quarta-feira, 9 de abril de 2025

BOCA DE FORNO



 Boca de Forno.
(por Antonio Samarone).

A principal contribuição dos Tupinambás para alimentação, foi a farinha de mandioca. O pau de guerra, como era chamada, deu vantagens militares aos Tupinambás, pois a farinha é resistente a decomposição.

Foi a farinha que sustentou a colonização. A farinha possui três virtudes alimentares: “aumenta o que é pouco, engrossa o que é mole e esfria o que é quente”.

Durante séculos, a produção da farinha foi aperfeiçoada em Itabaiana. A farinha de Itabaiana virou marca de qualidade. A farofa tornou-se uma guloseima. Era uma produção artesanal coletiva. As farinhadas eram festas. Rituais de confraternização.

Atualmente a produção é feita em fabriquetas, por norma, com retirada da tapioca (amido). Entre as mudanças do processo, o forno de barro foi substituído pelo de ferro, visando o aumento da produtividade. A pressa reduziu a qualidade da farinha. Por exemplo: a antiga farinha pó do Rio das Pedras, só é produzida em forno de barro.

O forno de barro permite uma temperatura adequada para assar sem queimar. Os bolos, beijus, doces, petiscos, pitéus, rebuçados, acepipes, iguarias e manjares derivados da tapioca e da puba, precisam do forno de barro.

Ontem, fui ao Povoado Cajueiro, onde funciona a última oficina de produção fornos de barros, em Sergipe. Uma forma de resistência.

A produção de fornos de barros (foto) fica por conta de José Wilson, conhecido por Cajueiro, e de sua família. Uma tradição familiar de mais de cem anos. Tudo começou com Dona Maura de Zeca de Franco, no Povoado Congo. O senhor Durval do Forno, recentemente falecido, deu continuidade.

Hoje, os irmãos Cajueiro e Edmilson, segue a prática da família, e continuam produzindo fornos de barro. Mesmo com a demanda reduzida. A cultura popular resiste, não sei até quando.

As doceiras que conhecem as virtudes dos fornos de barro e não sabiam onde encontrá-los, podem me procurar.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

domingo, 6 de abril de 2025

A FUNDAÇÃO DE ITABAIANA - 350 ANOS.

A Fundação de Itabaiana. 350 anos.
(por Antonio Samarone).

Em resposta ao competente Conselho Estadual de Cultura.

A historiadora Thetis Nunes, citando um documento de 1757, descreveu os limites da Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, situada a uma légua da grande Serra:

Ao ocidente, com Villa de Lagarto, separados pelo Rio Vaza Barris; ao Leste, com a Villa de Santo Amaro, separados pelo Rio Sergipe; ao sul, com São Cristóvão, todas com uma distância de dez léguas. Para o Oeste, os limites de Itabaiana chegavam ao Sertão de São João de Jeremoabo, comarca da Bahia.

Itabaiana possuía uma área de 200 léguas quadradas.

A primeira atividade econômica em Itabaiana foi a criação de gado, a prosperidade dos curraleiros. O historiador holandês, Barleus, confirma a riqueza do gado em Itabaiana. O hábito alimentar de carnívoros tem a sua origem distante. Em Itabaiana, a carne está presente em todas as refeições.

Entretanto, foi a agricultura que ajudou a fixar o colono em pequenas propriedades. Os plantadores de mandioca, algodão e legumes. A farinha de Itabaiana virou uma marca de qualidade. O artesanato, com o algodão, passou a produzir tecidos e rede de dormir, citados pelo padre Marco Antonio de Souza.

No início do século XIX, a sede da Villa de Itabaiana possuía menos de mil habitantes. A vida se passava na extensa zona Rural. A Câmara Municipal, em meados do século XIX, delimitou a criação de gado na área de três léguas à dentro das matas, acabando com as "soltas". As fazendas precisavam construir cercas.

O primeiro líder político de expressão em Itabaiana, foi o Capitão Mor das Ordenanças de Itabaiana, José Matheus da Graça Leite Sampaio, senhor de terras destacado na Província. Militante da autonomia de Sergipe e da adesão a independência nacional.

Matheus da Graça foi eleito deputado para a primeira Assembleia Geral do Império (1826). Ele não chegou a exercer, pela idade avançada e doenças. Faleceu em janeiro de 1829.

A partir da década de 1860, a crise mundial do algodão, teve desdobramento em Itabaiana. Plantar algodão virou uma febre, invadindo as matas.

Em 1870, chegou a Itabaiana a primeira máquina de descaroçar algodão, o chamado Vapor. Rapidamente, em 1874, já existiam 50 Vapores. Ocorreu o crescimento do espaço urbano, nasceu um comércio promissor.

Despontou na produção de algodão o povoado Chã de Jenipapo, atual Frei Paulo. Dezenas de municípios sergipanos foram desmembrados de Itabaiana. Frei Paulo foi o primeiro.

A Resolução 1.331, de 28 de agosto de 1888, elevou a Villa a condição de Cidade, iniciativa do deputado Guilhermino Bezerra. Essa data é comemorada como o aniversário da Cidade.

Um equivoco histórico. Itabaiana foi fundada bem antes. Itabaiana vem da ocupação de Sergipe. Em 1675, foi criada a Freguesia de Santo Antonio e Almas (350 anos).

A Igreja chegou antes da Coroa!

Antes Arraial, Itabaiana se tornou Villa em 1697. Como dizia Sebrão sobrinho: uma comunidade de vilões, artesões e bodegueiros. Passam a existir: a Câmara, a Cadeia e o Pelourinho. Juiz ordinário, promotor, delegado, fiscais de renda e eleições. Quase tudo no papel.

Itabaiana vem de longe! O 28 de agosto de 1888 é uma data relevante, mas longe de ter sido a fundação. A filarmônica é de 1785, não pode ter sido anterior a cidade. A confusão é sobre o conceito de cidade. São Cristóvão já foi fundada com Cidade, nunca foi Villa. Itabaiana foi Arraial, Villa e depois Cidade.

A Criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas (Paróquia), em 30 de outubro de 1675, é uma prova da existência consolidada da comunidade de Itabaiana, chamada à época de Arraial.

Em reunião recente do Conselho Estadual de Cultura, foi perguntado que data era essa, dos 350 anos de Itabaiana? Gerando um clima de desconfiança. Espero que esse modesto texto, esclareça as dúvidas do douto Conselho.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

sábado, 5 de abril de 2025

O CANTO DAS CIGARRAS

O Canto das Cigarras.
(Por Antonio Samarone)

Ainda existem vidas, fora das redes sociais!

Resolvi conhecer a cultura dos povoados em Itabaiana. Comecei pela Matapoã (Maitapam), onde viveram os meus ancestrais. Ontem, fui ao Bom jardim. A quem procurar? Pensei, aos mais velhos. Eles são os guardiões da cultura.

Como antigamente, fizemos uma roda de conversas (foto), no quiosque de Dona Terezinha, no meio da Praça. Lá estavam: Zé de Chico (94 anos), Seu Onésimo (81 anos), Maria Clemencia e Inês, todos nascidos e criados no Bom Jardim. Marcelo Pulido, um paulista exilado no Povoado e Erotildes de Jesus, Secretário de Agricultura de Itabaiana.

Uma conversa alegre, inteligente e bem informada. Eles são descendentes dos fundadores do Povoado, tetranetos de Vitório José de Jesus, o desbravador, que chegou por essas bandas em meados do século XIX. Os Ipês do pé da Serra estavam floridos. O nome foi automático: aqui é um Bom jardim.

Aliás, Seu Onésimo tem essa história escrita. Ficou acertado que quando ele encontrar, me dará uma cópia do manuscrito. Será um mimo. Um achado. Quando eu receber a raridade, darei ampla divulgação.

Um povo religioso (católicos) e trabalhador. O padroeiro é o “Sagrado Coração de Maria”, comemorado no terceiro domingo de agosto. Não tem miséria no Bom Jardim. Nem ricos, nem pobres, todos vivendo decentemente. É o povoado mais bonito de Itabaiana. Disparado.

Quando o Monsenhor Carvalho estava construindo a Igreja do Colégio Arquidiocesano, em Aracaju, foi feita uma campanha estadual solicitando que as comunidades doassem os bancos. Um daqueles bancos da Igreja, foi doado pelo povo do Bom Jardim. O Padre Carvalho se afeiçoou pela comunidade e passou a frequentar as festas locais do padroeiro.

Em minha adolescência, participei no Bom Jardim de um retiro para jovens, organizado pelo padre Antonino, um italiano que rondou por aqui. Éramos quinze. Após uma pregação, o padre mandou que a gente saísse para meditar. A missão não foi cumprida: não sabíamos o que era meditar e tivemos vergonha de perguntar.

O Bom Jardim possui uma Capela imponente e bem cuidada. Uma terra de grandes professoras, destaco: Zuleide Floresta, Laura Maria dos Santos e Anita Santos.

A eletrificação do Bom Jardim foi lenta, as coisas não andavam. O Monsenhor Carvalho intercedeu junto ao Governador Augusto Franco. Em 30 dias, as luzes do Bom Jardim foram acesas. Esse fato é lembrado até hoje.

