terça-feira, 17 de novembro de 2020

REFORMA SANITÁRIA E NEPOTISMO EM SERGIPE


Reforma Sanitária e Nepotismo em Sergipe.
(por Antonio Samarone).

Ao assumir o Governo em 24 de outubro de 1922, Graccho Cardoso encontrou em funcionamento a velha Repartição de Higiene, com as pequenas transformações sofridas no Governo de Oliveira Valadão.

A Diretoria de Higiene e Saúde Pública, chefiada pelo Dr. Ávila Nabuco, era quase a mesma Inspetoria de Higiene dos tempos do Império. Uma repartição com poucos recursos e poucas atribuições, voltada basicamente para atender à população indigente nos momentos de grandes Pestes.

Graccho Cardoso tinha colocado a saúde pública como ponto importante em sua plataforma de Governo, devido, sobretudo, à importância que ele acreditava ter as ações sanitárias como fator de progresso econômico.

Graccho partilhava também da crença dominante de que somente a União teria recursos técnicos e financeiros para ampliar as ações da Saúde Pública.

Dentro destes dois pressupostos, a primeira medida foi procurar o Departamento Nacional de Saúde Pública. Em 26 de novembro de 1922, Graccho Cardoso conferenciava com o Dr. Carlos Chagas, solicitando que ele firmasse contrato com o Estado de Sergipe e assumisse o comando dos Serviços Sanitários Estaduais.

Em 16 de janeiro de 1923, o Deputado Federal Carvalho Netto foi recebido pelo Dr. Carlos Chagas como representante de Sergipe, quando assumiu o compromisso de aceitar as normas sanitárias federais.

No dia seguinte ao encontro o contrato já estava assinado.

O passo seguinte foi o Governo publicar o decreto n.º 795, em 26 de março de 1923, passando para a Comissão Federal as atribuições da Diretoria de Higiene e Saúde Pública e a sua consequente extinção.

O novo Serviço de Profilaxia e Saneamento Rural, agora vinculado ao Departamento Nacional de Saúde Pública, assumia com plenos poderes, a direção dos Serviços Sanitários em Sergipe.

O decreto previa também a transferência das atribuições do órgão de Assistência Pública para a Intendência Municipal (Prefeitura), e o Serviço de Assistência aos mortos retornava para a Diretoria de Segurança Pública.

Entretanto, essa autonomia dos Serviços Sanitários não ocorreu sem resistências e contradições. Logo após o decreto, em 28 de março de 1923, o Governador nomeou para chefiar o novo Serviço, o seu irmão, Dr. Eleyson Cardoso, exonerando o Dr. Ávila Nabuco.

Para surpresa dos chefes políticos locais, o Departamento Nacional de Saúde Pública não aceitou a nomeação do Dr. Eleyson Cardoso, irmão do Governador, e nomeou outro diretor para a repartição em Sergipe. Em 08 de abril de 1923, chegou a Aracaju o Dr. Phoncion Serpa, para dirigir a Repartição Federal no Estado.

Mesmo com discordâncias profundas, as aparências foram mantidas e o Dr. Serpa foi recebido pelo Governador com grande festa. O nepotismo, uma prática enraizada na alma sergipana, foi afrontado.

Conflitos também ocorreram para a nomeação do restante do quadro de pessoal e foi feito e cumprido um acordo: o Governo Estadual nomearia o pessoal administrativo e o Federal, o pessoal técnico.

A pretensão de autonomia da saúde pública confrontava com as formas tradicionais de ocupação dos cargos públicos em Sergipe.

O Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural recrutou o seu pessoal, obedecendo ao acordo: o pessoal administrativo, em torno de 60 pessoas, indicadas pelo Governador, e os médicos, Lameira Ramos, Augusto Bulcão, Lafayete de Freitas e Adherbal Figueiredo, vieram todos de fora.

Quanto ao plano de saúde a ser implantado, o Dr. Phoncion Serpa não perdeu tempo: em 19 de abril de 1923 já estava publicada no Diário Oficial uma portaria definindo o campo de atuação do novo Serviço.

Tomando como referência o Regulamento Federal de Saúde Pública, o Dr. Phoncion Serpa estabeleceu as seguintes atribuições para o Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural em Sergipe:

a) fiscalização do exercício da medicina (publicou edital para que todos os médicos dentistas, farmacêuticos e enfermeiros registrassem os seus diplomas na Repartição;
b) controle dos farmacêuticos práticos e parteiras leigas;
c) fiscalização das habitações;
d) combate aos vetores;
e) organização do serviço de demografia sanitária;
f) controle das doenças de notificação compulsória, exigindo dos médicos a sua notificação;
g) controle dos enterramentos;
h) combate intensivo às verminoses e ao impaludismo, com tratamento gratuito;
i) intensificação da vacinação;
j) fiscalização dos gêneros alimentícios;
l) instalação de um laboratório para realização de exames de sangue, pus, escarro, fezes e urina.

Um verdadeiro programa de Saúde Pública, que ao ser implantado, modificaria totalmente a face dos Serviços de Higiene no Estado de Sergipe.

O Serviço, que funcionava em Aracaju na Av. Rio Branco, também se expandiu para o Interior do Estado. Criou-se o Posto Oswaldo Cruz, em Propriá e o Posto Belisário Pena, em Estância, e vários subpostos em outros municípios.

Em 28 de junho de 1923, foi instalada a seção de lepra e doenças venéreas no Estado, sendo nomeado como inspetor o Dr. Ávila Nabuco, e como médico auxiliar o Dr. Jessé Fontes.

Os trabalhos do Serviço de Saneamento Rural, em Sergipe, transcorriam dentro da normalidade, até o momento em que o Dr. Phoncion Serpa necessitou realizar uma viagem ao Rio de Janeiro, e em seu lugar, como substituto, assumiu o Dr. Eleyson Cardoso. Durante a interinidade, o Dr. Eleyson efetuou algumas nomeações exigidas pelos políticos.

No retorno do titular tudo foi desfeito.

Essa desavença entre o poder local e racionalidade técnica da Saúde Pública inviabilizou a primeira Reforma Sanitária em Sergipe.

Em junho de 1923, ou seja, pouco meses após sua instalação, o Governo do Estado, alegando ineficiência dos Serviços Sanitários Federais, rompeu o contrato e devolveu o comando sanitário para as mãos da velha Repartição Estadual e do seu irmão, o Dr. Eleyson Cardoso.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

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