) comandam o futebol brasileiro: os clubes, as mídias e a CBF. O dono do Botafogo acha que comandam também a arbitragem. Acho um exagero.

Para mim, os jogos de azar são todos de “cartas marcadas”, os perdedores e os ganhadores são sempre os mesmos, sempre, a deusa fortuna (sorte) não se mete.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

domingo, 12 de maio de 2024

NINGUÉM ESCAPA.


 Ninguém escapa!
(por Antonio Samarone)

Germano, 70 anos, anda adoentado. Uma doença que se arrasta vagarosamente. Já bateu as portas de consultórios afamados. Nada! Ninguém descobriu a patologia. Chegaram a dizer que ele nada tinha, aquilo tudo era psicológico.

Germano é rico, possuidor de uma fortuna que as traças e a ferrugem não consomem. É um rentista do mercado financeiro. Para ele, não existe safra ruim, os rendimentos são sagrados.

O certo, é que Germano tem sofrido. E patologia no grego antigo, “páthos” significa sofrimento. Portanto, a dúvida dos médicos é descabida. Germano está doente!

A queixa é incomum: Germano reclama de dor, ardor e formigamento na sola dos pés. Uma dor que impede a deambulação. Germano anda em cadeira de rodas.

A medicina ilumina-se pelo paradigma celular de Virchow. Os sintomas clínicos devem corresponder as lesões orgânicas internas e/ou aos fenômenos fisiológicos baseados nas leis da físico-química.

Em outras palavras, é uma medicina do corpo. Quando o sofrimento foge a esses preceitos, a medicina se perde. O justo, era a medicina reconhecer as limitações. Entretanto, a medicina atua na lógica do mercado. Predomina o valor de troca, para simplificar, o lucro.

A medicina greco-romana era mais sutil. A doença era um desequilíbrio dos humores. O tratamento visava a homeostasia. Na bíblia, a doença é um mal, uma punição, um castigo, uma desgraça.

Quando o sofrimento possuía alguma valia, a doença era redenção, expiação e purificação. Uma porta para o Paraíso. Claro, a medicina possui recursos para aliviar parte desses sofrimentos, inclusive a dor. Nas UTIs, os pacientes morrem sedados. A medicina suaviza a agonia da morte.

Germano foi a São Paulo, a Meca da saúde, em busca de pôr fim ao sofrimento.

Procurou os herdeiros de Charcot. Bateu na porta de angiologistas, imunologistas, podólogos, quiro praxistas, até de um psiquiatra. Germano teve acesso a tudo o que dinheiro pode comprar. Ao todo, realizou 177 tipos exames, no Albert Einstein.

Entretanto, as dúvidas quanto ao diagnóstico permaneceram.

Uma doutora, pós-graduada em Sorbonne, suspeitou de uma doença nova, inexistente no CID 11. "Germano é portador de “SDQ”. Sei, mas o que peste é isso? A Doutora esclareceu: "Síndrome da Dor Quântica. Uma doença rara, de origem autoimune. Ele é o sexto caso descoberto pela ciência."

Trata-se como? Germano quis saber. A doutora foi direta: ainda não existe tratamento! E acrescentou: a Indústria Farmacêutica não vai se ocupar em produzir um medicamento para seis pessoas.

Germano retornou desenganado. Estabeleceu-se em seu sítio, no altiplano do Zanguê, e vai esperar a “velha dama”, onde nasceu. Na falta de tratamento, ele resolveu aplicar cataplasmas de raspa de cama de sapo, duas vezes ao dia. Pelo sim e pelo não, o formigamento nos pés diminuiu.

Esse cataplasma é citado na farmacopeia dos Jesuítas.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

A FÉ, SÓ NÃO REMOVE MONTANHA.


 A fé, só não remove montanhas.
(por Antonio Samarone).

Tenho procurado as raízes religiosas de Itapuama. (“Naquela pedra mora alguém, há uma aldeia com gente.” Ita (pedra), Taba (aldeia), oane (alguém).

