sexta-feira, 27 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. ÁTALO CRISPIM DE SOUZA.

Itabaiana – 350 anos. Átalo Crispim de Souza
(por Antonio Samarone)

A turma de 1963, do Ginásio Murilo Braga, foi excepcional: Átalo, Zé Carlos Machado, Nego Lima, Tutu, Angela Lobo, Angela de Dr. Pedro, Marilene de Carlota, Bosco Siqueira, Isabel do Galo, Neusa de Vieira Lima, Laudelina e Zoraide, esposa de Arrojado.

Átalo, Zé Carlos Machado e Elias Andrade, todos descendentes dos Ferreiros, da cepa de João José de Oliveira, da Matapoã, foram inteligências destacadas por onde passaram.

Átalo Crispim de Souza nasceu em 21 de março de 1949, na Rua das Flores, em Itabaiana. Filho de José Crispim e Dona Maria Lourdes. Irmão de Abrahão, Agda, Ada, Alteia, Amabel, Atenágoras e Tonho Grampão.

Zé Crispim é da cepa do Zanguê, filho de Antonio de Anjinho. Já esmiuçado em outro verbete. Zé Crispim saiu do Zanguê aos 19 anos, para ser aprendiz de alfaiate com o Mestre Órpilio Silva, num sobrado da Rua da Vitória.

O mestre Órpilio, avô do Doutor Carlos Umberto (China), era uma personalidade tradicional de Itabaiana. Durante a guerra da Coreia (1950/53), perguntaram o que o Mestre Órpilio achava da guerra: - “meu filho, do Rio das Pedras prá lá, ninguém nunca me encomendou um terno, portanto, nada me interessa.”

Zé Crispim montou a sua alfaiataria, na Rua do Cisco, defronte ao armazém de Filomeno. Foi lá que ele papocou um ferro de passar, no meio da rua. Conta-se, que ele tentava esquentar o ferro, aqueles de carvão, soprando pelo fundo. E nada! Talvez o carvão ruim. Ele se impacientou e atirou o ferro no chão.

Incontinente, dirigiu-se ao armazém de Filomeno, para comprar um ferro novo. O diálogo foi saboroso: - “Seu Filomeno, o senhor tem ferro de passar?” Tenho, respondeu Filomeno. – “Só com um detalhe, o ferro que eu tenho está mais frio do que o senhor acaba de atirar na rua.” Essa é a alma itabaianense.

Depois, Zé Crispim comprou um ponto na Praça da Feira e montou uma loja de tecidos, com um nome delicado: “A Sublime”. Zé Crispim não tinha jeito para o comércio.

A loja só prosperou quando comandada por Dona Lourdes. Os panos que Dona Lourdes comprava, vendia com rapidez. Ela possuia tino para o comércio.

Dona Lourdes, a mãe de Átalo, é filha de Josefa Monteiro (Dona Zefinha), irmã de Maria do Céu (minha avó), de Dona Melinha e Zezé do Fumo. Da família de Nicolau de Honorato, descendentes de judeus russos, do século XIX.

O pai de Dona Lourdes, José Francisco de Oliveira é filho de Francisco Antonio, do tronco central dos Ferreiros da Matapoã. Chico Antonio era irmão de Bernardinho, meu bisavô, atropelado por um trem, em 1936, no povoado Caititu, em Maruim. Fazem parte do troco central dos ferreiros da Matapoã.

Átalo Crispim de Souza faz as primeiras letras no Grupo Guilhermino Bezerra, nas escolas de Maria de Zizi e de Gabriel. Fez o exame de admissão ao ginásio, ainda no 3º ano primário. Gabriel deu um atestado falso, que ele tinha concluído. Passou! Com um detalhe, na prova de português, o professor Oliveira, botou uma pintura na frente e mandou que a turma descrevesse. Átalo já não enxergava bem naquele tempo. Descreveu sem ver.

Aos 4 anos, Átalo foi atropelado. O caminhão de Joãozinho da Padaria, sem freios, descia a Rua Manoel Garangau e passou por cima da barriga de Átalo. Deus sabe como, mas Ele está vivo. Esse foi o primeiro acidente de trânsito em Itabaiana.

Átalo, mesmo com as vistas curtas, jogava bola. Ele e professor Rivas se destacavam pela ruindade e Valter de Joãozinho Baú, era o craque.

Para estudar o científico, Átalo veio para o Atheneu, com dificuldades financeiras. Dividia a casa com o irmão Abrahão.

Átalo passou no vestibular de medicina em 1967, com a segunda maior nota. Nessa turma, tinha mais um ceboleiro, outro Ferreiro, Luiz Antonio Machado, que exerceu a medicina em Simão Dias.

Aqui em abro um parentese.

Dona Libânia, descendente direta dos Ferreiros da Matapoã, teve seis filhos: Antonio, muito conhecido, por possuir um bar; Nezídia, Zefinha, Lulu, Lilia e Nininha. Eras as famosas Vitalinas de Dona Libânia. Na verdade, vitalina mesmo só três. Nininha era casada com Machadinho, cobrador de ônibus em Aracaju, pais do médico Luiz Antonio Machado, citado acima. Dona Zefinha, era a mãe de outro médico, Luciano Alves dos Santos, o Dr. Luciano das Vitalinas.

Antonio de Libânia, o dono do Bar, é o pai do melhor guia turístico do Agreste, o meu amigo Marcos Mota. Segundo Marcos, no Mundo, três tipos de gente se destacam: - “os orientais, os africanos e o povo da Matapoã. Lá, nunca nasceu um burro.”

Átalo Crispim de Souza já entrou na Faculdade de Medicina, querendo ser psiquiatra. Durante o curso, caiu nas graças de Dr. Piva, que o designou monitor da patologia. Átalo se encantou com a patologia, mas o sonho era outro. Fez o estágio profissional no Adauto Botelho. Foi um choque: a psiquiatria à época, só dispunha de tratamentos cruentos e desumanos. Não era o que Átalo pensava.

Durante o curso, Átalo ingressou na AP (Ação Popular Marxista Leninista), pelas mãos de José Alves Neto e Moacir Mota. A AP era ligada a igreja católica. Átalo abraçou a militância comunista. Na Faculdade, tinha o incentivo de Vivaldo Lima, irmão de Rosalvo Alexandre, que era do PCB. Por conta, Átalo foi Presidente do Centro Acadêmico Augusto Leite.

Em 1972, no ano da formatura de Átalo, o Dr. Piva transfere-se para Brasília, visando organizar o departamento de patologia, do recém inaugurado Hospital das Forças Armadas. Átalo é convidado por Piva, para fazer residencia médica em patologia.

Átalo aceitou, com um pequeno reparo: vai fazer primeiro residencia em Clínica Médica. Ainda com a Psiquiatria na cabeça, Átalo faz dois anos de residência em Clínica. Deixou Brasília e foi viver em São Paulo.

Continuou com o projeto comunista na cabeça.

Em São Paulo, Átalo, inicialmente, exerceu a medicina clínica, mas buscando um caminho alternativo. Conheceu, no Hospital dos Servidores do Estado, um judeu homeopata.

Começou a fazer filosofia, foi aluno de Marilena Chauí. Finalmente, se matriculou num curso de Homeopatia, ofertado pela Associação Paulista.

Aconteceu um fato inusitado: a Comunidade Judaica de São Paulo, recebeu Átalo como um deles. Mesmo Átalo afirmando que não era judeu, eles não acreditavam. Como você não é judeu, tendo um irmão chamado Abrahão.

Fisicamente, Átalo parece de fato com os judeus, daqueles tradicionais, que oram no muro das lamentações.

Pelo sim, pelo não, Átalo foi acolhido pelos israelitas. Assumiu um consultório em Jundaí, deixado por um deles, e logo depois, estava instalado na Farias Lima, com um consultório homeopático, defronte ao Iguatemi. Os judeus, eram a garantia de uma clientela cativa.

Ele continuou comunista em São Paulo, inclusive, tentando criar um Partido revolucionário, com muitos exilados chilenos e argentinos.

Entretanto, dois fatos mudaram a sua militância vermelha: ele começou a ler as Obras Completas de Lenin, 20 volumes, uma publicação mexicana. No sétimo volume, ele descobriu que Lenin era portador de uma esquizofrenia leve. Foi o suficiente, suspendeu a leitura.

O segundo fato, foi um sonho. Átalo estava dissecando um cadáver, quando emergiu uma entidade, que realizou com ele um passeio pelo mundo. Fazendo grandes revelações. A dúvida, como ele, um materialista, conviveu com essas manifestações metafisicas. Ele percebeu possuir uma certa mediunidade. Começou a sentir presenças estranhas.

Átalo continua com o pensamento à esquerda. Só deixou a militância. Vê com pessimismo o horizonte político. O fascismo e a guerra estão a caminho. A esquerda tradicional foi derrotada e não surgiu nada novo. Assino embaixo.

Átalo se casou em São Paulo, com Elisabeth, e é pai de três filhos: Laura, Paulo e Carlos.

Em 1989, Átalo retornou definitivamente a Sergipe. Montou um concorrido consultório homeopático, aberto até hoje. Vive só, cercado de livros e boa música.

Em tempos de inteligência artificial, restam poucas inteligencias analógicas. Átalo talvez seja a maior erudição médica em nosso meio. Um herdeiro de Nestor Piva. Culto, ampla formação filosófica. Uma visão holística e profunda da medicina.

No momento, Átalo está escrevendo um tratado sobre os descaminhos da medicina.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. DR. ANTONIO FERNANDES MENESES.

Itabaiana – 350 anos. Dr. Antonio Fernandes Meneses.
(por Antonio Samarone)

Um amigo ceboleiro, intelectual renomado, exilado no Recife, me mandou um comentário intrigante: “você está escrevendo uma “literatura” do Beco Novo. Já existe a “literatura” da Rua do Sol."

"São dois mundos: o Beco Novo, o Clube dos Trabalhadores e o Etelvino Mendonça; e a Rua do Sol, a Praça da Igreja, o cinema de Zeca Mesquita e a Associação Atlética. Vejo nisso uma clivagem de classes sociais.”

A tese me pegou de surpresa. Não sei se uma clivagem de classes sociais, isso em Itabaiana, não era visível a olho nu. Mas, certamente, uma clivagem cultural. Na segunda metade do século XX, Itabaiana só possuia dois polos culturais: o Beco Novo e a Rua do Sol.

Reconheço que alguns povoados possuíam lampejos culturais: Bom Jardim, Zanguê, Ribeira, Pé do Veado, Flechas, Matapoã, Caraíbas e Rio das Pedras. Alguma omissão?

