terça-feira, 30 de março de 2021

A VIDA ETERNA


A Vida Eterna.
(por Antonio Samarone)

Levei um susto. Me avisaram que um amigo, daqueles poucos de infância, tinha se internado com a Covid-19. Pensei, é sempre assim, se interna bem, UTI, intubação e fim.

Mas esse amigo continua bem, graças a Deus.

Entre os amigos que passaram pelo tormento, essa foi a pior notícia. Ando afastado desse mal-assombrado e tinha receio de não poder despedir-me. Ainda bem que vaso ruim não se quebra.

Eu continuo de quarentena, aguardando a minha vez na lenta fila da vacinação. Tem um lado bom: se ainda não chegou é porque outros mais velhos estão na frente.

Recebi ontem, pelo correio, um material de propaganda de uma funerária, com um plano de assistência para o meu sepultamento. Tudo de primeira, profissionais qualificados, maquiagem, para que eu possa me enterrar rindo, deixando uma boa impressão.

Diversos modelos de mortalhas e caixões. Ainda posso pagar com antecedência e em suaves parcelas. Recebem todos os tipos de cartões. Até o tipo de vela está discriminado.

Quem foi o “filha da puta” que me botou nessa lista?

Me disseram que o big-data faz isso automaticamente. Ia esquecendo, um material de marketing muito bem-feito.

Sou da geração “baby boom” – nascido (1954) durante a explosão populacional pós-Segunda Guerra Mundial.

A velhice mudou muito, hoje é uma idade que dura tanto, que já é considerada uma vida extra. Os velhos são os outros.

Aprendi na infância, que depois dos 60 anos era o abismo e a escuridão. Hoje, empurramos a velhice para os últimos meses antes da morte, para os 44 minutos, do segundo tempo. Resta saber o que fazer nessa prorrogação.

Um colega de turma, lá em Itabaiana, cresceu o cabelo e comprou um patinete.

Sou um sobrevivente do iluminismo. Depois da Pandemia, vou tentar reencontrar a minha turma. Os que escaparem.

Sei que o horizonte está sombrio e carregado.

A classe operária não fez a revolução libertadora que esperávamos, como previa Marx. No Brasil, segundo Graciliano Ramos, a revolução era impossível, pois poucos sabiam que peste era “Uni-vos”.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)


 

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