Em minhas leituras avulsas e despretensiosas, cheguei a um discurso, pronunciado por Maria da Conceição Melo Costa, em sessão solene do Instituto Histórico de Sergipe, em 1º de agosto de 1946.

As lembranças de Conceição:

“Itabaiana das ladainhas pungentes, das trezenas de Santo Antonio, das tradicionais Semanas Santas, acompanhadas pelas vozes firmes de Balbino, de Boanerges e de Antonio Rodrigues.”

“Itabaiana das lentas procissões dos fogaréus, dos místicos penitentes a se flagelarem, às caladas da noite, em época quaresmal.” Eu ainda alcancei...

Depois, Djalma Lobo introduziu o fogaréu em campanhas políticas, aproveitando-se do arquétipo religioso dos Itabaianenses.

“Itabaiana do Cruzeiro do Século. Das peregrinações a Cruz dos Montes, onde a multidão, com a fé dos romeiros de Lourdes, acampava em barracas erguidas à orla da mata umbrosa, iluminada ao perene himeneu dos vaga-lumes.”

“Itabaiana das campônias alegres, rosas nas faces e laços vermelhos nas bastas cabeleiras, cores de baunilha. Sandálias brancas e vestidos de cassa, para as missas do dia.”

Lembrei-me de mamãe, linda mestiça de cabelos pretos e escorridos, que encharcava as faces e as mãos com tapioca, quando ia lavrar a terra. A pele precisava de proteção.

A memória é uma fonte de felicidades. As tristezas o cérebro apaga, ou minimiza.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

terça-feira, 7 de maio de 2024

MEMÓRIA CULTURAL DA VILLA DE SANTO ANTONIO E ALMAS (PINTORES E ESCULTORES)


 

Memória Cultural da Villa de Santo Antonio e Almas. (Pintores e Escultores).
(por Antonio Samarone)

O competente Mário Brito, curador, galerista e colecionador das artes plásticas em Sergipe, me fez um desafio: “Itabaiana é grande na economia, na música, no futebol, entretanto, nas artes plásticas, só possui dois nomes conhecidos no estado: Melcíades e Zeus.”

Eu discordo, mas preciso provar. Lancei um desafio a Mário Brito: vamos organizar uma exposição em Itabaiana, com artistas locais, sob a sua orientação! Ele topou! Ontem, ocorreu a primeira reunião. A exposição foi marcada entre 03 e 16 de junho, no Shopping Peixoto, na semana da grande festa dos caminhoneiros.

Como será denominada a exposição, Mário indagou? A resposta foi consensual: Itabaiana, a cidade dos milagres.

Por que cidade dos milagres? Claro, faz referência ao milagre que santificou Santa Dulce. Ocorreu na Maternidade São José, em Itabaiana.

Mas não é só isso. Os milagres vem de longe.

Santo Antônio, o padroeiro de Itabaiana, ficou afamado como poderoso taumaturgo, constando oficialmente de sua hagiografia a realização de mais de 50 milagres.

A carreira taumatúrgica que a hagiografia atribuiu a Santo Antônio certamente pesou na sua eleição como santo doméstico e cotidiano no mundo moderno.

Quando Santo Antônio chegou a Itabaiana (1603), já tinha mais 400 anos de Santo. Sentiu-se à vontade. Ele nasceu em Lisboa, em casa situada perto da catedral, hoje santuário, em 15 de agosto de 1.195. Filho de família fidalga.

Santo Antonio não quis ficar na Capela do Valle do Jacarecica (igreja velha). Mesmo sem água, fugia para o Tabuleiro de Ayres da Rocha.

Após idas e vindas, aí se estabeleceu em 1665, como comprova os documentos da Diocese da Bahia, que instituiu a Freguesia de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, a segunda de Sergipe.

No Próximo ano (2025), será a comemoração dos 350 anos. Itabaiana vem de longe.

A religiosidade e a fé nos milagres é um arquétipo constituinte da Cultura Itabaianense.