O meu amigo exilado, ainda acrescentou: - “ocasionalmente, vejo em sua “literatura” um descuido com a gramática.” Eu concordo que existe a carência. Outro amigo, Raimundo Luiz, antes me corrigia. Parou um pouco, penso que ele considerou inútil, pois eu não me consertava.

O meu personagem, Antonio Fernandes Menezes, Tonho Primo, me obriga a retornar ao miolo do Beco Novo. Fazer o quê?

Antonio Fernandes Menezes nasceu em 12 de julho de 1950, no segundo trecho da Rua da Vitória, em Itabaiana. O Pai, Anisio Deodato Meneses, Anisio Goiouiou, é filho de Dona Branquinha e Zé Goiouiou. Uma família do segundo trecho do Beco Novo, defronte ao Maestro Antonio Silva.

Os tios de Tonho Primo, por parte de pai, foram pessoas de destaque em Itabaiana: as famosas professoras, maria de Branquinha e Helena de Branquinha; o empresário Zé Meu Mano, com a sua sortida bodega na esquina do Beco Novo com a Rua da Pedreira, onde se vendia de óleo de rícino a pavio de candeeiro, de querosene a sonrisal; e as doceiras, na pedra da feira, Antonieta, Lira e Anita.

Uma família de peso na cidade!

A mãe de Tonho Primo, Ana Belizana Menezes, tem raízes no Condado do Zanguê. Filha de Antonio de Anjinho, comerciante no Beco Novo, e Maria Graça de Souza (Dona Tatinha). Belizana é irmã de Zé Crispim, Ana, esposa de Sizino de Boarnerges; e Manoel, que sempre viveu nas matas do Zanguê.

Tonho de Anjinho é irmão do Professor Cícero, responsável pela educação no Zanguê, e o pai dos professores Melquiades e João de Deus (falecidos) e de Fabiano, um jurista, que ainda advoga. Deve ter mais gente que esqueci.

Antonio Fernandes Menezes nasceu e viveu em Itabaiana até os 14 anos. O pai, empregado do armazém de Euclides Paes Mendonça, mudou-se para Aracaju, com a morte do patrão. Em Itabaiana, Fernandes fez as primeiras letras com a professora Joseíta, e com a tia, Helena.

Tonho Primo muda-se para Aracaju, e só retorna a Itabaiana em 1980, já formado em medicina. Itabaiana já oferecia condições para abrigar os seus filhos que saíram para estudar. A economia centrada no comércio e nos caminhões, e a criação do Ginásio Murilo Braga, facilitaram o crescimento econômico da cidade.

Em 1970, só residiam em Itabaiana três médicos, Pedro, Osmeil e Millet, todos de Fora. Com a chegada do baiano Dr. Raulino, a medicina se estabeleceu com força. Raulino montou uma equipe médica na Maternidade São José, que acolheu muitos médicos recém-formados, filhos de Itabaiana, os doutores, Edmundo, Luciano das Vitalinas, Antonio Carlos Fontes. Além do Dr. Cardoso (o que atestou o milagre de Santa Dulce).

Retornam ainda a Itabaiana, após a formatura, os médicos Aírton Peixoto e Fátima Siqueira.

Outros médicos itabaianenses, dessa época, se estabeleceram em Aracaju, Guilhermino Noronha, Luiz Carlos Andrade, Hélio Lima, Ferreira, Carlos Umberto, José Marcondes de Jesus, Valfredo Tavares, José Luiz Machado, Marcos Ramos, Betânia, filha de Tonho de Doci e Denise Silveira.

Antonio Santana, Átalo, Benjamim Nogueira, Edésio Vieira e Nivaldo de Joãozinho Vermelhinho foram embora. Depois eu falo dos médicos das gerações mais novas: Ana Jovina, Rômulo, Ivanilson...

Antonio Fernandes Meneses montou a primeira clínica particular em Itabaiana, em 1981: Clínica de Pronto Atendimento de Itabaiana, funcionando 24 horas. Faziam parte do corpo clínico os ortopedistas Adail e Lucianinho de Ribeirópolis. O primeiro ortopedista de Itabaiana, foi o Dr. Luciano de Zé Sacristão, que nunca retornou a Itabaiana.

Depois veio a Bio Clínica de Peixoto, a Clínica dos filhos de Serapião (Bertrand, Gois), formados em Pernambuco; a clínica do Dr. Antonio Correa, entre outras. Estou levantando a lista completa. São muitas.

Hoje, trabalham em Itabaiana cerca de 300 médicos. Só a Rede Municipal de Saúde possui 26 Unidades Básicas (UBS). A Prefeitura Municipal emprega 45 clínicos, 62 especialistas e 14 médicos de apoio. Estou apurando os que trabalham na Maternidade São José e no Hospital Pedro Garcia Moreno.

Na próxima terça, 01 de outubro, no jantar rotariano da Academia Sergipana de Medicina, a palavra estará com o Dr. Raulino, para nos contar essa jornada da medicina em Itabaiana.

Atualmente, a medicina privada em Itabaiana é próspera, com uma característica: a maioria da demanda é de pacientes particulares. Os Planos de Saúde e os Convênios são secundários.

Os serviços de atenção primária e secundária são ofertados com qualidade, resta a atenção terciária, a alta complexidade, talvez pela proximidade de Aracaju.

Itabaiana é uma confirmação da tese que a medicina acompanha a economia. Dos três médicos até 1970, aos atuais trezentos, foi uma consequência do desenvolvimento econômico da cidade, do seu crescimento demográfico e as transforações da vida politica.

Resta avaliar, qual é o peso dessa atividade econômica (a medicina), para o desenvolvimento da cidade.

Itabaiana atrai pacientes de uma vasta região em sua volta, gerando renda e empregos. Ouvi dizer que as pessoas dos municípios próximos, até do sertão da Bahia, preferem procurar os médicos em Itabaiana, do que alongar a viagem à Aracaju. Aproveitam, para fazer comprar, sempre mais em conta em Itabaiana.

Por muito tempo, Itabaiana viveu uma dicotomia: uma economia pujante convivendo com uma vida política atrasada, centrada na violência e no clientelismo. A partir de 2012, emergiu uma nova força política, voltada para a gestão e o bem comum. Os resultados são visíveis.

Antonio Fernandes Menezes, médico ortopedista, um ceboleiro de quatro costados, liderou esse crescimento da atenção médica em Itabaiana.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

terça-feira, 24 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. JOSÉ AUGUSTO MELO.

Itabaiana – 350 anos. José Augusto Melo.
(por Antonio Samarone)

Um homem tranquilo, bem-humorado, gentil, torcedor do Vasco da Gana, memória afiada, aos 84 anos. José Augusto Melo, continua de bem com a vida, mesmo já tendo enfrentado três extremas-unções e sobrevivido a Pandemia.

José Augusto Melo é de família de artistas e músicos, da elite cultural de Itabaiana.

Seu pai, José da Cunha Melo (Zezé da Lagoa), foi o dono do primeiro cinema em Itabaiana, antes do cinema popular, de Zeca Mesquita. Seu Zéze da Lagoa possuia uma fazendola no Zanguê, chamada Pau de Mel, onde se plantava cana, para vender-se o caldo no Beco dos Cocos, ao lado do Mercado.

O Beco chamava-se dos cocos, por ser o ponto de vendas de Miguel Fagundes.

Seu Zezé da Lagoa foi o criador do Bar Simpatia, que eu já conheci nas mãos de Bobó, seu filho. O Bar de Bobó (Simpatia), tinha o melhor picolé de coco do Brasil.

Itabaiana, como lembrou Nadinho, era uma cidade próspera em bares. Um em cada esquina. O que diferenciava os bares das bodegas, era a presença de mesas de sinuca, à época um jogo muito apreciado. Hoje, ninguém se interessa por sinuca, nem em condôminos
.
Lembro-me dos bares, em Itabaiana: Bar Brasília (sete portas); Simpatia; Milachula, de João Criano, Bar de Zezé de Jone, onde além do sinuca, tinha um carteado; os bares de Pedro Delfino, de João de Babau e Dedé Cachaça. Até Seu Jubal, antes da loja de tecidos, teve um bar. O resto, eram bodegas.

O que caracterizava o Bar, era possuir mesas de sinuca.
Seu Zezé da Lagoa era irmão de Zé Melo, Seu Heleno, de Neusa; Jú Melo; Bobó; Gustavo; Cecinha; Zaíra; Filelina Melo (Dona Nila), esposa do Dr. Florival de Oliveira e do maestro Antonio Melo.

Isso mesmo, o exímio saxosofonista e maestro, por longos anos, da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição. Ele sucedeu ao maestro Antonio Silva e foi sucedido por Valtenio Alves de Souza.

Em Itabaiana ocorreu uma grande fusão familiar, das elites locais: três filhos do Doutor Florival, um fidalgo laranjeirense, que migrou para Itabaiana, casaram-se com três filhas de Zeca Mesquita, um nobre desenvolvimentista.

Entre os filhos de Florival, destaco Pedro Ribeiro de Oliveira, o professor Pedrinho, formado na Bahia, em odontologia. Casado com Dona Maria do Carmo, filha de Zeca Mesquita. Os outros filhos eram Edson, Tenysson, prático em farmácia. Sem contar Oliveirinha, pai do amigo Cibalena, que não casou com as filhas de Seu Zeca.

O Dr. Florival de Oliveira possuia a maior biblioteca do agreste sergipano. O Dr. Florival é homenageado, dando o nome a organizada Biblioteca Municipal de Itabaiana.

A mãe de José Augusto Melo, Maria Dulce Melo (Dona Dulce), era outra personalidade ligada a cultura. Foi ela, com as sobrinhas, as filhas de Dona Antonieta, Didi, Iracema, Josefina e Virgínia, que montaram a primeira peça teatral em Itabaiana, no Mercado Municipal.

Dulce e Antonieta era filhas de Joãozinho de Totoninho, Prefeito de Itabaiana.

Dona Antonieta, a dona da pensão, era casada com Tibério Bezerra, fazendeiro das bandas do Mocambo, Frei Paulo, sobrinho do deputado Guilhermino Bezerra. Além das meninas do teatro, a família possuia três filhos: Rivadávio, Antonio da Pensão e Zé Bezerra.

Zé Bezerra foi um famoso ator, cantor, músico e mágico, aluno de Procópio Ferreira, e dono do Circo e Teatro José Bezerra, a maior iniciativa cultural de Itabaiana, no século XX.