A abertura da estrada até Itabaiana, na década de 1950, foi um reboliço. Um sitiante não deixava que a estrada cortasse o seu sítio. Euclides Paes Mendonça foi pessoalmente comandar o trator, para a derrubada das cercas.

Retornei da roda de conversas ao anoitecer. Desci pelo Beco Novo. Fiz algumas fotos. Ao chegar na Praça da Matriz, fui recebido pelo canto das cigarras. Um som de minha infância, envolvente, ritmado, todas anunciando a quaresma.

Não ouço cigarras em Aracaju. Se existirem, são cigarras da capital, silenciosas!

Ontem, achei que as cigarras da Praça da Igreja (milhares, centenas de milhares), estavam a todo pulmões. Mais de cem decibéis. Sabiam que o Bispo Josafá ia chegar puxando uma via-sacra.

Por quem cantam as cigarras? Na cultura chinesa, a cigarra é um símbolo de imortalidade e renascimento.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

ITABAIANA - 350 ANOS. TINDA E OS PRETOS DO TABULEIRO DOS CABOCLOS.

Itabaiana – 350 anos. Tinda e os Pretos do Tabuleiro dos Caboclos. (por Antonio Samarone).

Em Itabaiana, o "football" nasceu no Tabuleiro dos Caboclos (atual Bairro São Cristóvão) e foi praticado majoritariamente pelos Pretos. Até a chegada deles, vindos do Quilombo Barro Preto, no pé da Serra, vizinho ao Bom Jardim, o Tabuleiro era dos Caboclos (índios miscigenados).

Os Pretos eram ceramistas: faziam potes, panelas e purrões. Outros, pataqueiros ou sapateiros. Nas horas vagas, jogavam futebol. Os primeiros, que se destacaram no futebol, foram: Coringa, sobrinho de Divo Preto, que foi jogar na Bahia e Lima de Mané Padeiro, que brilhou no gol do Confiança.

O futebol era jogado pelos Pretos.

Tinda (foto), José Nivaldo dos Santos, era um meia-esquerda rápido e inteligente. Filho de Raimundo Preto, o zelador do antigo Etelvino Mendonça, e Dona Zefinha. O Tabuleiro dos Caboclos era uma comunidade muito pobre.

A única família que possuía um rádio era a de Mané Padeiro, berço de vários jogadores de futebol: além de Lima, citado acima, Lafayete, Beto, Nado e Manoelito. O grande zagueiro Zé de Chico, do Itabaiana, é casado com uma filha de Mané Padeiro.

Quando Tinda nasceu (08/02/1952), o pai trabalhava num órgão de fomento agrícola (Fazenda Grande), e tomou como padrinho para o filho, o Dr. Cansanção, engenheiro-agrônomo e chefe da repartição.

O Dr. Cansanção deu ao novo afilhado, Tinda, uma cabra parida. Garantiu o leite da criança, por um bom tempo. Tinda é de uma família de 13 irmãos, não frequentou a escola. Aprendeu a arte de sapateiro. Ainda fabrica sandálias de couro, para completar a renda da aposentadoria.

No Tabuleiro dos Caboclos, os Pretos eram quase todos parentes. Seu Raimundo, o pai de Tinda, era irmão de Divo, um preto de porte atlético, zagueiro do Itabaiana; irmão de Seu Deca, pai de Zé de Vitinha, ponta esquerda de rara habilidade; de Dona Preta, mãe de Nado Preto e Tica, dois craques; de Tonho de Zeferino e de Seu Rufino, um pataqueiro que limpava mil covas por dia.

Outros Pretos se destacaram no futebol itabaianense: Tonho e Zé de Preta, filho do finado João Babão; Cosme e Damião, gêmeos, filhos de João Barraca, Augusto e Elisio, filhos do bodegueiro Zé Mapinguim; Turinha, sobrinho de Osano, Pai de Santo. Sem contar os Pretos importados de Maruim: Pierrô, Bonito e Seu Jorge (goleiro).

Os pretos também se destacaram na música. O maestro Antonio Silva foi uma grande estrela. Maestro da Filarmônica e compositor. Pai do Professor Airton (Órion), de Nilo Base, alfaiate e jogador de futebol, e de Seu Bebé dos Passarinhos.

Sobre Nilo Base no futebol, Antonio de Dóci deu uma definição inusitada: “Nilo corria bem, chutava forte, cabeceava com força, sabia driblar, mas não era um bom jogador.” Como assim, eu perguntei. Seu Antonio foi sucinto: “Ele fazia tudo isso na hora errada.”

Hoje, o Bairro São Cristóvão não tem mais nem paneleiros, nem jogadores de futebol. A última artesã do barro é Nega, que mora no Povoado Cajueiro, onde mantém um Terreiro de Umbanda.

Acho que essa visão que em Itabaiana não tem Pretos é falsa. Todos citados acima, com quem convivi, são Pretos, ou quase Pretos, como diz Caetano Veloso. Foram eles que praticavam o futebol e faziam panelas em Itabaiana.

Observação: esqueci de muitos Pretos. Eu fiz dupla de ataque no Cantagalo, com Tinda (foto). Ele um craque, eu esforçado.

Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

ITABAIANA - 350 ANOS. FIOTE DA CASTANHA.

Itabaiana – 350 anos. Fiote da Castanha.
(por Antonio Samarone)

Everton Souza Nascimento (Fiote da Castanha), nasceu 09 de julho de 1977, no Povoado Estreito, vizinho ao Polígono da Castanha (Carrilho, Dendezeiro e Tabocas), ao Mundo Novo e ao Dunga, em Itabaiana.

Antes da castanha, era uma região de feirantes livres e pataqueiros pobres.

Fiote da Castanha é filho de Elionaldo Nascimento, conhecido por Leão, motorista de caminhão. A mãe, é Dona Décia Souza. Uma família de 4 irmãos (Everton, Elisângela, Elionaldo e Josefa).

Fiote, demorou pouco na escola, era preciso ganhar a vida. Aos 12 anos, já vendia verduras nas feiras, com um cesto na cintura. Apreendeu cedo a vender, cativar o cliente, tornar o que está vendendo uma necessidade. Sempre de bom humor.

O comércio de Itabaiana cresceu, pela alma empreendedora do seu povo. Fiote é um bom exemplo: ganha a vida pelo trabalho, pelo dom de ser bom comerciante. Logo cedo, Fiote começou a levar a castanha assada de Itabaiana, para o resto do Brasil. Foi um desbravador da venda da castanha assada em Salvador e no Rio de Janeiro.

Até hoje, Fiote vende castanha. Não viaja mais, como faz uma legião de itabaianenses, que percorrem o Brasil com um saco de castanha nos braços, vendendo e divulgando Itabaiana. São mais de 500.

Fiote da Castanha casou cedo, aos 19 anos, com Dona Giselma, com quem teve três filhos: Davi, Sara e Natã. Isso mesmo, o Natãzinho Lima, sucesso nacional da música brega. Fiote está em num segundo casamento, com a aracajuana Fernanda.

A vida de Fiote foi a de um itabaianense médio, voltada para ganhar dinheiro, e gastar em farras. Festeiro, torcedor do Tremendão da Serra e do Flamengo. Fiote seguia a sua rotina anônima, até aparecer um filho famoso. Ficou conhecido, por conta desse filho famoso e rico.

Fiote tem uma personalidade forte e uma autoestima dos itabaianenses, bairrista até o pescoço. Sabe o que quer, respeita as raízes e as velhas amizades. Nunca será apenas o Pai de Natãzinho.

Como surgiu uma estrela da musica popular, saindo de uma família de trabalhadores, sem raízes musicais. Se foi herança, foi um gene muito recessivo. Quando menino, Natãzinho queria ser caminhoneiro, seguir o destino do Avô, Seu Leão.

Ele nunca perdeu a tradicional carreata de caminhões de brinquedo, que ocorre em Itabaiana, como parte da festa dos caminhoneiros, em junho.

Certa feita, Natãzinho, aos 14 anos, foi com o irmão Davi, fazer um bico de garçom numa festa particular, no Povoado Maitapam. A festa era animada por um conjunto musical, da região. Sem maiores pretensões, Natãzinho desafiou o irmão: “quer apostar que se deixarem, eu vou ao palco e canto uma música?” Apostaram e ele ganhou. Cantou tão bem, que o povo da festa começou a pedir bis.

Natãzinho ganhou animação e passou a cantar em tudo que era lugar, festas, barzinhos. Os amigos, Maicon, do Batata Frita; Adinaldo, do Posto Esquina e Garrafinha, entre outros, patrocinaram a gravação de um CD. Ele mandou o CD, para o produtor Charles e para o empresário Genílton. Eles não gostaram!

Natãzinho inventou um show chamado “de bar, em bar”. O de bar, em bar, número 4, foi na Marianga, um bairro popular de Itabaiana, onde vivia a sua família. A festa estourou, foi um grande sucesso. O sucesso de outro show na Barragem do Campo do Brito, estourou nas redes sociais.

