domingo, 10 de novembro de 2024
O CU DE SIDCLAY.
O Cu de Sidclay...
(por Antônio Samarone)
O velho Chico Buarque diz numa canção esquecida: “Procurando bem/Todo mundo tem pereba/Marca de bexiga ou vacina/E tem caganeira, tem lombriga, tem ameba... Futucando bem/Todo mundo tem piolho/Não livra ninguém/Todo mundo tem remela...”
Lembrei-me dessa canção, ouvindo Dona Zefinha no rádio, reclamando dos médicos do SUS:
“Levei Sidcley, o meu filho mais novo, para fazer um exame de fezes no Postinho da Prefeitura, e o médico me disse que não existia mais esse exame. Como assim, me danei... Não existe, ou o senhor não quer pedir? O meu filho tá comido de vermes. Além da lombriga e o do amarelão, acho que ele pegou a caseira, aquela que ataca o olho do cu. O menino não para de coçar. Só saio daqui quando o senhor pedir o exame.”
Depois de muita insistência, o doutor terminou pedindo. Mas foi pior: quando recebeu o resultado, negativo, não deu nada. Como, Sidcley não tem verme? E essa caseira é o quê? O exame só pode tá errado. Fui conversar de novo com médico, desabafou Dona Zefinha.
Só que no rádio, Dona Zefinha não contou o final da história. Procurei saber da Unidade onde ela foi atendida, e liguei para o médico.
Ele, pacientemente, me explicou. Samarone, as verminoses são raríssimas hoje em dia. Os meninos mudaram os hábitos de higiene (acho que foi a escola); andam calçados, bebem água limpa, não fazem mais coco em baixo das bananeiras, como em nosso tempo.
Nunca mais consultei um menino com verminose, continuou o doutor, deixaram de ser um problema de Saúde Pública. Não se encontra mais ascaridíase (lombriga), ancilostomíase (amarelão), teníase nem se fala; ocasionalmente encontro um ou outro menino reclamando de uma coceirinha nos anus, examino, e tenho encontrado a oxiurose, isso mesmo, causado pelos oxiúros, o Enterobius vermicularis, um vermezinho de 2 mm.
Pensei que o Sidcley tivesse o que o povo chama de caseira. Nada, nem isso. O exame deu negativo. Os meninos de hoje tem muita alergia, TDAH e autismo. A lactose é quase um veneno.
E aí, meu amigo, se o Sidcley não está com a caseira, o que é esse formigamento no cu do menino? Formigamento não, disse-me o colega, é coceira das brabas. O cu de Sidclay está em carne viva!
A mãe me contou que Sidcley tinha botada a tripa gaiteira (a tripa gorda), para fora (prolapso retal) e ela botou para dentro com uma vara de fumo brabo. O povo se vira.
Para lhe falar a verdade, eu não sei do que se trata, disse-me o colega. Não dar para pedir uma ressonância magnética, para ganhar tempo. Nem posso dizer que é uma virose. Estou no mato sem cachorro. Não sei nem para quem encaminhar.
Coceira no olho do cu é competência de que especialidade? Eu não sei. Nem eu! Fui ver o manual de procedimentos da AMB, e não encontrei.
Me lembrei da infância no Beco Novo. Todos tínhamos lombrigas, perebas e bicho de pé. A disputa era saber quem tinha mais.
Após tomarmos os remédios de Dr. Pedro Garcia Moreno, médico do DNERU, as mães contavam quantas lombrigas os buchudinhos botavam. Passavam de cem. Peba de Seu Justino botou uma pelas ventas. E agora, fico sabendo que acabou. Virou raridade!
Encerei o telefonema alertando ao colega. Você trate de arrumar um remédio para Sidcley, senão Dona Zefinha lhe come vivo. E ainda vai ficar brotando no rádio o resto da semana, dizendo que o SUS virou uma esculhambação.
Antônio Samarone – médico sanitarista.
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