Zé Bezerra foi assassinado na cidade de Queimados, na Bahia, e sepultado em cova rasa. O maior artista de Itabaiana está à espera da remoção dos seus restos mortais, para as devidas homenagens.

O Prefeito Adaílton já revelou publicamente, que dará o nome de Zé Bezerra, ao futuro teatro de Itabaiana, que está sendo gestado.

Dona Dulce, além do Teatro, consolidou o espiritismo em Itabaiana. Antes de Dr. Pedro Garcia Moreno.

O espiritismo chegou pelas mãos de um funcionário dos Correios, que veio de Fora. Seu João de Cula (dos Correios) e a sua esposa, Dona Anita, trouxeram a doutrina de Allan Kardec para Itabaiana. As primeiras sessões ocorreram na casa de Dona Dulce.

Essa longa introdução, foi necessária para fundamentar a grandeza dos “Melos” em Itabaiana. José Augusto Melo nasceu em 23 de janeiro de 1940, o caçula da família. José Augusto Melo foi um príncipe, um dos pouco ceboleiros que não possui apelidos e, o mais raro, só é tratado pelo nome completo. É o único itabaianense com esse privilégio. Sempre é tratado solenemente: José Augusto Melo.

José Augusto Melo fez o primário com a professora Maria Branquinha, sob a vigilância da palmatória, e no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Após submetido ao Exame de Admissão, compôs a 4ª turma do Ginásio Murilo Braga.

A formatura no Ginásio era celebrada festivamente, com bailes e foguetórios. Os estudantes festejavam nas ruas, a grande conquista.

Concluído o ginásio, restavam aos jovens itabaianenses, três opções: ingressar numa universidade, ainda eram poucos; fazer o concurso do Banco do Brasil, um grande emprego, ou ir tentar a sorte no sul do País.

As mudanças econômicas em Itabaiana ainda estavam engatinhando. Não tinha empregos para gente estudada. Os poucos filhos de ricos, poderiam continuar os negócios da família.

Aliás, pequenos negócios. A Praça da Feira era tomada de lojas de tecidos, lojas de 2 portas. Lembro-me de algumas: na esquina, a loja de Seu Abílio; em seguida: as lojas de Abércio de Bastos, Jubal, o pai de Vlademir, Zé Crispim, Seu Rosendo, onde se vendia pano para colchão de junco. No outro lado da Praça, as lojas de tecido de Adelardo, Edson Leal, João Leite, Zé Machado, o pai de Zé Carlos Machado; e Adalberto Leal.

A indústria de confecções acabou com as lojas de tecido. Hoje, a mesma Praça em Itabaiana, é tomada de clínicas, dentistas, psicólogos, farmácias, oculistas, xamãs e curandeiros. A indústria da saúde tomou conta.

Das primeiras turmas do Ginásio Murilo Braga, muito foram para o Banco do Brasil: Zé Queiroz, Carlinho Siqueira, Clodomir Andrade, João Bosco, Renan de Vicentinho, Reginaldo, filho de Zeca Mesquita, Camerino, filho de Edson Leal; Airton, irmão de Zeca Araújo, Paulinho de Doci, Oswaldo de Vivi, e tantos outros ceboleiros.

O voleibol chegou a Itabaiana, no campinho ao lado da casa do Sargento Baltasar, pelas mãos dos funcionários do BB. Eu achava que era Tenente.

José Augusto Melo, com 11 anos, jogava voleibol com alguns funcionários do Banco, não sei se o meu amigo Raimundo Luiz jogava; Jorge de Maruim, o goleiro; Seu Flodoaldo, o pai de Magnólia; Mané de Santinho; Cansanção, agrônomo da Fazenda Grande e Tonho de Doci. São os fundadores do Voleibol em Itabaiana.

Os funcionários do Banco do Brasil também levaram para Itabaiana o gosto pela cerveja. Antes, os ricos tomavam uísque e a arraia-miúda casca de pau. Desconheço a história do vinho. A gente sabia quando a turma do Banco chegava no Bar Brasília, pelos pedidos: sucos, sanduíches de pão de queijo ou de quitute. Os mortais, pediam vitamina de banana e pão com requeijão, geralmente, requeijão com casca.

José Augusto Melo, ao terminar o ginásio, foi para o Rio de Janeiro, tentar servir na aeronáutica. Não deu certo. Sentou praça no exército. Veio embora com menos de dois anos. Passou pelo Banco Resende Leite, Petrobrás, até se acomodar no BANESE, onde foi gerente em vários municípios, até se aposentar.

José Augusto Melo, casou em 1970, com Dona Zezé, herdeira de Etelvino Mendonça. Tiveram três filhos: Adriana Ly, Dilma e Augusto César.

Hoje, José Augusto Melo, vive bem, ao lado de Dona Zezé, com seis ponte de safenas, sensação do dever cumprido, boa cabeça e muitas lembranças. Um homem com raízes profundas em Itabaiana grande.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

domingo, 22 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. PRIMEIRA INFÂNCIA.

Itabaiana – 350 anos. Primeira infância.
(por Antonio Samarone)

Nasci dentro do catolicismo romano. Batismo, crisma, primeira comunhão e catecismo, tudo no tempo certo.

Até o nome, foi uma promessa de mamãe: “se o primeiro filho for homem, receberá o nome de Santo Antonio.” Eu era para me chamar Antonio Fernando. Só que na hora de registrar no cartório, papai esqueceu do Fernando. Para evitar confusão, papai nunca disse em casa.

Fiquei Fernando até os 11 anos, quando precisaram da minha certidão de nascimento, para a matrícula no Ginásio, descobriram o esquecimento de papai.

Mamãe me queria padre, como toda camponesa. Quase entro no Seminário de Carpina, Pernambuco. Matrícula feita, viagem marcada. Na hora do enxoval ouve um impasse. Na lista de exigências do seminário incluia 20 guardanapos de pano. Lençol, fronhas, toalhas, escova, pasta de dente, cuecas, meias, tudo arrumado. Faltavam os Guardanapos. Lá em casa ninguém sabia do que se tratava. O que é guardanapo? Mamãe saiu perguntando as amigas na Rua do Fato. Ninguém sabia.

Mamãe, zelosa com o filho, tomou uma decisão: - “não tenho filho para passar vergonha. Como não sei do que se trata, não tenho como arrumar esses guardanapos. Desse modo, ele não vai.” Deixei de ser padre por essa besteira. A essa altura, poderia ser um Cardeal ou, no mínimo, um Monsenhor.

A fé entra pelo ouvido (fides ex auditu), escreveu São Paulo aos Romanos.... Não concordo, a fé entra mesmo é pelos rituais. Eu gostava do espetáculo das procissões, dos quatro tipos: das festivas ou jubilares, a mais importante era a de Santo Antônio; das rogativas, pedindo uma graça, geralmente chuva; das de desagravo, participei de uma, quando numa Santa Missão, ofereceram capim a um frade; e das gratulatórias ou de agradecimento.

A Procissão era um momento especial para se fazer e se pagar as promessas. Eu gostava dos cânticos antigos, sobretudo o “Queremos Deus” (Queremos Deus, homens ingratos/ Ao pai supremo, ao redentor/ Zombam da fé os insensatos/ Erguem-se em vão contra o senhor...).

Os fiéis se arrumavam em filas indianas, a cada lado rua, sem atropelamentos, todos obedeciam a uma ordem, quase natural. Na frente, puxando a procissão, iam às Irmandades e Congregações.

Em Itabaiana quem puxava eram os Irmãos das Almas, liderados por Zé Bigodinho. Todos homens, com camisas verdes, carregando círios acesos.

Eram seguidos pelas Filhas de Maria, todas de branco, carregando uma fita de cetim azul-celeste sobre o peito. Mamãe era dessa fila. Depois vinham as demais irmandades, todas com os seus estandartes e galhardetes. A Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, com as suas fitas vermelhas, sempre fazia bonito.

Depois os fiéis e as beatas menos graduadas. Muita gente pagando promessa com os pés descalços, carregando pedra na cabeça; outros trajando luto fechado, hábito franciscano, cada um cumpria as obrigações assumidas. Promessa é dívida, pelo menos para os devotos.

No centro do cortejo o clero e os seus auxiliares. Padres, sacristão, coroinhas, devotos mais chegados. Todos esses iam à frente do andor do Santo. Carregando o andor, homens de prestígio. Não me lembro de mulheres carregando o andor, parece que não era uma tarefa feminina.

Atrás do andor a banda de música, os políticos, autoridades e os graúdos da cidade. Não era lugar para a arraia-miúda, mesmo assim, sempre lotava com um magote de puxa-sacos.

Os meninos brancos e ricos saiam fantasiados de anjos. Aqui tive a minha primeira decepção com a Igreja: mesmo sendo um devotinho assíduo, nunca me convidaram para ser anjo de procissão, nem para o lava pé da quinta-feira maior. Depois descobri que quem escolhia os meninos era Maria Tavares.

Nas ruas, por onde passava a procissão, o povo se arrumava, pendurava toalhas bordadas nas janelas e, quem tinha, botava um jarro de flor. Juntavam-se os vizinhos e ficavam comentando as novidades. Fofocas e futricas. Vendo quem estava acompanhado de quem, as roupas e os cabelos de quem passasse. Quando se fazia um comentário inconveniente sobre alguém, sempre se precedia um “Deus me perdoe” ou “não é falando não” ou “eu não gosto de fofoca, mas”... E metia-se a bomba.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

sábado, 21 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. Passos Porto, Maria Thetis, Fernando Nunes, Alberto Carvalho, Elias Andrade e Airton Teles.

Itabaiana – 350 anos. Passos Porto, Maria Thetis, Fernando Nunes, Alberto Carvalho, Elias Andrade e Airton Teles.
(por Antonio Samarone)

Antes do Murilo Braga, os poucos itabaianenses que se formaram: Fernando Nunes, formado em Direito, pela Universidade do Brasil, no Rio de janeiro; Maria Thetis Nunes; Alberto Carvalho; Passos Porto, o primeiro da turma de agronomia em Cruz das Almas, na Bahia; Elias Andrade, o melhor aluno de engenharia em Salvador e Airton Mendonça Teles, médico formado na Bahia, em 1947.

Airton Mendonça Teles (foto) nasceu em Itabaiana, em 07 de outubro de 1924, filho do líder político Manoel Teles e Dona Pequena. Deputado estadual e federal. Faleceu em 25 de junho de 1960, aos 35 anos. Acidente aéreo, na Baia de Guanabara.