Daí, ele se profissionaliza, cria a sua banda, faz amizades com os cantores famosos no estilo dele, com destaque para a parceria com Safadão. Aos 22 anos, Natâzinho saí da venda de castanha, ajudando ao pai, para sucesso nacional. Hoje, reside em São Paulo.

Não é fácil sair de Itabaiana, de família de trabalhadores, sem padrinhos, chegar a fama. Não é à toa que os vencedores são poucos. Até agora, a fama e a riqueza, não quebraram as raízes de Natâzinho.

Ele incorporou em sua música, o espirito de caminhoneiro do seu avô, Seu Leão; o empreendedorismo e o bom humor do pai (Fiote da Castanha); e a alma do povo de Itabaiana (fio do canso) e o bairrismo do Mestre Orpilio.

Ainda é cedo, mas até agora, a humildade de quem conhece e ama as origens, continua espelhada na testa. Não deixe o sucesso sombrear a sua humildade.

No último “de bar, em bar”, que ele fez em Itabaiana, em praça público, eu fiquei de longe, observando. As pessoas passavam aos lotes, apressadas, era um dia de semana, todas comemorando o seu sucesso, como uma vitória coletiva da cidade, como um título do Tricolor.

Perguntei a seu pai, Fiote da Castanha, quais os motivos do sucesso do filho, além da voz afinada e da sorte. Ele foi certeiro: “o povo de Itabaiana abraçou Natãzinho desde cedo.” Eu comecei a entender...

A minha praia musical é outra, gosto de outros estilos, mas não posso esconder: o seu sucesso, a sua humildade, a sua ligação com as raízes itabaianenses e com os caminhoneiros, me envaidecem.

Fiote da Castanha soube criar os filhos!

Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

sábado, 29 de março de 2025

ITABAIANA - 350 ANOS. MEU PÉ DE LARANJA LIMA

Itabaiana – 350 anos. Meu Pé de Laranja Lima.
(por Antonio Samarone)

O mundo está aquecendo. O Prefeito Valmir decidiu: Itabaiana vai plantar árvores!

Reunimos (foto) o secretário do meio ambiente, Vinicius Moura; o da agricultura, Erotildes de Jesus; a agrônoma Susi Alves e o técnico em agronegócios Breno Veríssimo, para tratarmos do assunto.

Primeira constatação: não é fácil arborizar! Desmatamos por 400 anos, para fazer roça e criar gado. Itabaiana veio morar na cidade a duas gerações. Temos as raízes rurais. A cidade a base de cimento, aço, blindex e asfalto é vista como um progresso, encanta muita gente.

Nunca nos afeiçoamos as plantas. Temos animais de estimação, raramente adotamos uma planta. As árvores nunca foram chamadas pelos nomes próprios. São genericamente pés-de-pau. É fácil derrubá-las, sem nenhum peso na consciência. As folhas caídas são consideradas sujeiras.

Na infância, eu me emocionei com o Pé de Laranja Lima, do romance de José Mauro de Vasconcellos. Na prática, recordo-me do Pé de Jaboticaba que levava o nome de mamãe, em um sítio nas Flechas. O meu avô era estranho, batizava as frutíferas com os nomes das filhas.

Sem uma mudança na relação das pessoas com o meio ambiente, não adianta contratar uma empresa para plantar árvores. Plantar ainda planta, mas não viceja. Sem o cuidado e o carinho do poder público e da sociedade, a muda não cresce, não chega ao seu destino.

Basta o exemplo do Aracaju. Os canteiros centrais das avenidas são cemitérios de mudas. O índice de aproveitamento não chega a vinte por cento. Sem os manguezais, Aracaju seria um deserto. Desmataram até o Parque da Sementeira.

Itabaiana não fica atrás, a cobertura vegetal é muito baixa. Em minha infância, cada quintal tinha as suas fruteiras. O meu, tinha um frondoso jenipapeiro. Hoje, o que restou dos quintais foram cimentados.

A segunda constatação: a arborização é um trabalho de parceria da prefeitura com as escolas, as agências ambientais, as universidades, as empresas, a imprensa, as igrejas, sindicatos, ambientalistas e as pessoas de boa vontade. Sem uma união consciente, a realidade ambiental não muda.

Vamos buscar parceria com os alunos de educação ambiental da UFS. E com quem estiver disposto a ajudar. Sem medo das dificuldades, vamos criar uma Itabaiana mais verde. Vamos em busca de aliados, para elevar a qualidade de vida.

A arborização não pode ficar limitada a Zona Urbana. Em Itabaiana, muita gente que cresce economicamente, volta ao campo, construindo chácaras faraônicas, belas casas e piscinas com cascata. Geralmente, cortam as árvores que existiam.

Vamos plantar as árvores que nos tocam. Sem preconceitos. As craibeiras do sertão são bem-vindas. Os ipês-amarelos do pé da Serra. Canafístulas, pau-brasil, juazeiros, quixabeiras, dendezeiros, moringas, mangueiras e jaqueiras.

Eu quero um pé de pitomba, igual ao da minha infância, no Canto Escuro, ao lado da casa de Dona Gemelice.

A arborização segue as raízes culturais de cada comunidade. Por isso, fui convidado para a reunião.

Antonio Samarone – Secretário da Cultura de Itabaiana.
 

terça-feira, 25 de março de 2025

ITABAIANA - 350 ANOS. O FOTÓGRAFO COBERTURA.

Itabaiana – 350 anos. O fotógrafo Cobertura.
(por Antonio Samarone)

Jurandir Rosa de Jesus (Cobertura), 70 anos, paciente de Lair Ribeiro, natural de Maruim, nasceu em 11 de janeiro de 1956. Veio para Itabaiana em 26 de agosto de 1985, um sábado à tarde, para assistir a uma partida do Maruinense contra o Itabaiana. Ficou na casa de Dona Maria São Pedro.

Cobertura ficou encantado com Itabaiana: tinha o Tik-Tok de Adilson e João Patola; o Le Romantique de Gud-Gud e a Lanchoteca de Zé de Quinquim. Era muita modernidade. A cidade não dormia.

Cobertura, não pensou duas vezes, arrumou as malas e se transferiu para Itabaiana. Trouxe a esposa, Dona Nailza. Hoje, possui três filhos e três netos.

Em Maruim, Jurandir era empregado da Fábrica de Tecido Maísa, de Constâncio Vieira. Em Itabaiana, virou autônomo, tornou-se fotógrafo, fez amizades, melhorou a qualidade de vida. Somou-se a Romeu, Juracy, Dona Helena, e os crentes João e Miguel. Uma profissão estabelecida.

Cobertura fez a escolha certa, Itabaiana foi o berço da fotografia em Sergipe. Nunca lhe faltaram serviços: batizados, casamentos, festas e folguedos. Fotografou até enterros.

Itabaiana deve aos fotógrafos parte da sua memória. Miguel Teixeira, Joãozinho Retratista, Percílio Andrade, Paulinho de Doci, entre outros, deixaram fotos icônicas da cidade serrana. Hoje, já foram até animadas, passaram a se movimentar, sorrir e falar.

A entrada da Era Digital deu um susto nos fotógrafos, mestres na revelação perderam a relevância. E agora, com os iPhones clicando sozinhos, com a praga das selfies, todos se autofotografando, os fotógrafos profissionais perderam o mercado.

Os telefones fazem as fotos sozinhos e a inteligência artificial controla a luz e o enquadramento. O “DeepSeek”, IA chinesa, atende ao comando de voz. Aparece nas fotos até quem já morreu.

Basta ordenar: eu quero uma foto do meu aniversário, com todos felizes e sorridentes. Ao fundo, quero os meus avós, que faleceram há décadas. Basta ligar o iPhone, botá-lo apontando para a cena e sair de perto. As fotos sairão no Instagram, em segundos.

Uma luta perdida, a dos fotógrafos. Em Itabaiana, restam três “studios”, para fotos três por quatro.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

domingo, 23 de março de 2025

ITABAIANA - 350 ANOS. DOLORES DURAN.

Itabaiana – 350 anos. Dolores Duran.
(por Antonio Samarone)

Para os mais novos, Dolores Duram foi uma estrela da música brasileira na década de 1950. Antes da bossa nova e da televisão. Adiléia Silva da Rocha, a Dolores, nasceu em 07 de junho de 1930, no subúrbio do Rio de Janeiro.

Dolores é filha de Dona Josepha da Silva Rocha, costureira, natural de Itabaiana. Aqui reside o meu interesse maior. Josepha nasceu em 1912. Ficou órfã muito cedo, foi morar com um tio, em um sítio, na Zona Rural. Uma vida sofrida, onde os espancamentos domiciliar eram frequentes.

Aos 12 anos, um primo mais velho, marinheiro, a levou para o Rio de Janeiro, numa longa e sofrida viagem. Antes dos paus-de-arara. Semianalfabeta, Dona Josepha foi ser costureira. Contudo, era uma mulher muito inteligente, repentista e cantora de voz suave. Josepha era boa de gogó, afinadíssima. Dolores tem a quem puxar.

