As Novidades do Natal de 2020.
(por Antonio Samarone)
Carlos Olavo Silva (78 anos), técnico em raios X, aposentado, operou por décadas, o Serviço de Abreugrafia do Serigy. Fomos colegas na Saúde Pública.
Carlinhos perdeu a esposa para a Covid-19, há três meses. Ele escapou! Mora só, no nono andar do Edifício Solar do Ártico, num apartamento de 75 m².
São 90 dias de completo isolamento. Desde a morte da esposa, Carlinhos assumiu a vida digital. O mundo real deixou de existir, ele faz tudo pela internet. Recebe os proventos e faz as compras on-line. Os amigos estão no WhatsApp.
Carlinhos esqueceu o mundo real, de carne e osso. As coisas existem apenas em seu cérebro e, o mais interessante, ele não sente falta. A minha sensação é que as realidades se fundiram em sua cabeça.
Existe uma suposição simplória na filosofia: a realidade do mundo é apenas uma criação mental de cada um. Nada existe fora da nossa imaginação. A comunicação digital através das redes sociais tornou o real e o virtual, a mesma coisa.
A comunicação digital descontruiu as distâncias, eliminou as fronteiras entre o virtual e o real. A minha dúvida é, se o mundo se tornou real ou virtual na cabeça de Carlos Olavo. A sua individualidade está diluída no enxame.
Carlos Olavo se tornou um homem virtual. Entenderam?
Ele não sente falta do outro presencialmente, pelo contrário, até festeja. Carlos Olavo receia encontrar com alguém fora das Redes Sociais e ficar sem jeito, sem ter o que dizer. Acha a presença física constrangedora, invasiva, incômoda. Sem falar no risco da Pandemia.
Carlos Olavo desaprendeu a lidar com gente à moda antiga. Acha os contatos físicos, os toques, os apertos de mãos, os bafos, as inhacas e os abraço estranhos. Quase tudo falso! Enxerga tudo isso como inconveniente, desagradável e pegajoso.
Carlinhos radicalizou: “Doutor, a amizade verdadeira só é possível virtualmente.”
Prossegue Carlinhos:
“Os amigos virtuais são acessíveis e dispensáveis com mais facilidade. São menos exigentes, pedem menos, acreditam mais em nossas narrativas. Outra vantagem: quando nos incomodam, deletamo-los com facilidade.”
“A verdadeira amizade precisa ser efêmera”, disse-me Carlinhos com um tom professoral. “Sem cobranças, sem vínculos obrigatórios, sem passado nem futuro. Tudo instantâneo, uma brisa de afeto e simpatia.”
Carlos Olavo está virtualmente feliz. Nesses 90 dias sem encontros, nem chamegos com gente de carne e osso, ele não está sentindo a menor falta. Vai passar o Natal plugado.
Já comprou o chester, o bacalhau e o vinho. Tudo pronto.
Carlos Olavo encerrou o telefonema com ironia e gargalhadas: “Feliz Natal, Velho Comuna!”
Vamos lutar pelo tecno-socialismo... Lembrei-me dos posadistas.
Eu fiquei pensando: já, já, a psiquiatria medicaliza essa confusão entre o real e o virtual de Carlinhos, põe um nome, incorpora ao Código Internacional de Doenças (CID) e arruma um tratamento.
Estou desconfiado que Carlos Olavo seja o futuro. Será o modo de vida possível no Novo Normal. Cada um trate de ir se acostumando!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
(por Antonio Samarone)
Carlos Olavo Silva (78 anos), técnico em raios X, aposentado, operou por décadas, o Serviço de Abreugrafia do Serigy. Fomos colegas na Saúde Pública.
Carlinhos perdeu a esposa para a Covid-19, há três meses. Ele escapou! Mora só, no nono andar do Edifício Solar do Ártico, num apartamento de 75 m².
São 90 dias de completo isolamento. Desde a morte da esposa, Carlinhos assumiu a vida digital. O mundo real deixou de existir, ele faz tudo pela internet. Recebe os proventos e faz as compras on-line. Os amigos estão no WhatsApp.
Carlinhos esqueceu o mundo real, de carne e osso. As coisas existem apenas em seu cérebro e, o mais interessante, ele não sente falta. A minha sensação é que as realidades se fundiram em sua cabeça.
Existe uma suposição simplória na filosofia: a realidade do mundo é apenas uma criação mental de cada um. Nada existe fora da nossa imaginação. A comunicação digital através das redes sociais tornou o real e o virtual, a mesma coisa.
A comunicação digital descontruiu as distâncias, eliminou as fronteiras entre o virtual e o real. A minha dúvida é, se o mundo se tornou real ou virtual na cabeça de Carlos Olavo. A sua individualidade está diluída no enxame.
Carlos Olavo se tornou um homem virtual. Entenderam?
Ele não sente falta do outro presencialmente, pelo contrário, até festeja. Carlos Olavo receia encontrar com alguém fora das Redes Sociais e ficar sem jeito, sem ter o que dizer. Acha a presença física constrangedora, invasiva, incômoda. Sem falar no risco da Pandemia.
Carlos Olavo desaprendeu a lidar com gente à moda antiga. Acha os contatos físicos, os toques, os apertos de mãos, os bafos, as inhacas e os abraço estranhos. Quase tudo falso! Enxerga tudo isso como inconveniente, desagradável e pegajoso.
Carlinhos radicalizou: “Doutor, a amizade verdadeira só é possível virtualmente.”
Prossegue Carlinhos:
“Os amigos virtuais são acessíveis e dispensáveis com mais facilidade. São menos exigentes, pedem menos, acreditam mais em nossas narrativas. Outra vantagem: quando nos incomodam, deletamo-los com facilidade.”
“A verdadeira amizade precisa ser efêmera”, disse-me Carlinhos com um tom professoral. “Sem cobranças, sem vínculos obrigatórios, sem passado nem futuro. Tudo instantâneo, uma brisa de afeto e simpatia.”
Carlos Olavo está virtualmente feliz. Nesses 90 dias sem encontros, nem chamegos com gente de carne e osso, ele não está sentindo a menor falta. Vai passar o Natal plugado.
Já comprou o chester, o bacalhau e o vinho. Tudo pronto.
Carlos Olavo encerrou o telefonema com ironia e gargalhadas: “Feliz Natal, Velho Comuna!”
Vamos lutar pelo tecno-socialismo... Lembrei-me dos posadistas.
Eu fiquei pensando: já, já, a psiquiatria medicaliza essa confusão entre o real e o virtual de Carlinhos, põe um nome, incorpora ao Código Internacional de Doenças (CID) e arruma um tratamento.
Estou desconfiado que Carlos Olavo seja o futuro. Será o modo de vida possível no Novo Normal. Cada um trate de ir se acostumando!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
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