Passos Porto nasceu em Itabaiana em 28 de dezembro de 1923, filho de Eliezer Porto e Ana Passos Porto. Fez o primário em Itabaiana, com a professora Maria da Glória Ferreira, numa escola isolada, onde todo o primário era ensinado numa única sala.

Durante a seca de 1932, Passos Porto vivia em Itabaiana, e fez um relato realista:

“Eu era criança, tinha apenas 9 anos, quando assisti a maior tragédia de um povo solidário e isolado, sem água, sem comida, sem recursos, importando até farinha de mandioca que, naquela época, vinha de Minas Gerais e se chamava farinha de barca. Para resolver o problema de comida dos retirantes, Maynard Gomes, que era o Interventor Federal, dava para cada sujeito, dois litros de milho em troca do trabalho suado da construção das rodovias Itabaiana/Frei Paulo e Itabaiana/Aracaju.” Passos Porto - Jornal da Cidade, 16/02/1992.

Em 1936, Passos Porto deixou Itabaiana, para fazer o curso ginasial, interno no Colégio Salesiano, em Aracaju. Fez o científico no Atheneu. Formou-se em 1946, sendo o primeiro da turma e o orador oficial.

Othoniel Dorea, chefe politico em Itabaiana, era casado com uma tia de Passos Porto. A sua entrada na política ficou fácil. O caminho foi a UDN, sendo apadrinhado por Leandro Maciel. Foi Deputado Federal por 4 mandatos e Senador da República. Como diretor-geral do Senado, Passos Porto levou Cosme Fateira, irmão de Chico do Cantagalo, para Brasília.

Mesmo tendo feito politica fora de Itabaiana, as suas raízes eram profundas. Casou-se com uma conterrânea, Maria Terezinha Santos Porto, irmã de Juca Cego. Passos Porto faleceu em Aracaju, em 2010, aos 86 anos.

Alberto Carvalho, nasceu em Itabaiana, em 03 de novembro de 1932, filho Ivo Carvalho (Seu Vivi alfaiate) e Maria Elisa (Dona Iaiazinha).

Quando menino, Alberto vendeu as tradicionais balas de café da mãe, no cinema de Zeca Mesquita. Formado em ciências jurídicas em 1956. Alberto Carvalho foi o primeiro itabaianense a ensinar na UFS. Alberto é o autor da letra do hino do Tremendão e dar nome ao Campus da UFS. Faleceu em 24 de abril de 2002, aos 70 anos.

“Minha infância em Itabaiana foi igual a qualquer menino: peladas, brinquedos rústicos, brigas em que sempre levava a pior e uma biografia rica: caxumba, sarampo, tifo.” – Alberto Carvalho.

Elias Pereira de Andrade nasceu em Itabaiana, em 20 de julho de 1920, filho de Pedro Pereira Andrade (Pedro de Cesário) e Dona Josefa Andrade. Irmão de Seu Filomeno e irmão por parte de pai, da famosa professora Maria Pereira.

Elias Andrade fez o primário no Colégio Tobias Barreto e o ginásio no Atheneu. Formou-se em engenharia na Universidade da Bahia. Ficou conhecido como Elias 9,8... pois nunca tirou uma nota menor, em nenhuma prova. Faleceu precocemente, em 10 de novembro de 1950, com apenas 30 anos. Acidente de avião, sobrevoando o aeroporto de Fortaleza.

Fernando Barreto Nunes, irmão de Maria Thetis, nasceu em Itabaiana, em 26 de junho de 1924, filho de José Joaquim Nunes e Maria Anita Barreto Nunes. Fez o primário com a mesma professora de Passos Porto e Elias Andrade, Maria da Glória Ferreira.

No mesmo caminho, Fernando Nunes veio para Aracaju em 1935, fazer o ginásio no Colégio Tobias Barreto, do conceituado professor Zezinho. Também fez o científico no Atheneu. Formou-se em Direito, no Rio de Janeiro. Em novembro de 1998, Fernando Nunes falece em Aracaju.

Já a historiadora Maria Thetis Nunes, também de Itabaiana, irmã de Fernando, fez o curso primário, com a professora Izabel Esteves de Freitas, carinhosamente chamada de Dona Bebé, responsável pela cadeira feminina.

A vontade de estudar, a seca de 1932 e o medo de Lampião, expulsaram Maria Thetis de Itabaiana. Ela Fez o ginásio no Atheneu. Foi aprovada em primeiro lugar no vestibular da faculdade de Filosofia da Bahia, aos 19 anos. Com certeza, Thetis foi o grande nome de Itabaiana, no século XX. Faleceu em Aracaju, em 25 de outubro de 2009, aos 85 anos.

“Em 1930, havia em Itabaiana quatro escolas primárias na sede, sendo duas para o sexo masculino e duas femininas e nove nos povoados. O ensino restringia-se ao primário. Até esse período não havia grupo escolar, esse só foi construído em 1937, na administração de Silvio Teixeira, incorporando as crianças dispersas em escolas isolada.” – Adriana A. Santos.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

ITABAIANA - 350 ANOS. A GUERRA COMERCIAL.

Itabaiana – 350 anos. A guerra comercial.
(por Antonio Samarone)

A luta política em Itabaiana, entre 1945 e 1964, tinha como pano de fundo uma guerra comercial: a luta pelo domínio do abastecimento regional. A cidade voltada para a agricultura de subsistência e o pequeno comércio, com a chegada da BR-235 (1953) e do Ginásio Murilo Braga, teve um surto de crescimento. Virou um polo mercantil.

O abastecimento das feiras municipais, sobretudo Aracaju, dependia do transporte em lombo de burros e saveiros; com a BR – 235 chegou o caminhão, elevando a escala da economia.

Os tropeiros viram caminhoneiros; e os pequenos feirantes cresceram e montaram suas lojas. A base econômica de Itabaiana (a partir de 1950), comércio e transporte, teve a sua origem com a chegada da BR-235 e do Ginásio Murilo Braga.

Antes, camponeses e tropeiros dominavam a vida econômica do agreste sergipano. Uma particularidade, parte desses camponeses exercia algum tipo de comércio, como complemento da renda familiar.

Era comum se possuir um sítio em Itabaiana e uma grade no mercado de Aracaju ou uma banca em qualquer feira de Sergipe, para se comercializar farinha, grãos, galinhas e ovos, e todo o tipo criação.

Itabaiana ganhou fama de cidade celeiro, abastecendo a população de Aracaju e alhures de farinha, feijão, galinha e ovos, hortaliças e frutas. O povoado caraíba dominava a produção de galinhas. Até hoje, compro galinha de capoeira a Gilmar, um caraibeiro, na feira do Augusto Franco.

Os tropeiros transportavam em lombo de burros as mercadorias dos sítios de Itabaiana até Roque Mendes, pequeno porto do Rio Sergipe, em Riachuelo, e através dos veleiros, chegava-se ao mercado do Aracaju.

Os mesmos tropeiros abasteciam as demais feiras de Sergipe, no retorno, trazia sal, açúcar, óleos, produtos industrializados, em geral, para os armazéns locais de secos e molhados e pequenas bodegas.

Com a mudança na base econômica, a disputa política passou a ser pelo comando do comércio, dos armazéns de secos e molhados (futuros supermercados), dos centros de distribuição de mercadorias, numa cidade tida como celeiro.

O poder político era decisivo para o sucesso econômico. A meta era controlar a exatoria e a polícia. Quem estava autorizado a passar o contrabando? Quem mandava prender e soltar e podia acobertar os malfeitores? Essa era a essência do poder no interior de Sergipe.

Em Itabaiana, o embate político entre Manoel Francisco Teles (PSD) e Euclides Paes Mendonça (UDN) foi violento e apaixonado. A população dividiu-se de forma irreconciliável. A luta principal, era pelo direito de passar contrabando, de mandar no fisco e na delegacia.

Manoel Francisco Teles, nasceu a 11/11/1899, filho de José Francisco Teles e Dona Maria da Graça Bomfim, oriundo de família de baixa renda, começando a trabalhar logo cedo. Em 1937, monta sua primeira Casa Comercial, depois expandindo filial em Carira.

Torna-se um pecuarista de porte médio, e com a herança pela morte do sogro, torna-se um homem rico. Casou-se com Maria Mendonça Teles (Dona Pequena), filha única do Tenente Honório Francisco de Mendonça.

O casal teve apenas um filho, o Dr. Airton Mendonça Teles, nascido em 07 de outubro de 1924, formado em medicina em Salvador, em 1947. Manoel Francisco Teles foi assassinado em 31 de agosto de 1967, na porta de sua residência.

Euclides Paes Mendonça nasceu a 16 de novembro de 1916, filho de Eliziário Paes e Maria da Conceição Mendonça, no povoado Serra do Machado, à época, território de Itabaiana.

Chegou a Itabaiana por volta de 1941, aos 25 anos, maduro e já casado com Dona Sinhá, uma matriarca da importante família Barbosa, das Candeias.

Euclides encontrou uma cidade pobre, acanhada, habitações precárias, sem água e sem luz elétrica. A população residente no núcleo urbano não passava de cinco mil almas. A população, em sua ampla maioria, era rural.

Ele montou uma revendedora da Chevrolet e Oviedo Teixeira uma da Ford. Passaram a vender caminhão com notas provisórios. Eles financiaram a chegada dos caminhões.

Euclides teve dois irmãos famosos, Mamede Paes Mendonça (1915 – 1995), que veio com ele para Itabaiana, e montaram como sócio uma padaria, no Beco Novo, esquina com a Rua da Pedreira; e Pedro Paes Mendonça (1900 – 1978), optou por estabelecer um comércio em Ribeirópolis.

Mamede construiu a rede de Supermercado Paes Mendonça, a maior da Bahia; e Pedro a rede de Supermercado Bom Preço, a maior de Pernambuco. Convenhamos, não é pouco. Hoje, um filho de Pedro, João Carlos, é um mega empresário.

Nesse período onde o comércio de Itabaiana expandiu-se. Itabaiana deu ao Brasil, além dos irmãos Paes Mendonça, Oviedo Teixeira, Gentil Barbosa, Noel Barbosa e Albino Silva da Fonseca, empresários de grande sucesso em Sergipe, e na região Nordeste.

Ganhamos a fama de grandes comerciantes. O que você precisa e não encontra, tem em Itabaiana, e mais barato. O grande comerciante Eliseu Oliveira (Arrojado), dizia de boca cheia: “de tudo o que existe no mundo, em Itabaiana tem, pelo menos dois.”