Josepha da Silva Rocha, faleceu em 1999, aos 87 anos. Ouvi dizer que Josepha voltou à Itabaiana na década de 1980, visitar a sua terra natal. Estou tentando encontrar os seus parentes.

Dolores Duran, começou cedo na vida artística. Em 1941, aos onze anos, ganhou nota máxima no temido programa de Ary Barroso, interpretando “Vereda Tropical”, um bolero famoso de Gonzalo Curiel.

Dolores, a filha de Dona Josepha de Itabaiana, vida humilde, de formação autodidata, cantava em castelhano, francês e inglês, com uma pronúncia perfeita. Foi do tempo de grandes cantoras: Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Marlene, Linda Batista e Virginia Lane.

Dolores Duran foi amiga de Mário Lago e, através dele, se aproximou do socialismo. Excursionou pela União Soviética, em 1958.

Dolores Duran, mulata, pobre, pelo talento, em pouco tempo frequentava as rodas intelectuais e boemias do Rio de Janeiro. Apreendeu a tocar violão e tornou-se uma compositora de vanguarda. Festeira e namoradeira. Faleceu cedo, em 24 de outubro de 1959, aos 29 anos. Infartou, em decorrência de uma cardiopatia ocasionada pela sequela de uma febre reumática, mal curada.

O funeral da cantora, foi num domingo, as 15 horas, no Cemitério do Caju. Foi enterrada na quadra 55, sepultura 21.555. Como disse um cronista: uma legião de fãs e admiradores acompanharam o sepultamento.

Dona Josepha, a mãe, teve mais três filhos: Hilton, funcionário Público; Hilda, operária; e Irley, a mais nova, que chegou a cantar, com o pseudônimo de Denise Duran.

Dolores Duran foi registrada no cartório, apenas com o nome da mãe. O pai era um policial chamado Antonio Dias, que nunca assumiu. Dolores foi criada por Seu Armindo, pernambucano, e padrasto.

Essa é a história do povo brasileiro. De tantos anônimos, como diz João Bosco: são pais de santo, paus de arara, são passistas, são flagelados, são pingentes, balconistas, palhaços, marcianos, canibais, lírios pirados...

São tantas Josephas, Marias, Adiléias em busca de mostrarem os seus talentos. A tarefa da cultura é recuperar as memórias perdidas.

Dolores Duran, a filha de Dona Josepha de Itabaiana, encantou o mundo com o seu talento. Agora, vou esmiuçar as raízes de sua mãe, para fazer um registro mais completo.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quinta-feira, 20 de março de 2025

EM BUSCA DAS RAÍZES - POVOADO MATAPOÃ.

Em busca das raízes – Povoado Matapoã.
(por Antonio Samarone)

Ontem, dia de São José, visitei o povoado Matapoã, onde as minhas raízes se encontram. Cheguei na Capela reivindicando a minha patente de matiaponense raiz. As mulheres presentes na Capela, quiseram detalhes.

Encontrei um povoado fofo, carinhoso, cheio de vida. Não vi pobreza. Pequenos sítios, com casas confortáveis, plantando couve. Não sei os motivos, mas lá só se planta couve.

Não fizeram um arruado, com armazéns e bodegas. A Matapoã continua sítios. O único prédio público é uma Associação Comunitária. A escola fica em um povoado próximo e a Unidade de Saúde Djalma Lobo, fica às margens da BR – 235.

A Matapoã faz limites com os povoados Sambaíba, Cabeça do Russo, Tabuleiro do Chico, Vermelho e Gameleira. O tanque ao lado da Capela é o século XIX. A linda e bem cuidada Capela (foto), tem quase 80 anos.

As mulheres na Capela quiseram saber se o doutor Luiz Carlos Andrade, o engenheiro José Carlos Machado e Oviedo Teixeira eram do tronco da Matapoã. Eu confirmei. Aliás, dois filhos de Oviedo, Tarcísio e Luiz Teixeira, criaram uma Matapoã em Aracaju, onde hoje os ricos fizeram as suas casas de praia, às margens do Vaza Barris.

Contei o que sabia por ouvir dizer. Muitos dos nossos, foram morrer em Canudos. Mamãe contava estórias de Conselheiro com intimidade, como se o tivesse conhecido. O mais interessado foi o menino.

Na Capela, além das mulheres zeladoras, estavam um menino muito inteligente, cheio de curiosidades, e o competente Almir Andrade, implantando as poderosas antenas da Itabaiana FM, para retransmitir a festa de São José.

Em Itabaiana os povoados possem histórias e especificidades. A Matiapoam é a comunidade onde os traços dos índios matiaponenses são mais fortes. Se conhece se o sujeito é da Matapoã de longe, sem muito esforço: gordo, baixo, pescoço atarracado e batatas das pernas acentuadas. O modelo de Dom João VI.

O meu tataravô, João José de Oliveira, migrou para “Maitapam” (como o povo chamava), em meados do século XIX (1849). Foi parte das últimas levas de migrantes portugueses para o Brasil. João José, exímio ferreiro, chegando a São Cristóvão, quis saber onde a sua profissão era necessária. Instalou-se em Matapoã.

Um detalhe: o meu Avó,Totonho de Bernardino, possuía uma pequena imagem de São José, que ele dizia herdada de João José. Não sei se o santo tornou-se padroeiro da Matapoã, por conta dessa imagem.

Para manter a tradição, o meu sítio no Povoado São José dos Náufragos, na Curva do Rio, em Aracaju, chama-se Solar São José.

A presença dos Oliveiras no século XIX, na Matapoã, foi constatada pelo grande historiador Sebrão, o sobrinho: "os Oliveiras eram altos, atléticos e bonitos, destoando com os matiaponenses originais".

O ferreiro João José de Oliveira foi o Adão itabaianense. Criou uma prole de 10 filhos, quase todos ferreiros (alguns fogueteiros), onde o meu Bisavô, Bernardino José de Oliveira é um entre eles. Dessa família de artesões do fogo, chamados genericamente de ferreiros, descende a metade da Itabaiana original.

Disse no início do texto, que os povoados tinham bases culturais específicas. A Matapoã é tida com berço da intelectualidade itabaianense. Todos, são tidos e havidos como muito inteligentes. Pode até ser exagero, mas essa assertiva é senso comum.

Adorei a Matapoã, tive forte impressão que um sítio chamado de “Ranchinho São José”, foi do meu tataravô. Senti a presença dele, dos meus antepassados, a energia dos ferreiros, a sabedoria dos Oliveiras. Me senti voltando para casa.

Gente, quem souber e puder, tente voltar as origens. Sair rejuvenescido.

Antonio Samarone (ponte de rama dos Ferreiros da Matapoã)
 

segunda-feira, 17 de março de 2025

OS MILAGRES DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Os milagres da Inteligência artificial.
(por Antonio Samarone)

Doutor Godofredo Oliveira formou-se Muriaé e fez pós-graduação no exterior. Recentemente, montou o seu consultório no Shopping Center de uma grande cidade, no interior sergipano. A clientela está bobando. Hoje, só se consegue marcar uma consulta para o meio do ano.

Na antessala do doutor Godofredo, tem uma placa em acrílico, iluminada com raios laser, taxando: especialista em clínica geral, tisiologia e neuropsiquiatria, com doutorado em neurociência, pela Universidade Simon Bolívar, na Venezuela.

Qual o segredo de tanto sucesso? O doutor usa um aplicativo de “Inteligência artificial”, made in China. Na entrada, o paciente digita o nome, a data de nascimento, filiação e uma poderosa máquina coleta uma gota de sangue da língua do padecente. O sangue só serve da língua. (não sei explicar)

Depois do pagamento da consulta, passa-se o código de barras do próprio recibo, e a máquina de IA, imprime o diagnóstico, apontando os possíveis tratamentos. Caso o padecente deseje continuar o procedimento, paga-se a taxa de tratamento. A cura é imediata, muitas vezes no mesmo dia.

A própria Inteligência artificial comanda uma impressora 4D, que produz os medicamentos indicados, em doses personalizadas.

Para não ser acusada de estar exercendo a medicina com a farmacologia, que o vigilante CFM não permite, a Botica pertence à esposa do Dr. Godofredo, e fica em prédio separado. Lá, paga-se mais barato que nas redes nacionais de farmácias.

Recentemente, a reversão de um caso de Alzheimer numa paciente com 82 anos, já desenganada, surpreendeu até os médicos chineses. Os cientistas que produziram a máquina de IA não previram esse desempenho.

Depois de muitos estudos, descobriu-se que a máquina de IA do consultório do Dr. Godofredo, desenvolveu a capacidade de se reinventar e aprendeu sozinha muita coisa nova.

A máquina de IA do Dr. Godofredo, virou a galinha dos ovos de ouro da fábula. A máquina passou a ter vida própria, ninguém pode prever os limites.

O doutor Godofredo resolveu, por conta e risco, implantar chips de inteligência artificial em interessados, que possam pagar uma mensalidade extorsiva, para acompanhá-los on-line. A saúde do dia-a-dia, on-line, na tela do iPhone. Esses chips são produzidos em Taiwan. Trump já os tachou em 30%.