A exposição de Itabaiana, com a curadoria de Mário Brito, vai iluminar o estado com talentos e criatividades.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

domingo, 5 de maio de 2024

MEMÓRIA CULTURAL DA VILLA DE SANTO ANTONIO E ALMAS (CALABAR).


 Memória Cultural da Villa de Santo Antonio e Almas (Calabar)
(por Antonio Samarone)

Em 1628 e 1629, partiram da Bahia duas expedições à Serra de Itabaiana afim, de encontrar as minas de prata, sendo a última comandada por Domingos Fernandes Calabar.

Domingos Fernandes Calabar, brasileiro, que aderiu aos holandeses quando da ocupação da Capitania de Pernambuco, contribuindo para as vitórias iniciais dos invasores. Prisioneiro dos portugueses em Porto Calvo, em 1635, foi julgado e morto como traidor.

Calabar era um mameluco brasileiro, filho de um fidalgo português e uma índia caetés. Optou por ficar do lado dos holandeses. Não confiava nos portugueses.

Esse gênio militar brasileiro, que resolveu apoiar os holandeses, foi executado aos 26 anos.

Das muitas tentativas de encontrar as minas de prata na serra, algumas vieram do lado dos holandeses, durante a invasão do território sergipano, entre 1637 à 1645.

Documentos afirmam que três vezes foram mandados homens até a serra, cavando inúmeros sítios mais não encontrando nem prata, nem algo de valor.

O comandante português, Matias de Albuquerque, fugindo para a Bahia, passou por Porto Calvo, onde vivia Calabar. Sem Julgamento, mandou executá-lo por estrangulamento pelo garrote vil, e esquartejá-lo em praça pública. Com a chegada dos holandeses, Calabar recebeu um sepultamento cristão.

Os três filhos de Calabar passaram a receber da Coroa holandesa 8 florins cada, o soldo de um soldado. Calabar era brasileiro, ao apoiar a Holanda, não traiu ninguém. Chico Buarque acertou, em sua versão na peça: “Calabar: elogio a traição”.

Domingos Fernandes Calabar (1609 – 1635), nasceu em Porto Calvo, Alagoas. Fez parte de uma expedição holandesa em busca das encantadas minas de prata de Itabaiana.

Calabar não encontrou a Minas de Prata descobertas por Melchior Dias Moreia, dos primeyros naturaes da Bahia, primo de Gabriel Soares de Souza, homem abastado de terras e de bens".

Era este Melchior Dias, filho de Vicente Dias, português e fidalgo, criado do infante D. Luiz, o qual, ao vir tentar fortuna no Brasil, se casara com a mameluca Genebra Álvares, filha de Caramuru. Era conhecido pelo povo, como Melchior Dias Caramuru.

Espero que os competentes historiadores nativos, esmiúcem essa passagem de Calabar por Itabaiana.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sábado, 4 de maio de 2024

MEMÓRIA CULTURAL DA VILLA DE SANTO ANTONIO E ALMAS.


 Memória Cultural da Villa de Santo Antonio e Almas.
(por Antonio Samarone)

Os Matapoam (Itabaiana) eram Tupis, expulsos do litoral ou uma sub tribo dos Tapuias (Cariris)? Não sei! Foi nessa terra, que João José de Oliveira (1829 – 1899) veio morar, quando chegou de Portugal, em 1849, para exercer o nobre ofício de ferreiro.

João José sabia ler e escrever, casou-se com Maria Pastora do Sacramento (a mameluca Nananhana), de uma aldeia de Itaporanga.

Tiveram 12 filhos, conhecidos como os “ferreiros” de Itabaiana. Juntos aos fogueteiros, sapateiros, pedreiros, padeiros, marceneiros e alfaiates, compunham as profissões dominantes. Uma terra de camponeses e artesões.

Ouvi falar dos filhos de João José: Bernardino (meu bisavô); Tertuliano; Antonio Joaquim; Josefa Maria (Nanã), mãe de Felismino Fogueteiro; José Francisco; Francisco Antonio (acho que avô de Átalo); Quirino José; Benvindo Francisco; Marianda; Felismino (Nonô), pai de João Marcelo; José Oliveira e Joana Maria.