Essa guerra comercial acabou há muito tempo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A foto é de Manoel Teles. Acervo de Robério Santos.
 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. JOSÉ VALDE DOS ANJOS.

Itabaiana – 350 anos. José Valde dos Anjos.
(por Antonio Samarone)

Ontem, conheci uma Confraria, no conjunto Leite Neto, em Aracaju. Um espaço de convivência de quem não foi sequestrado pelas Redes Sociais. Um local onde se joga conversa fora, estreitam-se amizades e respira-se o calor humano. A novidade funciona há mais de 6 anos, vizinho ao lendário “Bar do Gordo”, na Praça.

A Confraria sobreviveu à Peste da Covid-19.

Na chegada, fui saudado com alegria. Um senhor, bradou em alto tom: “Fernando, você por aqui!” Levei um susto. Só me chama de Fernando, que me conheceu na primeira infância. Até os 12 anos, era o meu nome oficial, sem nunca ter sido. Já vi que o sujeito é de Itabaiana.

De primeira, não o reconheci e tive vergonha de perguntar. Sentei, fiquei olhando para as feições profundas do amigo e a memória afetiva funcionou. Enfim, perguntei: você é da família de Zé de Melinha? – “Claro, porra, sou Paulo, filho de Zé de Melinha.” Puta merda, meu parente. Dona Melinha é irmã de minha avó, Maria do Céu.

Foi nesse ambiente, cheio de afetos, onde conversei com José Valde de Valdice.

José Valde dos Anjos, o primeiro dentista itabaianense, formado pela UFS, é filho de Dona Maria Valdice Lemos e Zé de João Pedro. Nasceu em Itabaiana, em 09 de fevereiro de 1950.

A Mãe, Dona Valdice é da nata do Beco Novo. Filha de João Geraldo Lemos (João Giba) e Dona Marieta. Valdice é irmã de José Calazans, Lourdes, esposa de Zé Bezerra e Dona, esposa de Pedro Boarnerges. Com a morte do marido, caminhoneiro, Valdice criou os filhos sozinha, vendendo pastel.

Zé Valde criou-se no doce ambiente da cidade pequena, do interior de Sergipe. Os meninos danavam-se: pegava caju nos sítios alheios, banhos em rios e açudes, brincavam de pegar e esconde/esconde, e jogava-se bola nas ruas de barro. Zé Valde foi o goleiro do Santos de Bicudinho, filho de Dona Iracema.

Aqui cabe uma explicação. Antes, a primeira turma do Murilo Braga é de 1953, Itabaiana formava muito poucos. Um ou outro. Lembro-me de Elias Andrade, engenheiro formado em Pernambuco, irmão de Seu Filomeno, morto precocemente em desastre aéreo; Nivalda, Filha de Dona Graça e Seu Rosendo, formada em odontologia.

O filho de Manuel Teles, Dr. Airton, formado em medicina na Bahia; Sinval Andrade, formado em medicina do Rio de Janeiro; o intelectual Alberto Carvalho, que primeiro passou no concurso do Banco do Brasil. Aliás, esse era um caminho promissor, para quem terminava o Ginásio. Depois, Alberto foi professor de economia da UFS.

Passos Porto, um itabaianense formado em Agronomia. Eu nem lembro onde, nem quando. Deve ter mais alguém, que não estou me lembrando. Mais um: Dr. Luiz Antonio, médico muito tempo em Simão Dias. Não sei quando formou.

Depois do Murilo Braga, as coisas mudaram. Passamos lotar as salas de aulas das universidades. Da turma de 1962, do Murilo Braga, lembro-me de um grande nome, José Augusto Machado, filho de Zé da Manteiga. Para não esquecer, foi ele quem levou o curso científico para Itabaiana, em 1971. Aqui já é outra história.

No primário, Zé Valde andou por várias escolas: Helena de Branquinha, Gabriel, Dona Augusta. Fez o temível exame de admissão, e ingressou no lendário Ginásio Murilo Braga. José Valde, menino pobre, teve a ajuda de Dona Sinhá, esposa de Euclides Paes Mendonça, e fez os dois primeiros anos do científico, interno, no Colégio Marista, em Salvador.

O terceiro ano científico, Zé Valde concluiu no Atheneu, onde dominavam os itabaianenses notáveis nos estudos. Lotavam as salas de aula do Atheneu: Átalo Crispim, Zé Carlos Machado, Antonio Carlos Fontes, Vladimir Carvalho, Luiz Carlos Andrade, Guilhermino Noronha, Luciano Siqueira, Hélio Lima, Arnaldo Bispo, José Milton Machado, Abraão Crispim, Geraldo de Zé de Cabocla, Nego Lima, Arnaldo Fominha, Manteiguinha, Luciano das Vitalinas, Maceta, Tutu e João Bafo de Onça.

Todos, saídos do Ginásio Murilo Braga! 

José Valde dos Anjos foi da famosa turma de 1963, do Murilo Braga, onde quase todos, menos dois, saíram para continuar os estudos fora de Itabaiana. Muitos se formaram em medicina.
A presença do Murilo Braga em Itabaiana, desde o início da década de 1950, forjou no inconsciente da juventude a importância dos estudos.

O fato de ser estudioso, careava prestigio para um menino pobre. Todos queriam estudar, e estudamos.

Ainda tinha famílias, quando podiam, que se mudavam para Aracaju, para que os filhos estudassem. Lembro-me de Dona Ieda e Zé Silveira. Os filhos se destacaram nos estudos: Tuca, Nino, Denise, Dayse, e os mais novos, que eu não lembro os nomes.

Um detalhe: ricos, pobres e remediados, todos faziam um jeito de vir para Aracaju, estudar. Ficavam na casa de parentes, quando possuíam parente solidários, arrumavam um serviço, davam aulas, faziam banca. Quando se passava no vestibular, a UFS ajudava, mantinha as Repúblicas estudantis.

Quando saia a lista dos aprovados no vestibular da UFS, Itabaiana fazia festa. Raspar a cabeça era a mesma glória de ter ganho uma medalha de ouro nas olimpíadas. Sei que é difícil para a juventude atual saber o significado.

Itabaiana era grande não somente no comércio, nos caminhões e no futebol, Itabaiana era grande nos estudos. Isso fez parte do crescimento da cidade, do inconsciente coletivo.

Quando cheguei de cabeça raspada na bodega de Belisário, foi um alvoroço. A maioria não sabia direito do que se tratava, mas o filho de Elpidio (pataqueiro) e Dona Lourdes (dona de casa) também passou. Viva!

Era a vitória de uma gente sofrida, sem cotas, que lutava com unhas e dentes para sair do buraco. Para não haver dúvidas: sou a favor das cotas.

Dona Valdice, a mãe de Zé Valde, fez das tripas coração, se matou vendendo pastel, mas formou o filho. E Zé Valde, agradeceu e retribuiu. Para não me esquecer: eu vendia os pasteis de Valdice, em dia de feira.

Um irmão de Zé Valde, José Valdemir dos Anjos (Demir de Valdice), não pode estudar, teve que trabalhar logo cedo. Demir andava de feira em feira, curando o povo. Recebia Oxossi e realizava as curas, numa barraca.

Demir era o rei das cafuas de baralho. Morreu novo e deixou duas filhas: Ianara, médica e Raiane, dentista. Zé Valde tomou conta das meninas como filhas. Deixou também um menino, chacinado pela polícia, aos 13 anos.

Demir foi meu amigo de infância, de rua e de futebol.

 
Zé Valde ainda tem mais três filhos: Marcos Wendel, gerente da Caixa Econômica e Carla Regina, enfermeira, e Kelly Regina, advogada, filhas que ele herdou do seu casamento com Simone, filha de Zé Mecânico, da boa safra ceboleira.

Antes, em Aracaju, Zé Valde morava no Hotel Bossa Nova, um antro de estudantes na esquina do Parque da Catedral, depois que passou no vestibular (1970), foi morar na República Cebolinha, na Rua de Maruim, 488, onde também morei.

Em 1975, Zé Valde retorna a Itabaiana, para exercer a profissão de Dentista. Encontrou dois dentistas formados, Welington Mendes e Zenaide, e uma dezena de dentistas práticos: João, do Campo do Brito, Zequinhas Preto e Branco, Josias, Eduardo Porto e Olavo. O consultório de Zé Valde logo estava bobando, com uma grande clientela.

Itabaiana já tinha empregos para oferecer aos seus filhos que retornaram. Zé Valde foi o primeiro dentista formado na UFS, o segundo, falta confirmar, foi Agnaldo de Zé Gordinho. Depois foram muitos. Outra geração.

Muitos médicos itabaianense, formados na UFS, retornaram para a grande Itabaiana. A partir de 1971, o Dr. Raulino montou uma grande equipe.

José Valde se meteu na política uma vez, foi o vice na Chapa de Maria de Chico de Miguel, na disputa a Prefeito de Itabaiana, contra João de Zé de Dona, acho que em 1992. Na trágica passeata estudantil de 1963, em Itabaiana, onde mataram Euclides e Antonio, pai e filho, Zé Valde estava presente.

José Valde cuidou de Valdice, a mãe, do irmão e das sobrinhas, com dedicação paterna. Vive com Simone há 40 anos. Sempre tratou as filhas dela, como pai. A solidariedade de Zé Valde é sem limites.

Antonio Santana Menezes, o primeiro médico, e José Valde dos Anjos, o primeiro dentista, formados na UFS, são itabaianenses, filhos do Ginásio Braga, que engrandeceram Itabaiana, na segunda metade do século XX.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

A foto é do arquivo do historiador Almeida Bispo.
 

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. TONHO DE DOCI.

Itabaiana – 350 anos. Tonho de Doci.
(Por Antonio Samarone)

Em 10 de agosto de 2008, foi plantado no Cemitério de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, Antonio Oliveira, filho de Zezé da Requinta e Dona Eudócia. Dona Dorce, Doce, Dosse, Doci, Dossi, Dóce, e até hoje ninguém sabe como se escreve.

O seu irmão, Paulinho de Doci, mora em Salvador. Um homem de educação esmerada e vasta cultura. Mantém acesa as raízes itabaianense.

Antonio de Doci foi itabaianense mais erudito que conheci. Um iluminado, que fez de quase tudo: comerciante, jogador de futebol (foi o primeiro itabaianense que soube passar a bola), no mais, era chutão para a frente, e seja o que deus quiser. Tonho de Doci tinha estilo.

 
Antonio Oliveira, nasceu em Itabaiana em 11 de julho de 1926. Na Itabaiana agrícola, celeiro de Sergipe. Não foi um doutor de universidade, porque as circunstâncias não permitiam. Foi aprendiz de alfaiate, com o Mestre Pedro Devoto.