Se o sujeito for ter uma caganeira daqui a 15 dias, os chips de IA já emitem o alerta: 90% de possibilidades de diarreia purulenta em 15 dias. O pior, acerta!

Os pacientes só veem o Dr. Godofredo, no final, para um chá ou cafezinho virtuais. Mesmo assim não é um contato pessoal. O doutor Godofredo mesmo, em carne e osso, suspeita-se que nem exista.

O doutor Godofredo é uma manifestação da física quântica. Uma espécie do Dr. Adolph Fritz, médico alemão da Segunda Guerra, que incorporava no médium mineiro Zé Arigó.

A suspeita é que próprio Dr. Godofredo Oliveira seja um médico virtual, uma incorporação da Inteligência Artificial.

Só a IA salva!

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

sábado, 15 de março de 2025

ARACAJU, UMA CAPITAL ACOLHEDORA

Aracaju – uma Capital acolhedora.
(por Antonio Samarone)

Aracaju sempre recebeu carinhosamente a todos. As minhas primeiras visitas foram em busca dos serviços de Saúde: retirar um caroço no peito que sangrava, no Hospital de Cirurgia; e receber a vacina de poliomielite, aos sete anos.

Depois, vinha ocasionalmente. Durante os jogos da primavera, por exemplo. Lembro-me que tinha vergonha de entrar nas lojas, achava tudo muito grande. Eu era um tabaréu assumido.

Durante o vestibular, fiquei numa pousada, na subida da ladeira da Rua São Cristóvão. Já universitário, residi na República Cebolinha, uma casa da UFS, na Rua de Maruim, 488, para estudantes carentes, que não tinham onde ficar. Não existia restaurante universitário, a Universidade dava uma ajuda de custo para manter a Residência.

Na Universidade me tornei um cidadão politizado, pela via do Movimento Estudantil. Fiz amizades, ampliei os horizontes, já me sentia em casa. Aracaju foi numa mãe. O meu lazer era na Atalaia Nova, na casa do revolucionário Ivan do Cachimbo, um comunista inveterado.

A militância política me abriu as portas da cidade. Passei a frequentar os bares dos intelectuais, esquerdistas e bichos grilos. Fui professor no Arquidiocesano. O Padre sabia do meu comunismo, mas me acolheu. Sem esse trabalho não teria como me manter em Aracaju.

No Arquidiocesano fiz amizades com alunos e professores. Conheci muita gente, que adoro até hoje. As relações sociais em Itabaiana são muito competitivas. Em Aracaju, as relações são mais leves.

O meu compadre Matheus, também vermelho, me levou à periferia. Conheci Aracaju de cabo a rabo. Uma cidade pacifica, fofa, sorridente. Depois, me deram dois mandatos de vereador. Fiz o que pude. Entrei e sair limpo da política.

Em Aracaju encontrei Betania e me casei. Um amor que dura. Encontrei os comunas não praticantes, onde fiz muitos amigos. Éramos uma confraria dos justos. Passei pelo PT, desde os tempos da Rua de Siriri. Os médicos me acolheram em sua Academia.

Fui professor de Saúde Pública da UFS, crente que daria a minha contribuição para a humanização da medicina. Fui derrotado, a medicina seguiu as leis do mercado. Sempre remei contra a maré, crente nas ideias.

Moro na Praia do Robalo, Condado do Mosqueiro, na Grande Aracaju. Vou diariamente à Itabaiana, onde estou Secretário de Cultura. Gosto da ida e da volta, pois adoro as das duas cidades. Santo Antonio é padroeiro das duas.

Parabéns, Aracaju, pelos 170 anos.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

sexta-feira, 14 de março de 2025

A REBELDIA DE MONTALVÃO

A Rebeldia de Montalvão.
(por Antonio Samarone).

O jurista e publicitário barra-coqueirense José Carlos Góes Montalvão, me questionou inconformado: “se a principal razão para a transferência da capital foi colocá-la na Barra do Cotinguiba, por sua posição topográfica, por que não levaram a Capital para o povoado da Barra dos Coqueiros, à época mais desenvolvido?”

A capital em São Cristóvão, às margens do Rio Paramopama, não atendia as necessidades. (que João Bebe Água não nos escute).

Continuou Montalvão: “Se a Alfandega, a Mesa de Renda e o Consulado Geral da Província estavam no povoado da Barra dos Coqueiros, por que trouxeram a Capital para o outro lado, para as praias desertas do Aracaju?

Enfim, 170 depois, a Barra dos Coqueiros reage. Montalvão quer explicações.

Passei o dia procurando uma resposta. Perguntei a vários historiadores e ouvi explicações desencontradas. Fui ler as justificativas do projeto enviado à Assembleia Provincial, propondo a mudança da Capital.

Montalvão, o projeto defendia que fosse no lado do Aracaju, “porque tinha boas águas, é era muito salubre e ventilado, e tinha aos fundos, o fértil município de Socorro.” Eita, tudo falso: Aracaju era insalubre, um calor dos infernos e as águas eram salobras.

O projeto descartava o povoado da Barra dos Coqueiros por possuir um clima ardentíssimo, falta de água e ter aos fundos o município de Santo Amaro, estéril e decadente.

Espero que Montalvão se conforme e acabe com essa birra. Aliás, João Alves já fez uma ponte estaiada e Mitidieri já anunciou outra ponte, em pouco tempo.

Montalvão é simãodiense, mas foi adotado e se apaixonou pela Barra dos Coqueiros.

Calma irmão, os terrenos do Barão ficavam do lado de cá. A primeira rua, atual calçadão da João Pessoa, chamava-se Rua do Barão.

Viva os 170 anos do Aracaju. “Eu gosto do Aracaju e adoro Itabaiana”, parodiando Jorge de Altinho.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

ARACAJU, 170 ANOS. AS SOBRAS DOS MANGUEZAIS.

Aracaju, 170 anos. As sobras dos manguezais.
(por Antonio Samarone)

Aracaju foi construída sobre aterros embelezados de charcos, canais, riachos, brejos e manguezais. A Saúde Pública temia os miasmas: as sezões, as febres intermitentes, a bexiga e a cholera morbus. Entretanto, Aracaju sobreviveu e chega aos 170 anos.

O futuro do Aracaju depende de uma mudança de rumos, na direção de um desenvolvimento sustentável. Resta pouco território e não podemos errar. A chamada área expansão é ambientalmente frágil.

Vou limitar-me a bacia do Vasa Barris, mais especificamente ao pouco conhecido Rio Santa Maria (foto). O Rio Vaza Barris é o que banha a Canudos de Conselheiro. Tem história, o que daria consistência ao turismo.

O Rio Santa Maria nasce nas matas do Caípe Velho, é um afluente da margem esquerda Vaza Barris. Já foi o principal caminho para o transporte do coco entre o Condado do Mosqueiro e Aracaju.

Entre 1840-44, o rio Santa Maria recebeu uma obra de engenharia de grande porte. Foi aberto um canal até o rio Poxim, possibilitando a comunicação direta entre as embarcações que transitavam pelo Vaza-Barris e o Sergipe, sem ter o grande inconveniente de navegar pelas duas perigosas barras.

O coco chegava ao mercado central do Aracaju, através do Canal de Santa Maria.

O Canal de Santa Maria recebeu melhoramentos em 1932, tornando-se uma via navegável para as embarcações da época. As canoas eram empurradas por grandes varas, deixando uma marca no tórax dos canoeiros. Uma deformação ocupacional.

O atual e promissores complexos habitacionais Santa Maria e 17 de março, a antiga Terra Dura, foi a resultante de ocupações desordenadas e precárias, por pessoas carentes em busca de moradia e da iniciativa pública construindo conjuntos habitacionais. Lembro-me das ocupações mais importantes: as do arrozal, morro do avião, uma parte do loteamento Marivan, Prainha, gasoduto.

Contudo, a mais grave, do ponto de vista ambiental, foi a ocupação do trecho do canal Santa Maria (Terra Dura), que permitia a ligação fluvial entre os Rios Vaza Barris e Sergipe. Hoje, seria uma fabulosa rota turística.

O canal foi aterrado e ocupado por pessoas carentes e aproveitadores durante o Governo Valadares. Hoje resta um “córrego”. Durante esse mesmo governo, foi construído na Terra Dura, um conjunto habitacional que levou o seu nome.

Atualmente, a parte navegável do Rio Santa Maria chega até a chamada curva do Rio, no Bairro São José dos Náufragos, onde está se implantando um empreendimento imobiliário de mil lotes. Não sei até quando a natureza resiste.

Com as mudanças das denominações das localidades da Zona de Expansão para “bairros”, cresceu a expectativa de uma invasão da especulação imobiliária, pondo abaixo o que resta de restingas e manguezais. Deus nos proteja!

Não sou contra o desenvolvimento do Aracaju, pelo contrário, desde que seja um crescimento sustentável. É só impor regras civilizadas. Basta espirito público dos gestores.

Eu desconheço a política ambiental da Prefeita Emília. Há meio século, a gestão urbana do Aracaju esteve sob a tutela da indústria da construção civil. Espero, ingenuamente, que a Prefeitura do Aracaju cuide da questão ambiental e só permita uma ocupação sustentável, dessas áreas na Zona de Expansão.

