sexta-feira, 21 de agosto de 2020

BOM APETITE


Bom Apetite.
(por Antonio Samarone)

Em minha infância, Itabaiana não tinha gordos. Lembro-me de Chiquinho Gordo, dos três gordinhos da Rua do Fato e, do mais famoso, Zé Gorducho, um solteirão que vivia às custas da mãe, a doceira Dona Aurelina.

O Beco Novo não tinha gordos!

Tinha muitos meninos inchadinhos, comidos pela verme do amarelão. Gente de bucho grande e perna fina. Comedores de barro.

Menino gordo era difícil. A igreja católica tinha dificuldade em encontrar “anjos”, gordos e rosados, para as procissões de Santo Antonio. Eu fiz o teste e fui reprovado.

A gordura era associada a prosperidade, abundância, riqueza e saúde. A fome era endêmica. Na bíblia, quando José do Egito sonhou com a prosperidade, a imagem onírica foi a de sete vacas gordas.

A Gula, um pecado capital, era tolerada com simpatia e às vezes com admiração. “Deus benza, fulano come que é uma beleza”. A gulodice era quase uma virtude.

Claro, o prestígio de ser gordo não chegava ao muito gordo, ao disforme. Nesses casos, a patologia era incontestável. Ainda tinha os portadores de hidropisia, os edemaciados.

Em um mundo de escassez, saúde é barriga cheia! “Fulano está gordo, parecendo um Major”. “Já sicrano é magro de ruim”.

A obesidade tornou-se um problema de saúde pública, decorrente da mudança do padrão alimentar, do sedentarismo e do modo de vida. A obesidade é uma patologia social. Contudo, os gordos continuam recebendo sansões morais. O que era admirado hoje é rejeitado.

Atualmente a gordura é vista como um descuido, lerdeza, preguiça, falta de vontade e amor-próprio. O gordo tornou-se vítima de bullying, preconceitos, insultos e discriminações.

Só os gordos, os velhos e os feios são objetos do humor grosseiro, sem que o palhaço possa ser punido juridicamente.

Os feios não buscam defender-se, pois acham o insulto indevido. Ninguém se acha feio! Já os gordos, esses não tem a quem recorrer.

Botar apelido em gordo é passatempo dos medíocres. Aliás, os gordos ainda carregam a fama de serem bem humorados.

Não me lembro de nenhum gordo “caga raiva”.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)



 

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