Naquele tempo em Itabaiana, o circo era a maior atração. Do fantástico Circo e Teatro Zé Bezerra, a outros menos espetaculares. Zé Bezerra foi o mais talentoso ator teatral, da Grande Itabaiana. Filho de Dona Antonieta, dona pensão, casado com Dona Lourdes, de João Giba, aluno de Procópio Ferreira. Zé Bezerra foi assassinado em Queimados, interior da Bahia.

Antonio Oliveira foi preso, primeiro pelo Governo Vargas e a segundo pela Ditadura Militar, acusado de crime ideológico. Foi deputado estadual, por três meses.

Antonio viveu agarrado aos livros. Profundo conhecedor do cinema. Antonio e Renato Mazze Lucas, levaram luzes para Itabaiana.

Antonio Oliveira é pai da médica Betania, vitima de meningite, e do escritor José Olino.

Para que a leitura não fique longa e cansativa, transcrevo esse texto de Cibalena, sobre Antonio Oliveira:

“Mané Fogueteiro / era o deus das crianças...” ─ assim começava uma velha canção de Augusto Calheiros que embalou as festas de São João da minha infância. Por que falo disso? Porque Antônio Oliveira foi o meu “Mané Fogueteiro”. Tonho de Dorce, além de vender bicicletas, radiolas e geladeiras, era o representante, na Itabaiana da minha infância, dos Fogos Caramuru ─ “os únicos que não dão xabu!” – como dizia o conhecido slogan. Outra faceta inesquecível é que Antônio Oliveira era comunista! Naquele tempo, toda pequena cidade tinha seus comunistas municipais. Eram comerciantes, sapateiros, mecânicos; eram casados e pacatos; no domingo, iam ao cinema com a família; batizavam os filhos, casavam na igreja, chamavam o padre (de quem, aliás, eram amigos) na hora de dar a extrema-unção aos seus moribundos. E eram comunistas! Admiravam a União Soviética e sonhavam com a revolução que resgataria o Brasil do subdesenvolvimento e da injustiça. Isso, que hoje pode parecer anedótico, era uma rota legítima na época em que se formou a geração de Antônio ─ os anos 40. Era um tempo de grandes engajamentos e quem tinha sensibilidade e queria mudar o mundo alinhava-se à esquerda. E numa época em que o velho Partido Comunista era um desaguadouro quase natural desses sonhos, meu Mané Fogueteiro aderiu ao Partidão. Em 1964, foi preso. Depois de solto, mudou-se para Aracaju, onde se tornou o Rei das Bicicletas – título monárquico, magnífico na loja de um comunista!

Discurso de Posse de Cibalena (Luciano Oliveira) na Academia Itabaianense de letras – AIL (28 de março de 2014).

Encerro com um chavão: Tonho de Doci, foi o nosso comunista histórico, com o jeitão de Itabaiana.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. VAL DECORADOR

Itabaiana – 350 anos. Val Decorador.
(por Antonio Samarone)

José Valder Santos (Val Decorador), nasceu na Rua das Flores, Itabaiana, em 06 de novembro de 1951, filho de Euclides Barraca e Dona Rosinha, neto de Dona Maria Barraca (Sá Rita), filha de escravizados. Sá Rita era paneleira e rezadeira, no Tabuleiro dos Caboclos, atual Bairro São Cristóvão.

Dona Rosinha era das Flechas, filha de Dona Alexandrina, lavadeira de roupas, no Açude Velho. Dona Rosinha e as irmãs, Saturnina, Badé e Joaninha, eram devotas de Santa Luzia. Em todo 13 de dezembro, elas saiam a pé, para acompanhar a procissão da Santa, na Barra dos Coqueiros. Até hoje, Val cumpre a promessas da mãe e acompanha a mesma procissão. São Pretos devotos.

Euclides Barraca era guarda-noturno e lanterninha no Cinema de Zeca Mesquita. A noite itabaianense era segura. Com frequência, a gente escutava o apito a altas horas da noite. Era um sinal que a rua estava vigiada. Bastava um apito. Um guarda com a sua capa colonial, uma bicicleta e um apito, era suficientes.

Ladrão, ladrão profissional, eu não me lembro de nenhum. Tinha alguns gatunos.

Cresci ouvindo dizer: Itabaiana não tem pretos! O racismo radical negava a existência dos pretos. A realidade era outra: Os povoados Carrilho, Tabocas, Dendezeiro e Barro Preto são reminiscências rurais de mocambos, e o Tabuleiro dos Caboclos um mocambo urbano.

A famosa castanha assada de Itabaiana é uma herança quilombola.
Só a família Barracas, tinha uma centena de Pretos. Seu João Barraca, padeiro e comunista. Os seus filhos, os gêmeos Cosme e Damião, revelações do futebol. Bons de bola, mesmo muito frágeis. Os dois, juntos, não pesavam mais de 50 quilos.

O famoso rezador Mané Barraca, filho de Dona Zefá Barraca. Um desportista, dono dos 11 Perigos, da Coreia. Aliás, usava-se essa denominação para o Bairro São Cristóvão, por puro preconceito. O bairro São Cristóvão também era chamado de Cruzeiro, devido a uma Capela de São Cristóvão, construída na virada dos séculos XIX para o XX.

Aproveito o resto de memória, para relembrar alguns Pretos famosos, em Itabaiana: Dona Tóta, professora de datilografia, irmã de Zé Andrade, esposo de Dona Olga. Tudo do Beco Novo.

Naquele tempo, quem não soubesse datilografia, não passava em concurso. O Banco do Brasil, exigia que os candidatos batessem 300 toques por minuto, sem olhar para o teclado.

Era uma arte! Hoje, os meninos já nascem sabendo. Batem os 300 toques no teclado do celular, sem pestanejar. Saudades de Dona Tóta.

Lembrei-me de Aruvim do Balaio; João Rocha, barbeiro; Candinho da Rua do Fato, que só calçava sapatos em dia de eleição; Senhor, um preto velho que cozinhava na casa de Euclides Paes Mendonça; Paulina Preta, cozinheira de mão cheia e Dona Maria Besouro, lavadeira do açude velho, com quem eu deixava os meus chinelos, para me danar no açude. Todos Pretos, que ajudaram a construir Itabaiana.

O Açude Velho, onde aprendi a nadar, era infestado de lavadeiras de ganho. Não existia máquina de lavar roupa. Lavar e passar eram ocupações de mulheres pobres. No Beco Novo, a maior engomadeira foi Dona Bilou. Uma senhora muito respeitada, parecia uma Rainha, de andar imponente. Os ricos, mandavam os seus ternos de linho branco, para dona Bilou engomar.

Depois apareceram os ternos de Nycron, o senta e levanta sem amassar. Perdeu a graça. Uma calça bem engomada, com os vincos impecáveis, tinha a sua beleza.

Val Decorador tem cinco irmãos, todos vivos. Aroaldo, Regis, Mazé, Ná e Maié.

Val estudou só o primário, na Escola de Maria de João Fagundes, no Tanquinho. Passou a infância fazendo presepadas. Era o chefe da tribo dos moleques do Beco Novo: Albertino, Rosa, Nego Veio, Sereia Branca, Maguivier, Tonho de Deca e Zé Capuco. Eu, mais medroso, me sentia protegido por esse exército.

Não me lembro de onde, apareceu em Itabaiana um negro ousado, Zé Carlos (Coceira), sobrinho de dona Maria Cajueiro, dona de uma das três pensões, existentes na cidade. Coceira, enchia-se de purpurina e assombrava a hipocrisia provinciana.

Foi Coceira, na década de 1970, que levou a Parada Gay para Itabaiana. Ele sozinho, fazia a festa. Acho que ele ainda é vivo e mora em São Paulo.

Até então, o homossexualismo assumido na cidade, era restrito a cinco personagens, todos bem comportados: João de Filipinho, Uago, Cidália, Chico de Mirinda e Zé Baixinho. Os demais, se é que existiam, eram sob sete capas.

Em Itabaiana existiam três pensões: o Hotel Santo Antonio, de Tancredo; o Hotel Comercial, de Dona Josefa e a pensão de Maria Cajueiro. Antes, tinha a Pensão de Dona Antonieta, mãe de Zé Bezerra e Dona Didi. Essa carência de acomodações hoteleiras persiste até hoje.

Nas traquinagens, Val foi acusado de ter levado capim para os frades, de uma Santa Missão que passava pela cidade. As coisas começaram a engrossar. Ele nega até hoje.

Naquele tempo, Itabaiana possuia poucas oportunidades de trabalho. Como tantos, Val foi passar uns dias em São Paulo, na casa de Seu Felintro, filho de Manesinho Clemente, e Dona Júlia, Gente do Beco Novo que tinha partido antes. Fui vizinho deles, lembro-me das suas filhas: Claudia, Claudete e Claudiceia.

Val arrumou emprego nas lojas do Pão de Açúcar e por lá ficou. Com grande talento, foi promovido a decorador, na empresa. Um autodidata.

Quando retornou a Itabaiana, por volta de 1987, a cidade já era outra. Ele aproveitou, e tornou-se o decorador oficial do andor de Santo Antonio. Hoje, é um profissional respeitado no Agreste. Faz tudo: casamento, batizado, festa de 15 anos e festas cívicas. No último sete de setembro, ele reproduziu a Nau de Pedro Álvares Cabral. Linda!

Val Decorador rompeu os preconceitos! Hoje, é o melhor profissional em decoração do Agreste.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

domingo, 15 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. OS FRUTOS DA EDUCAÇÃO.


 Itabaiana – 350 anos. Os frutos da Educação.
(por Antonio Samarone)

Somente em 1953, saiu a primeira turma de ginasianos, formada no Murilo Braga. A educação mostrava as unhas, se manifestava em Itabaiana, uma cidade voltada para a agricultura.

Itabaianenses formados, até a da primeira metade do século XX, foram poucos, um ou outro, mesmo assim, longe daqui. Em medicina, lembro-me de dois:

Aírton de Mendonça Teles, filho de Manoel Teles (líder político) e Dona Pequena, formou-se em medicina na Bahia, em 1947. Deputado estadual e federal. Foi vítima de um acidente aéreo, no Estado da Guanabara, em 25 de junho de 1960, aos 35 anos.