É o futuro da qualidade de vida do Aracaju.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

quarta-feira, 12 de março de 2025

ITABAIANA, 350 ANOS. ZEQUINHA DA CENOURA

Itabaiana – 350 anos. Zequinha da Cenoura
(por Antonio Samarone)

Na segunda metade do século XX, Itabaiana tornou-se uma economia comercial, polo de abastecimento de Sergipe. Os serviços de transporte (caminhão) e o comércio foram as locomotivas do desenvolvimento.

A mudança na economia refletiu na vida das pessoas. Zequinha é um bom exemplo. Viveu as duas fases. Na zona rural até os 13 anos, cuidando do gado da família; e depois, na cidade, de onde veio para ser um bem-sucedido comerciante.

Até a década de 1960, a Itabaiana rural vivia nos sítios. Os mais abastados, possuíam uma casa de rancho na cidade, para as festas religiosas, datas especiais e as feiras.

Hoje, se vive na cidade.

Volta-se a zona rural com as chácaras recém-construídas, para as celebrações e descansos. A chácara é uma demonstração de sucesso, a “casa de praia”, de quem vive nas montanhas. A troca da economia rural pelo comércio elevou a qualidade de vida dos itabaianenses.

A revolução urbana em Itabaiana, com os modernos condomínios, foi acompanhada de uma modificação da vida rural: com as chácaras dos ricos e remediados e a urbanização dos povoados, com luz, água encanada, saneamento, estradas, pavimentação, praças, escolas e unidades de saúde.


José Paes Santos (Zequinha da Cenoura), nasceu no Pé do Veado, em 12 de agosto de 1974. Filho de Zé de Branquinha da Farinha e Dona Terezinha, numa família de seis irmãos: Antonio, João, Gilson, Genilson, Carminha e Maria José.

Gente do Pé do Veado. O pai de Zequinha possuía um bom sítio e vendia farinha nas feiras de Itabaiana e Ribeirópolis. Era a Itabaiana rural, o celeiro de Sergipe, vivendo da agricultura. A mãe, Dona Terezinha, de tradicional família camponesa, é filha de Joãozinho de Venancio e irmã de Francisquinho dos Porcos.

Zequinha estudou as primeiras letras com a professora Zefinha de Pedro de Severo, no Pé do Veado. Eu sou do tempo do Professor Zé de Bila. Depois, já na cidade, Zequinha foi aluno de Dona Magnólia, no Grupo Escolar Airton Teles.

Aos 16 anos, Zequinha já estava envolvido no comércio, ajudando ao irmão. Montou a sua banca de verdura, nas feiras de Propriá e Areia Branca. Aquelas bancas cheias de verde que enfeitam as feiras de Sergipe, são todas de Itabaiana. No grande negócio dos hortifrutigranjeiros, o varejo começa na banca de verdura.

Zequinha fez de tudo. Hoje, lidera a venda de cenouras no estado. Vende e produz. O negócio das verduras em Sergipe, passa tudo por Itabaiana. Cresceu tanto, que houve uma especialização. É fulano disso, sicrano daquilo. Ninguém abarca tudo. As cenouras são produzidas na região de Irecê, na Bahia. Isso mesmo, Irecê que já foi um grande produtor de feijão.

Ele não se chama Zequinha da Cenoura à toa. Nesse campo, ele é o Rei. São cinco caminhões de cenoura e beterraba por semana. Itabaiana comanda o comércio de hortifrutigranjeiros. Produz as folhagens nos perímetros irrigados e distribui os demais, mesmo as cebolas. Hoje, até a farinha de Itabaiana é produzida nos municípios vizinhos.

Itabaiana domina a distribuição dos hortifrutigranjeiros em Sergipe, são 70 grandes comerciantes, organizados na ACHI. O Estado construiu (fevereiro de 2021) um CEASA inadequado. Um CEASA para pequenos verdureiros, para a venda no varejo, com boxes minúsculos. Itabaiana precisa de uma Central de Distribuição em grande escala.

Por questões políticas, o CEASA de Itabaiana nunca foi repassado para a administração municipal, nem para a autogestão dos comerciantes. Já foi até de local de festas, “um forrodromo”, mas nunca cumpriu a sua finalidade.

Não pensem que Zequinha só vive para trabalhar. Tem bom gosto, a sua casa de praia é em Pão de Açúcar, na beira do São Francisco. Onde, nas folgas, ele aproveita a vida com uma geladinha, regada a tira gosto de pitu. Era ele me contando e eu enchendo a boca d´´água. Zequinha é um “bon-vivant”.

Se derem o direito de escolher o que trazer para Itabaiana, o mar do Aracaju ou o Rio São Francisco, não teria dúvidas, o Velho Chico.

E a política? Zequinha é o vice Prefeito de Itabaiana, com grande chance de virar Prefeito. Perguntei como ele pensava. Se tinha ambição de passar para política. Ele foi direto: o chefe político é Valmir e eu sigo as suas orientações. Sem ambições, sem risco de ser mordido pela mosca azul.

Mais uma vez, Valmir fez a escolha certa.

Zequinha é uma pessoa realizada economicamente. Relaxado, de bom humor, sem traumas, ressentimentos, grato a Deus pela vida que leva. Não sonha em ser o dono do mundo, de possuir mais do que o que já possui.

Zequinha é pai de três filhos, em dois casamentos. O primeiro com Maria e o atual com Adenilza.

No final da conversa fiz uma pergunta inoportuna: se ele tinha medo da morte. A resposta foi ótima: “Samarone, eu tenho mais medo de quebrar do que de morrer”. Senti a expressão viva da alma itabaianense, onde “quebrar” é uma derrota imperdoável!

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

terça-feira, 11 de março de 2025

É TEMPO DE CELEBRAR

É Tempo de Celebrar.
(por Antonio Samarone)

Onze de março é para mim uma grande efeméride: o aniversário de Maria Betania, a mulher que eu amo.

Não é fácil falar do amor, sem recorrer às frases feitas ou a subjetividade poética. O amor que eu sinto é um sentimento alimentado pelo tempo, pela convivência, pela cumplicidade e pelo dia a dia. Plagiando o poeta, é um amor forte e seguro!

Com diz o sacramento católico: “um amor na alegria e na tristeza”!

Desconfio que fui premiado com a companhia de Betânia, por méritos passados, de outras gerações. Já reencarnei com os créditos. “São as águas de março fechando o verão/ É a promessa de vida no meu coração.”

Parabéns, Betânia, vamos juntos ao centenário.

Antonio Samarone.
 

quarta-feira, 5 de março de 2025

MEMENTO MORI

Memento mori
(por Antonio Samarone)

Amanheci na Igreja dos Capuchinhos, no Bairro América, para submeter-me a imposição das cinzas. Talvez o mais humano dos rituais cristãos. Um cego procurando a luz na imensidão do Cosmo.

Aceitar a imposição das cinzas é um reconhecimento da fragilidade da condição humana. Um ritual do cristianismo primitivo.

A única verdade absoluta: “Tu és pó e ao pó retornarás.” Crentes e ateus submetem-se a esse destino. É um sinal de penitência, arrependimento e conversão.

Na Roma antiga, quando um general vencia uma batalha, percorria a cidade em triunfo, saudado pelos cidadãos e acompanhado de um escravo que sussurrava em seu ouvido uma expressão em latim: “memento mori”, Lembra-te de que morrerás.

O ateu materialista, puro-sangue, deu lugar ao agnóstico, ao cético. Hoje, luta é pelo ré encantamento do mundo. A fronteira entre o crente e o descrente estreitou-se.

O Frade capuchinho, para minha surpresa, não falou da morte. Nem da condição humana. Disse que era a entrada da quaresma e mudou de toada. Pregou sobre a vida! Glorificou o lema da Campanha da Fraternidade: “Ecologia Integral – Deus viu que tudo era muito bom”. Igreja sai em defesa do planeta.

A teologia da libertação voltou, pela via ambiental. Enquanto o César americano, cheio de soberba, prega o avanço sobre a terra, a exploração sem limites dos combustíveis fósseis. Nega a crise climática! Rompe com o acordo de Paris. A Igreja do Papa Francisco clama em defesa da natureza.

“Estou corajoso para falar ao meu Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18, 27).

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana)
 

domingo, 2 de março de 2025

O CARNAVAL DO DESCANSO

O Carnaval do Descanso.
(por Antonio Samarone).

O domingo de carnaval em Aracaju, amanheceu em silêncio. O reinado de Momo é tempo de descanso. Por aqui, quem gosta de folia já viajou. O carnaval é comer, beber e descansar.

Culturalmente, Aracaju é uma cidade neutra. Sem uma marca cultural. Sem manifestações originais. Procurei saber as opções para o carnaval e são oferecidos passeios (Orla Por do Sol, Croa do Goré, Museu da Gente Sergipana, Orla da Atalaia e a Passarela dos Caranguejos).