Em 1926, o meu bisavô, Bernardinho, foi atropelado em cima de um burro, por um trem desgovernado, no povoado Caititu, numa segunda-feira, quando ia comprar ferro em Maruim. Uma morte trágica.

A instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade. Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que ele a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo.

Por parte de pai, descendo de Ascendino José de Santana, filho de Genoveva, natural da Galícia, e de Josina Francisca Teles, negra, filha de escravizada.

Portanto, declaro-me mestiço de quatro costado.

Descendo de trabalhadores rurais sem-terra, trabalhadores avulsos (pataqueiros), arrendatários, que beiravam a produção agrícola e viviam na mais profunda pobreza. A parte fidalga dessa gente, eram os ferreiros.

Hoje a realidade econômica de Itabaiana é outra, com uma presença marcante da classe média.

A classe média aracajuana é formada, sobretudo, por agentes sociais que se valem dos conhecimentos científicos, filosóficos, artísticos e religiosos como forma de existência.

São professores, funcionários públicos, médicos, advogados, engenheiros, entre outras profissões ditas liberais. Todo o judiciário e o estamento militar. A renda é desigual, mas a pose é a mesma.

Em Itabaiana, a classe média é formada por pequenos burgueses, camponeses em ascensão a uma burguesia mercantil, com renda suficiente para um consumo de luxo e novos investimentos. Uma parcela dos ricos, que ainda não pertence a grande burguesia nacional, dominada pelo capital financeiro. Esse capital, procura formas sustentáveis de investimento.

A classe média de Itabaiana é diferente. Claro, composta também por togados e barnabés, mas em minoria. Majoritariamente, ela é empresarial.

O espirito empreendedor do Itabaianense é anterior a hegemonia Neoliberal. Lá, o empreendedorismo é bem mais que uma ideologia, é um modo de vida. Já se nasce querendo ganhar dinheiro. Cada um é dono do saco de castanha que revende. Talvez seja o segredo do seu desenvolvimento.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sábado, 27 de abril de 2024

OS GATOS E AS FESTAS JUNINAS.


 Os Gatos e as Festas Juninas.
(por Antonio Samarone)

Nas festas juninas do Beco Novo, uma das brincadeiras populares eram os quebras potes. Pendurava-se um pote cheio de gatos num poste, e as pessoas, de olhos vendados, procuravam quebrá-lo. Quando conseguiam, os gatos saiam em disparada, terrivelmente assustados.

Onde nasceu essa brutalidade com os gatos? Em Paris, do século XVI, um dos prazeres das festas junina, era pendurar um saco de gatos numa fogueira. Quando a corda queimava, os gatos eram torrados vivos na pira ardente. A multidão comemorava aos urros.

Eu sei, era bem pior. Se queimavam também as bruxas e os hereges.

Hoje, se coloca guloseimas nos potes, em lugar dos gatos. Em pouco tempo, os gatos ganharam cidadania, direitos e regalias. O quebra pote deixou de interessar.

Uma antiga brincadeira de rodas, onde se cantava que se tinha atirado o pau no gato. Foi condenada. Também não se brinca mais de rodas.

Os humanos sempre foram cruéis. O humanismo é um pretensioso equívoco. Gosto desse poema de Antonio Risério.

“O humano é um engano do humano/ divide o humano, em humano e desumano/ humana é a sala de tortura, a napalme, a navalha, a metralha no gueto, a pele esfolada no porão/, humana, humaníssima a escravidão/ bobagem, nenhum capitalismo é selvagem/ O homem é o homem do homem, todos juntos a uma só voz/ Não consta que roseiras e gaivotas ajam assim.”

A verdade é que não se fazem mais churrasquinhos de gatos, nem se usa o seu couro nos pandeiros. As emoções foram domadas ou sublimadas?

Antonio Samarone (médico sanitarista)