No final da década de 1960, Sergipe possuia 150 médicos inscritos no Conselho Regional de Medicina, aptos ao exercício da profissão. Que eu lembre, natural de Itabaiana, só Sinval Andrade Santos, filho de Seu Zeca de Áurea e Dona Rosália, neto de Manesinho Priscina. Sinval Andrade, formou-se no Rio de Janeiro, em 1967.

Sinval Andrade foi professor de medicina da UFS e é membro titular da Academia Sergipana de Medicina. Hoje, aos 86 anos, Sinval é um médico de sólida formação científica e rara erudição.

Nas duas primeiras turmas de formandos em medicina pela UFS (1966 e 1967), não constavam Itabaianense. O primeiro, formando pela UFS, foi Antonio Santana Menezes, em 1968.

Antônio Santana Meneses, nasceu em Itabaiana, em 05 de agosto de 1944. Filho de Florival de Oliveira Menezes (Florival de Dario) e Dona Valdelina de Santana. O pai era comerciário, empregado do armazém de Manoel Teles (chefe político em Itabaiana). Seu Florival morreu cedo, deixando Antônio Santana com nove anos. Santana tem 4 irmãos: Zé Torneiro, João, Maria e Nivalda.

A vida ficou difícil para Antônio Santana, com a morte do pai. Como todo menino pobre daquele tempo, pegou carrego na feira, vendeu água em moringa, e aos dez anos, a mãe resolveu que estava na hora dele aprender um ofício. Empregou o menino na Alfaiataria de Zé Crispim (cortar ponta de linha, pregar botão, ascender o ferro em brasa). Sempre tinha o que fazer. Zé Crispim comprou uma loja de tecido, e o balconista foi Santana, aos 11 anos.

O trabalho educou e disciplinou o menino. Não o impediu de jogar bola na Praça da Feira, nem de frequentar e se sair bem na escola. Os tempos eram outros.

Antônio Santana nunca descuidou da escola. O primário começou na escola de Maria Branquinha e depois no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. O ginásio ele fez no grande Murilo Braga, com excelentes professores e muita organização. As escolas públicas funcionavam muito bem. Só iam para as escolas particulares os alunos que não queriam nada. Eram escolas “papai pagou, filhinho passou”.

A dificuldade apareceu para estudar o científico, em Itabaiana não tinha. E agora, como vir para Aracaju sem ter onde ficar, sem tem como se manter. Zé Crispim, vendo aquilo, resolveu ajudá-lo. Fez contato com Valtênio Meneses, dono das lojas de tecido Maracanã, e conseguiu um emprego para Santana. Em 1960, Antônio Santana se mudou para Aracaju.

Trabalhando, pode estudar o científico, à noite, no Colégio Atheneu Sergipense, onde estudavam ricos e pobres. Foi morar numa vila de quartos, na rua Japaratuba. Santana se destacou nos estudos.

No 3º ano científico, Seu Valtênio Menezes, vendo o esforço do menino, fez uma concessão: - “você só precisa vir trabalhar depois do almoço, pela manhã fique em casa para estudar”. Foi o suficiente! Em 1963, Antônio Santana passou no concorrido vestibular de medicina da UFS, o único pobre da turma. Só passaram 11 alunos naquele ano.

Naquele tempo eram poucos os filhos de Itabaiana que se formavam. Em medicina tivemos o filho de Manoel Teles, Dr. Airton Mendonça Teles; e agora teríamos o filho de um balconista do armazém de Manoel Teles; Antônio Santana, o primeiro Itabaianense a forma-se em medicina pela UFS.

Durante o curso, logo cedo, Antônio Santana se interessou pela psiquiatria. Aproximou-se do Dr. Hercílio Cruz, professor e dono da única clínica particular em Sergipe, o Hospital Psiquiátrico Santa Maria. Além de Hercílio, exerciam a psiquiatria em Sergipe: Garcia Moreno, Renato Mazze Lucas, Jorge Cabral Vieira e Eduardo Vital Santos Melo. Um grupo pequeno, todos influentes na sociedade.

Antônio Santana Meneses concluiu o curso de medicina em 20 de dezembro de 1968. Em primeiro de janeiro, já estava empregado na Clínica Santa Maria. Em dezembro de 1970, casou com uma amiga de infância, uma ceboleira, Dona Carmen Santos Meneses.

Pouco tempo depois, deixou a Clínica do Dr. Hercílio para assumir a direção do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, um velho depósito de pacientes. Mesmo recém-formado, o Secretário da Saúde não tinha alternativas, os psiquiatras famosos não aceitavam.

Antônio Santana encontrou o Adauto Botelho superlotado. Uma ala feminina, assistida pelo Dr. Renato Mazze Lucas; e uma ala masculina, sem assistência médica. Aos fundos, ainda existia um puxadinho, com os pacientes remanescentes da Colônia Eronides de Carvalho. O Adauto Botelho possui ainda uma ala dos “Sem Leitos” (eu alcancei), isso mesmo, os que dormiam no chão.

Entre os tratamentos dominantes no Adauto Botelho: a insulinoterapia (o paciente era induzido ao choque hipoglicêmico); o cardiozol (método químico de provocar convulsões); e o “sulfo”, (mistura de óleo de cozinha com enxofre em pó), que aplicado na bunda do suplicante. Era uma injeção intramuscular para produzir um abscesso e reduzir a agitação do infeliz. Um velho princípio hipocrático: “a dor maior, cura a dor menor”.

De moderno, o Adauto Botelho possuía o eletrochoque, aplicado em quase todo o mundo. O choque era a panaceia, servia para tudo. O Dr. Antônio Santana demorou pouco tempo nessa casa de horrores. Doentes no chão, sem assistência médica, sobrevivendo a base dos choques. Santana pediu demissão e foi embora para São Paulo.

Antônio Santana foi compor a imensa legião de médicos sergipanos migrantes para São Paulo. Da segunda metade do século XIX, até hoje. Formamos uma elite de paus-de-arara, que partiram em busca de uma vida melhor. Não ajudamos a construir São Paulo só com o trabalho braçal, com o suor; exportamos também cérebros, inteligências, pensamentos, arte e sensibilidade.

Em 1972, Antônio Santana foi morar em São Paulo. Residiu primeiro em Piracicaba. Em 1975 mudou-se para Presidente Prudente, onde foi trabalhar no Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes. Lá viveu, exerceu a medicina decentemente, e criou os seus filhos: Carla, oftalmologista; e Claudio, patologista.

Antônio Santana desenvolveu um trabalho voluntário de combate ao alcoolismo, na cidade de Mirante de Paranapanema, próxima a Presidente Prudente.

Antônio Santana Meneses, o Dr. Meneses (para os paulistas), cinquenta e seis anos de formado, reside hoje em São Paulo (capital), e ainda exerce a psiquiatria em seu consultório.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sábado, 14 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. ACADEMIA BECO NOVENSE DE LETRAS.


 Itabaiana, 350 anos. Academia Beco Novense de Letras.
(por Antonio Samarone)

“Praças: Da Matriz, Santa Cruz, do Vapor/ Ruas: Nova, Beco Novo, Futuro, Vitória, São Paulo, Flores, Cisco, Sol, Ovo, Pedreira... E havia homens sábios.” – Zé Crispim, natural do Zanguê!

O Beco Novo já foi a entrada antiga de Itabaiana e o caminho de Santo Antonio Fujão. Uma rua de pretos e pobres, salvo um ou outro remediado.

Várias escolas: Helena de Branquinha, Dona Joseíta e a do professor Airton Silva (foto). Clube recreativo, estádio de futebol, tendas de sapateiros, fábricas de peido veio, brilhantina, botes de fósforos e uma bodega em cada esquina.

E muitos meninos... A rua era entupida de moleques, quase todos briguentos.

Até os idos de 1960, a Rua do Beco Novo era o centro cultural de Itabaiana. A rua tinha o seu ateu: José Nogueira da Silva, conhecido por Araponga. Menino de pouca conversa, obstinado, autodidata; deixou a escola ao concluir o primário, por não suportar as pancadas da professora Branquinha. Hoje, a psicologia enquadrava Araponga como autista, com capacidade cognitiva privilegiada.

Naquele tempo, as professoras usavam e abusavam da sabatina, errou qualquer besteira, à palmatória comia no centro. Sem contar os castigos cruéis e humilhantes. Muitos mijavam nas calças, com as ações disciplinadoras. Araponga desistiu.

Aos 16 anos, Araponga já era um bom sapateiro, apreendeu o ofício com o Pai. Poderia ter parado por aí, casar, criar família, levar uma vida simples, como tantos. Mas ele queria voar, descobriu que igreja católica tinha uma biblioteca, e que emprestava livros de graça. Meteu as caras. Não desconfiava o que iria encontrar.

Uma biblioteca católica em Itabaiana, antes do Concílio Vaticano II, certamente estaria repleta de uma literatura religiosa, a vida dos santos, a imitação de cristo, a bíblia, os evangelhos; mas, por tentação de Satanás, Araponga pegou o primeiro livro na estante errada, era um livro de Voltaire. E foi a sua perdição, encasquetou com a filosofia, e não parou mais.

Até hoje me pergunto, o que aquela literatura iluminista estava fazendo na biblioteca do padre? Coisa do Cão!

Suponho, hoje, que sendo o padre muito ocupado com a salvação do rebanho, nunca tivera tempo de examinar o acervo literário da sua Paróquia. O certo é que os livros do padre empurraram Araponga para o ateísmo.

Araponga leu Rousseau, Descarte, Diderot, alguns discursos do incorruptível Maximilien François Marie Isidore de Robespierre, leu os miseráveis aos 17 anos; percorreu a filosofia alemã, foi aos russos, leu Tolstói e Dostoievsk; não esqueceu de Machado de Assis, e foi um apaixonado por Lima Barreto.

O que ficou disso tudo? Quase nada, tudo muito embaralhado.

Araponga continua sapateiro, pobre, ateu, mas guardou um sonho: ser imortal numa Academia de Letras, à semelhança da Académie française, fundada por Richelieu em 1635.

Sempre foi um sonho improvável. Contudo, o mundo gira. Araponga ficou sabendo que estão criando academias de letras em todos os cantos e recantos desse velho Sergipe, soube também, que os critérios para se tornar um escritor, um poeta, pintor, escultor, foram relaxados. Ser artista agora ficou fácil. A arte e o talento está nas redes sociais.

Ou dito de outra forma, todos somos talentosos, o que dar no mesmo. A alta cultura sempre foi uma tapeação das elites. Entre um clássico de Eça de Queiroz e um livro de causos mal escrito, publicado às pressas, a diferença passa a ser uma questão de gosto, tem quem goste de um e quem goste do outro. Tudo é relativo.