Não estou me queixando, nada pessoal. Estou falando do carnaval que vejo no Aracaju. Por mim, passaria o carnaval em trilhas ambientais, fazendo ecoturismo. Adoro esses passeios no Vaza Barris.

Em Aracaju nada de blocos, desfiles, carnaval de rua. Nem os antigos bailes de carnaval em clubes. Sim, eu sei, tem o rasgadinho. Existem manifestações isoladas de foliões insistentes. Aqui, ali e acolá.

As festas em Aracaju são plágios da Bahia. Não do tropicalismo, da boa música baiana; plagiamos a raiz mercadológica do axé. As festas são organizadas, via de regra, pelo Poder Público, em busca de legitimidade entre os jovens.

Aracaju, culturalmente, produz e consome o que vem de fora. A nossa principal TV aberta está transmitindo o circuito Barra/Ondina. A política cultural em Sergipe é ditada pelos empresários da cultura. Vai do folclorismo ao provincialismo.

A Prefeita Emília, Leoa de Judá, poderia aproveitar a tranquilidade carnavalesca de Aracaju, para promover o turismo de descanso, para quem não gosta do furdunço. Tenho certeza que seria um destino muito procurado.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

sábado, 1 de março de 2025

GENIOS ESQUECIDOS - ITABAIANA, 350 ANOS.

Gênios esquecidos – Itabaiana, 350 anos.
(por Antonio Samarone)

O sucesso musical não depende só do talento. Nas décadas de 1970/80, a centenária filarmônica de Itabaiana hibernava, sob o comando do maestro Antonio Melo: um exímio saxofonista, portador de impaciência crônica.

Vindo de Riachão dos Dantas, chegou em Itabaiana o Camarada João de Matos, operário, marceneiro, uma divindade da música.

Como o mundo não para. A diretora do Colégio Murilo Braga, Maria Pereira, recebeu um estoque de instrumentos musicais, com a tarefa de criar uma banda marcial.

Faltavam os músicos. Dona Maria Pereira contratou o maestro João de Matos para formá-los. O que ninguém sabia: o maestro, um carpinteiro comunista, vindo do Riachão dos Dantas, era um excepcional professor de música.

Com a missão de organizar a banda do Colégio, João de Matos formou uma geração de músicos, uma safra talentosa, que depois, sob o comando de Valtênio, retomaram a velha Filarmônica e outros saíram pelo Brasil fazendo sucesso.

Das aulas do comunista João de Matos, despontaram:

Wellington Mendes (professor de música na Bahia); Zé Aroldo (saxofonista e professor do Conservatório); Valtênio (trompete, maestro da filarmônica); Gustavo de Bobó; Jorge Pi, compositor de sucesso; Roberto Wagner, sobrinho de Dr. Millet (trombone com vara, maestro da sinfônica de Goiás); Hipólito na Tuba; Gene, um virtuose no Pistom e Alexandre Abraham, um gênio no trompete, que morreu cedo.

Uma enxurrada de músicos talentosos, todos alunos do Maestro João de Matos. Devo ter esquecido alguns. Itabaiana é uma terra de músicos, há 280 anos, desde a criação da Filarmônica, pelo Padre Francisco da Silva Lobo.

O clarinetista Luiz Americano foi um nome nacional, nasceu na Rua do Canto Escuro, em Itabaiana, mas como nunca declarou. Ao contrário de Mestrinho e Natanzinho.

Gente, além de Natanzinho (arrocha) e Mestrinho (forró), a produção musical em Itabaiana é profunda. Lembrei-me de Melciades (contrabaixo), Luiz de Mané de Jason (guitarra) e Raimundo (violão), ouvidos absolutos, que honram Itabaiana. Não esquecemos o talento da poetisa e cantora Antônia Amorosa.

Entre os gênios discípulos de João de Matos, destaco Alexandre Abraham, filho de Maria Agda Menezes e do judeus, José Abraham. Um bisneto de Alexandre Fava Pura.

Dedé Cachaça vaticinava: esse menino vai longe, filho de judeus, neto de Josué do Vinagre e sobrinho de Anchieta, será um gênio. E foi!

Para quem não é de Itabaiana: Anchieta foi a maior inteligência da minha geração. Descobria o segredo de qualquer cofre, no escuro. Educado, fala mansa, mas disposto a tudo. Anchieta metia medo e inspirava respeito.

Segundo a jornalista Clara Angélica Porto, Alexandre Abraham era um menino lindo. Pele bem branquinha, olhos verdes azeitona, loirinho.

Sobre o gênio musical de Alexandre, escreveu Clara: “Viveu em staccatos noturnos, dias em semibreves e fermatas; bebia a lua e adormecia o sol na melodia; gorjeava como um pássaro com as cornetas de onde arrancava sons voadores em golpes de língua com maestria.”

O doutor Rômulo, filho do goleiro Lessa, poeta, médico e filosofo, me fez um relato esclarecedor: “Alexandre tornou-se profissional da música, com grande capacidade de improvisação, jazzista e, com Aroldo e Melciades, fundaram a banda "Excalibur", que tocava nas noites aracajuanas.”

Alexandre morreu em casa, no Pereira Lobo, sozinho, com quarenta e poucos anos. Morreu como Chet Baker, o grande trompetista americano. Alexandre está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas, em Itabaiana.

Minhas homenagens a esses itabaianenses, virtuoses da música, que encantaram e encantam a vida.

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).
 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

UMA LIGA É UMA LIGA.

Uma liga é uma liga.
(por Antonio Samarone)

Natã Lima Nascimento cresceu querendo ser caminhoneiro. Filho de Fiote da Castanha, de família humilde, o menino tinha talento. Começou a cantar desde os 15 anos. E deu certo. Aos 22 anos, tornou-se um nome do brega nacional: Natanzinho Lima, uma revelação do Arrocha.

Quando o rapper americano Will Smith desembarcou no Brasil, dançando uma música de Natanzinho, ele explodiu nas redes sociais, no mundo.

Não é fácil, saindo de Itabaiana, virar sucesso nacional. Independe do gênero musical. Eu sei, os refinados não gostam do estilo, mas a questão é outra.

Ao lado desse fenômeno musical temos um sociológico.

Natanzinho, ficou famoso más não perdeu as raízes. Divulga vaidosamente Itabaiana, cultiva a família, os amigos, a cultura caminhoneira. Não esqueceu as origens. Ontem, o povo foi as ruas para agradecer.

Ontem, ponto facultativo em Itabaiana, a cidade parou. A multidão estava comemorando uma vitória deles, como se fosse um campeonato do Tremendão da Serra. Vencemos, todos exclamavam! Natazinho era o “Ulisses” da Odisseia grega.

“Fi do Canso” vitorioso! A live do Show de ontem, teve um milhão e meio de acessos.

O NU 12, de Natanzinho, significa em toda velocidade, no pico. Refere-se a 120 km por hora, a velocidade máxima dos caminhões. “Uma liga é uma liga” é uma gíria dos caminhoneiros. Quem quiser saber o significado, que procure. Eu não revelo!

Aquela gente sentia que o sucesso de Natanzinho era coletivo, era o sucesso de uma gente que não dorme, que trabalha em tempo integral, que adora a sua terra. Desconheço quem nasceu em Itabaiana que a renegue.

Somos um povo com autoestima elevada, na vitória ou na derrota!

Antonio Samarone – Secretário da Cultura de Itabaiana.
 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

O MEU GURI.

O meu Guri.
(por Antonio Samarone)

“E na sua meninice, um dia ele disse que chegava lá/ Olha aí, olha aí.” - Chico Buarque.

Cada um é para o que nasce, repetia minha mãe, em seu secular conformismo. A deusa Fortuna (sorte) é caprichosa, vem e volta ligeirinho.

Entre os amigos de infância, Luiz Américo, filho de Meu Bom Chico e dona Corina, foi o mais astuto. Sabia se virar. Era bom em qualquer traquinagem. Andava de cabeça para baixo, exímio em salto mortal, bordava e pintava. No futebol era corredor e firulento.

Luiz ganhou o show de calouros de Djalma Lobo, cantando “Quero que vá tudo pro inferno”, de Roberto Carlos. Teve um semana de fama. Eu sempre era o pai da desafinação.

Luiz foi um lourinho peralta. Eu não chegava aos seus pés. Luiz Américo era destacado em tudo o que fazia. Ele, ainda menino, já sabia ganhar dinheiro: inventava rifas, organizava campeonatos, jogo do bicho, bom no sinuca, revendia muamba, era girento, como se dizia.

O seu pai, Chico Máximo, veio de São Paulo a pé. Aqui já é outra história.

Luiz era a expressão refinada da alma do comerciante de Itabaiana: sabia vender, trocar e comprar. Vivia de rolo, mutretas. Onde Luiz Américo se metia, dava certo.

Em plena adolescência, Luiz Américo sofreu um acidente, dentro do transporte coletivo em Aracaju. Bateu com a cabeça e ficou com sequelas.

No inicio da década de 1970, a novela “O Bem Amado” foi um grande sucesso. Conta-se, sem provas, que Luiz encasquetou com o personagem Zelão Das Asas, que após ter escapado de um temporal, resolveu agradecer a Deus, voando.