No início do ano, Araponga recebeu a visita de um amigo, imortal das novas academias, que conhecendo o seu sonho, não se acanhou em aconselhá-lo: - companheiro, por que não publica aquele poema em homenagem à revolução de 31 de março, que você declamou alguns versos na escola de dona Branquinha?

Araponga nem lembrava, mas retrucou: - quem sou eu, pobre sapateiro, onde vou encontrar recursos para pagar a edição de um livro? Você pode publicar no Facebook, insistiu o intelectual. Será se é válido para eu tentar uma vaga numa Academia? O amigo disse que não sabia, e a conversa foi encerrada.

Foram cutucar a onça, Araponga despertou. Agora quer porque quer ser imortal. Postou o poema no Facebook, com boa aceitação: 136 curtidas, 36 comentários (todos a favor) e 11 compartilhamentos.

A poesia de Araponga ganhou o mundo. Já participou de um sarau em Aracaju, e recebeu a promessa de um político, que vai arrumar um patrocínio para que a poesia de Araponga vá ao papel.

As coisas estão encaminhadas. Araponga está percorrendo escolas, asilos, reuniões de Rotary, quermesse de paróquias, e qualquer espaço onde ele possa declamar a sua arte. Contudo, ainda não alcançou o principal objetivo: ocupar uma cadeira numa academia de letras.

A missão está complicada. Já existem academias nos 75 municípios de Sergipe, academias em alguns povoados, e ele até agora não foi lembrado. Ficar esperando que um ou outro bata as botas, para ele disputar uma cadeira, não é um caminho fácil. A fila é grande, muitos fazendeiros, políticos, gente graúda, todos querendo. Ser imortal em Sergipe é uma glória muito desejada.

Foi diante da crise, da escassez de vagas para a imortalidade, que Araponga encontrou uma saída genial, resolveu criar uma Academia de Letras no Beco Novo, e por que não? Ele será de cara o fundador e presidente; arrumar membros e patronos, com os novos critérios também não será problemas.

Não precisa de sede própria, vai se reunir na sede do Rotary, no próprio Beco Novo. Os bodegueiros da rua, ao tomarem conhecimento da iniciativa cultural, já fizeram uma vaquinha, e vão pagar as despesas com edital, livro de ata, registro em cartório, e outros entraves burocráticos.

O sonho de Araponga vai se transformar em realidade.

Eu, mesmo já sendo duplamente imortal, como natural do Beco Novo, e até por uma questão de patriotismo, já aceitei o convite.

Araponga já convidou Betinho, Beijo, Bem-te-vi, Demir de Valdice, Rosa, Nego Veio, Val e Regis de Euclides Barraca, as filhas de Bonito, Salomão, Pindoba, Peba de Justino, Chumbrega, Cabo João Mole, Sampaio, Miguel Fagundes, Rosalvo do Cabo Quirino, Zé Meu Mano, Juarez do Correio, João Giba e Zezito de Dona Bilô.

E essa Academia não terá mulheres? Muitas: Rovanda, Marinete, Dulce, Mãezinha, Neide de Palmeirinha, Dona Olga e as irmãs, Dona Tóta, professora de remington, e Alaíde, mãe de Fóbica.

Gente do Beco Novo é o que não falta, para obter esse direito a imortalidade.

Araponga, ainda quer ser original, está propondo que a “Academia Beco Novense de Letras, vá além, não seja apenas de letras, e seja a primeira nessa nova modalidade: uma “Academia Beco Novense de Letras, Números e Sinais de Pontuação”.

Quem já morreu e não pode ser mais imortal, vira Patrono.

Vamos à luta!

Antonio Samarone.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. OS PRIMEIROS DOUTORES.


 Itabaiana – 350 anos. Os primeiros doutores.
(por Antonio Samarone)

No final do século XIX, Itabaiana recebeu o primeiro médico a se estabelecer na cidade: o lagartense Manuel Batista Itajay. Formado na Bahia em 1886. Começou clinicando e vendendo remédios em Itabaiana. Espertamente, Itajay casou-se com Dona Carlota, filha do líder político Capitão Manuel Ferreira.

Foi o que Itajay precisava para entrar na política. Mandou e desmandou por 15 anos, até chegar a vice-governador. Entrou numa conspiração, assumiu o governo, mas logo foi deposto e caiu em desgraça. Faleceu logo depois, em 1918. O desmembramento de Campo do Brito, foi uma punição aos atos de Itajay.

Ia falar do médico Itajay, terminei falando do político. Foi ele que implantou as disputas acirradas na política de Itabaiana, fazendo frente ao Coronel Sebrão.

A maior obra do Doutor Batista Itajay em Itabaiana, foi proibir que os tabaréus viessem para as feiras de ceroula. O meu avô, Totonho de Bernardinho, nunca o perdoou por isso.

No início da segunda metade do Século XX, a medicina ainda engatinhava em Itabaiana. Poucos médicos e uma medicina voltada para cuidados genéricos.

O médico oficial de Itabaiana, o único, a partir da década de 1930, foi Gileno Lima Costa. Natural de Riachão dos Dantas, formado em 1931, na Bahia. Um doutro atencioso, dedicado aos seus pacientes, não se negava de ir a cavalo aos povoados, atender a partos complicados. Entretanto, sem maiores recursos.

Gileno Costa viveu em Itabaiana até 1956. O Dr. Gileno Costa ajudou na construção do modestíssimo Hospital Rodrigues Dórea.

Entretanto, a maior obra de Gileno Costa, foi a construção da Associação Atlética de Itabaiana, inaugurada em 1948. Eram os primeiros passos de uma vida urbana.

O humanista Pedro Garcia Moreno, neto do Monsenhor Daltro, do Lagarto, chegou a Itabaiana em 1949. Foi um pai para a pobreza. Atendia a todos, com alegria. Aliás, foi ele que concluiu o meu parto. Demorei a nascer com a parteira. Doutor Pedro merece uma história a parte. Se meteu na política, no futebol. Levou o espiritismo para Itabaiana. Dr. Pedro faleceu em 1990, aos 68 anos.

Na década de 1950, viveu e clinicou em Itabaiana outro médico baiano: Remato Mazze Lucas. O meu patrono na Academia Sergipana de Medicina. Um intelectual inquieto. Casou-se com Dona Helena, uma princesa do Carira. Em Itabaiana, Dr. Mazze Lucas teve os seus filhos, apaixonou-se pelo tremendão da Serra, e fundou instituições Culturais (Glei). Muito amigo de Antonio de Dóci.

O Dr. Ormeil Câmara de Oliveira, baiano, chegou a Itabaiana por volta de 1956, trazido por Euclides Paes Mendonça, para equilibrar os serviços médicos. Trouxe um médico para a UDN.

Em 1967, chegou a Itabaiana outro médico baiano, Airton Millet, para trabalhar no SESP. Se adaptou a cidade, e aqui criou a sua família. Foi "maçone" e rotariano. Faleceu em 2011, aos 82 anos.

Entretanto, a medicina em Itabaiana precisou esperar até 1970, para dar o seu grande salto: em 17 de fevereiro de 1970, chegava outro médico baiano: Raulino Galrão Lima, um apaixonado pela medicina.

Concluído o curso de medicina, casado, com filhos, Raulino recebeu uma visita surpreendente: a Irmã Rafaela Pepel vai a Salvador convidá-lo para vir assumir a Maternidade São José, em Itabaiana, inaugurada em 01 de novembro de 1959.

Desde 1963, a maternidade era administrada pela Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição (a mesma da Irmã Dulce): Evencia Vasconcelos (parteira), Maria Auxiliadora, Maria Acácia e Rafaela. Bateu a dúvida: como oficial da polícia poderia acomodar-se, ficar no corpo médico da corporação; mas a proposta de Itabaiana parecia atraente.

Raulino procurou os sergipanos Reginaldo Silva e José Augusto Lisboa, seus colegas de turma, para aconselhar-se, não deu outra, pediu licença da polícia, e em 17 de fevereiro de 1970, estava chegando a Itabaiana, para começar uma nova vida. Encontrou dois colegas residindo na cidade: Pedro Garcia Moreno e Ormeil Câmera de Oliveira.

Raulino fez uma revolução na assistência médica em Itabaiana. Corajoso, preparado, passou a fazer os partos normais e complicados, reativou o velho Hospital Rodrigues Dória, começou a realizar todos os tipos de cirurgia. Ele fazia a anestesia e operava sozinho.

Iniciou o atendimento a 14 municípios da Região, dando por semana seis plantões de 24 horas. Vivia nos hospitais, com uma média semanal de 30 partos. O mais importante, com baixa mortalidade, Raulino fazia de tudo, atendendo sobretudo a população carente.

Em 1973, passou no concurso da Faculdade de Medicina de Sergipe, para a cadeira de obstetrícia, o que facilitou a formação de sua equipe em Itabaiana. Vieram Luciano Siqueira e Guilhermino Noronha para anestesia; depois para a obstetrícia, Cardoso, Carlos Alberto, Antonia, Bosco, Aldevane, Fontes, Edmundo, montando uma equipe de profissionais qualificados.

Raulino abriu tanta gente, operou tantos, que passou a conhecer os sertanejos de Sergipe pela cor do tecido adiposo. A gordura do sertanejo é amarelo-ouro, intensa, diferente, mais apurada, conta Raulino... Francisco Rollemberg, outro grande da cirurgia em Sergipe, presente na entrevista, confirmou balançando a cabeça.

Dr. Raulino virou ceboleiro, entrou para a política, foi vereador em Itabaiana por dois mandatos, deputado estadual, e presidente do IPES durante o Governo de Albano Franco.

Em 1993, aos 56 anos, Raulino recebeu o diploma de bacharel em direito. Em seguida foi aprovado na prova da OAB, assumindo a condição de advogado, passando a exercer à lide jurídica, em especial na defesa dos colegas médicos quando precisam responder à justiça.

Somente em 2015, após 45 anos de bons serviços prestado ao povo da Região de Itabaiana (14 municípios), de ter sido presidente da Associação Olímpica de Itabaiana, ter participado do Rotary, virado ceboleiro, é que Raulino mudou-se para Aracaju.

Em novembro desse ano, a Academia Sergipana de Medicina vai a Itabaiana, prestar homenagens aos médicos Itabaianenses. Hoje, são muitos e bem formados. Sem esquecer o passado.

Antonio Samarone – médico sanitarista (natural do Beco Novo).

Ps: Dois médicos estão na foto: Pedro Garcia Moreno e Renato Mazze Lucas.