Luiz Américo botou na cabeça que faria o mesmo, indo voar do pico da Serra de Itabaiana, imitando Zelão. Existem testemunhas que dizem, sem convicção, que encontraram com Luiz nessas trilhas, com o propósito de voar.

Pelo sim, pelo não, Luiz Américo desapareceu ainda jovem. Acidente? O seu corpo nunca foi encontrado. Nunca mais se falou nisso. Passaram-se meio século.

Luiz Américo não morreu. O corpo nunca foi encontrado! Eu achava que ele era um anjo, experimentando as mazelas da terra. O seu desaparecimento continua misterioso.

A minha incerteza sobre a sua morte aumentou com o último texto do Dr. Marcondes, onde ele descreve magistralmente um encontro de falecidos ceboleiros no céu e Luiz Américo não foi visto. Eu sei, o céu é grande.

Como Luiz não merecia o inferno e não está no céu com os outros, ele não morreu. E no purgatório? Graças a Deus, o Papa Francisco mandou fechar o purgatório, elevando todas as almas ao céu.

E onde está Luiz Américo? Continua desaparecido.

Tempos depois, mais 4 mortes na Serra. No final de uma tarde chuvosa, em 30 de dezembro de 1981, um bimotor com 4 passageiros, vindo de Paulo Afonso, chocou-se frontalmente com a Serra de Itabaiana, deixando poucos vestígios. Não houve sobreviventes.

Me lembrei da Serra, pois amanhã ela recebe a visita técnica de especialistas nacionais, para efetuarem estudos de viabilidade para implantação de um teleférico, no Parque Nacional.

É o Ecoturismo engatinhando em Itabaiana. Quem for nomear as trilhas do Parque Nacional Serra de Itabaiana, não esqueça de Luiz Américo.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O DESENCANTO COM O GOVERNO.

O Desencanto com o Governo.
(por Antonio Samarone)

O poder em Sergipe já foi um ninho de águias, hoje é um ninho de pardais e quero-queros. Festas, tapinha nas costas, conchavos de bastidores e uma imprensa amiga não resolvem, sem ações administrativas, sem um projeto de desenvolvimento do estado.

Uma celebre historiadora sergipana sentenciou: a história de Sergipe se confunde com a história de Aracaju. A mudança da Capital (1855), foi uma locomotiva para Sergipe. A luta política trava-se em Aracaju, mesmo o líder sendo do interior, afirmou a doutora.

Na história política de Sergipe, a vitória da oposição em eleições para governador, sempre foi uma raridade. Três ou quatro ocasiões. Quem está de cima controla a máquina, os empregos, os favores e os mimos.

Um conhecido Coronel declarou o apoio ao governador Leandro Maciel: “estou com o senhor e com os seus legítimos sucessores.” Em Sergipe, parte da oposição namora o governo.

Um ex-vereador do Aracaju, em meu tempo, dizia em alto e em bom som: “o poder é um jegue carregado e rapadura, até o rabo é doce.”

As eleições de 2022 em Sergipe, foi uma surpresa. Um líder forjado no interior, puxado por sua gestão na Prefeitura de Itabaiana, pouco conhecido no estado, carismático, com um discurso coerente, cativou o eleitorado. Poucos entenderam.

A grande Aracaju entendeu: o povo queria o Pato no Governo! Não vou repetir o que é de domínio público: a eleição foi subvertida no tapetão. A derrota do Governo em Aracaju foi prova desse desencanto.

Sergipe padece com uma safra de governadores sem muita inspiração. As obras estruturantes são da época de João Alves. Déda ficou nas boas intensões.

Vivemos um período de vacas magras. A sombra do marasmo é compensada com uma explosão de festas: Sergipe Verão, Sergipe Inverno, Sergipe isso, Sergipe aquilo.

Nem só de festas vive o homem! O poder está voltado para si, sem um projeto de desenvolvimento. Sergipe definha!

Enquanto isso, um medo ronda os palácios: Valmir voltar a disputar o mandato que lhe tomaram. Conspirações, calúnias, fake news mentiras, intrigas, um vale tudo, desde que as próximas eleições sejam por WO.

Se nada funcionar politicamente, eles vão as barras da justiça.

A luta política abandonou o campo das ideias. O Brasil tem 29 Partidos legalizados, um quiproquó, um terreno movediço, onde políticos sem votos, sem o reconhecimento do povo, se apropriam de siglas partidárias e passam a tratar dos seus interesses.

Tem chefes políticos donos de vários Partidos.

Os líderes bens votados e sem partido são poucos. Comem o pão que o diabo amassou. A inveja e a ambição dos sem votos, donos de Partidos, transformam a vida desses líderes num inferno. É o fogo amigo.

O parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição Federal, expressa um sonho distante: “todo poder emana”. De longe, o povo sabe disso, mas tem paciência. Se tomaram uma vez, o povo insiste, vota de novo.

A cruzada da politicagem para derrubar o Pato é acirrada. O povo não é besta, está acompanhando...

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

SABORES ANCESTRAIS

Sabores Ancestrais.
(por Antonio Samarone)

O amigo Marquinhos (da FM comunitária) me fez um convite irrecusável: comer um pirão de galinha no Pé da Serra de Itabaiana, no restaurante de Dona Sônia de Leozíria. E lá vou eu, voltando as raízes... (foto).

“Está em qualquer profecia/ que o mundo se acaba um dia/ O mundo dos nossos ancestrais/ Sem fogo, sem sangue, sem ás/ Acaba sem guerras mortais/ Sem um estrondo, mas com um gemido.” – Raul Seixas.

O pirão de galinha me levou ao atávico sítio dos meus avós, nas Flechas. A um passado infantil. Gostava das farinhadas, do leite no peito da vaca, do canto dos passarinhos e da sinfonia dos sapos, rãs e jias nas lagoas. Entretanto, não posso mentir: o que me cativava mesmo era o pirão de galinha de minha avó.

No final da tarde, eu ia procurar se vovó tinha colocado a galinha embaixo do cesto, para a penosa não comer porcaria, antes do sacrifício. Ela gostava de puxar o pescoço.

Sei que pode parecer estranho, a galinha ser um banquete. E era! Antes das granjas, das galinhas confinadas, estressadas, comendo sem parar e enxarcadas de antibióticos, a galinha era bicho escasso. Comida de rico. Lá em casa, só de comia galinha quando mamãe estava parida. Por sorte, a prole foi grande (dezenove). Cada ano nascia um.

As galinhas de granjas morrem sem conhecer o choco, sem experimentar a valentia em defesa dos seus pintos. Uma galinha choca enfrenta as raposas, em pé de igualdade. As atuais, são galinhas de chocadeiras. Morrem sem comer merda. Tristes galinhas.

A ciência clonou as galinhas. Elas são bonitas, cantam afinadas, crescem rápido, chegam a pesar 5 kg, mas são aguadas, sem gosto, comida de astronauta.

As galinhas de capoeira duravam, tinha nome, viravam bichos de estimação. Na infância, eu já tive uma galinha amarela, que roubaram. Mamãe esperou os caminhão que iam às feiras, subiu, e abriu os caçuá de galinhas, até encontrar a galinha amarela. Foi uma confusão bem sucedida.

Crio algumas penosas no Solar São José, todas de estimação. Nunca serão comidas (ordem de Betânia, minha esposa). Galinha é caldo para doentes, canja para recém paridas ou convalescentes. Assada é de cerimonia. Guisada, molho pardo, cabidela, comida para dias especiais.

O ovo é a proteína segura do pobre. Combina com tudo, se faz doce, bolo e bife a cavalo. Meu prato preferido é cuscuz com manteiga do sertão e ovos fritados moles. Papocar a gema e misturar.

Uma boa notícia: estão faltando ovos nos Estados Unidos, pondo em cheque a tirania laranja. Roma caiu pela Peste e o USA pode cair pela falta de ovos. Acho que Lula deveria taxar os ovos da Kombi. Trinta por dez reais, seria para os brasileiros natos e exportar para a China.

O ladrão de galinhas é o pária entre os ladrões. Um ladrão insignificante. Não era aceito na gangue de Ali-Bá-Bá.

As galinhas antigas eram criadas na capoeira, soltas, comendo insetos, lagartas-de-fogo e ciscando. Eram pequenas e ossudas, de crescimento lento, mas para quem sabia preparar, era melhor que os faisões de Nero.

Dona Delina do Beco Novo, aos domingos, fechava a bodega cedo, e falava alto para que os vizinhos escutassem: “Um domingo só é completo com pirão de galinha de capoeira, doce de leite e Sílvio Santos.” E se trancava!

Os índios brasileiros não conheciam a galinha, pudera, é um bicho antigo, descende dos dinossauros. Os filósofos gregos morreram sem saber quem veio primeiro: o ovo ou a galinha. O Gallus gallus domesticus (galinha) é asiática. A França quis usurpar.

O pirão é brasileiro! Espero que Trump não queira fazer com o pirão, o que fez com o Golfo do México, achar que é dele. Farinha pouca, meu pirão primeiro!

Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana).