domingo, 12 de maio de 2024

NINGUÉM ESCAPA.


 Ninguém escapa!
(por Antonio Samarone)

Germano, 70 anos, anda adoentado. Uma doença que se arrasta vagarosamente. Já bateu as portas de consultórios afamados. Nada! Ninguém descobriu a patologia. Chegaram a dizer que ele nada tinha, aquilo tudo era psicológico.

Germano é rico, possuidor de uma fortuna que as traças e a ferrugem não consomem. É um rentista do mercado financeiro. Para ele, não existe safra ruim, os rendimentos são sagrados.

O certo, é que Germano tem sofrido. E patologia no grego antigo, “páthos” significa sofrimento. Portanto, a dúvida dos médicos é descabida. Germano está doente!

A queixa é incomum: Germano reclama de dor, ardor e formigamento na sola dos pés. Uma dor que impede a deambulação. Germano anda em cadeira de rodas.

A medicina ilumina-se pelo paradigma celular de Virchow. Os sintomas clínicos devem corresponder as lesões orgânicas internas e/ou aos fenômenos fisiológicos baseados nas leis da físico-química.

Em outras palavras, é uma medicina do corpo. Quando o sofrimento foge a esses preceitos, a medicina se perde. O justo, era a medicina reconhecer as limitações. Entretanto, a medicina atua na lógica do mercado. Predomina o valor de troca, para simplificar, o lucro.

A medicina greco-romana era mais sutil. A doença era um desequilíbrio dos humores. O tratamento visava a homeostasia. Na bíblia, a doença é um mal, uma punição, um castigo, uma desgraça.

Quando o sofrimento possuía alguma valia, a doença era redenção, expiação e purificação. Uma porta para o Paraíso. Claro, a medicina possui recursos para aliviar parte desses sofrimentos, inclusive a dor. Nas UTIs, os pacientes morrem sedados. A medicina suaviza a agonia da morte.

Germano foi a São Paulo, a Meca da saúde, em busca de pôr fim ao sofrimento.

Procurou os herdeiros de Charcot. Bateu na porta de angiologistas, imunologistas, podólogos, quiro praxistas, até de um psiquiatra. Germano teve acesso a tudo o que dinheiro pode comprar. Ao todo, realizou 177 tipos exames, no Albert Einstein.

Entretanto, as dúvidas quanto ao diagnóstico permaneceram.

Uma doutora, pós-graduada em Sorbonne, suspeitou de uma doença nova, inexistente no CID 11. "Germano é portador de “SDQ”. Sei, mas o que peste é isso? A Doutora esclareceu: "Síndrome da Dor Quântica. Uma doença rara, de origem autoimune. Ele é o sexto caso descoberto pela ciência."

Trata-se como? Germano quis saber. A doutora foi direta: ainda não existe tratamento! E acrescentou: a Indústria Farmacêutica não vai se ocupar em produzir um medicamento para seis pessoas.

Germano retornou desenganado. Estabeleceu-se em seu sítio, no altiplano do Zanguê, e vai esperar a “velha dama”, onde nasceu. Na falta de tratamento, ele resolveu aplicar cataplasmas de raspa de cama de sapo, duas vezes ao dia. Pelo sim e pelo não, o formigamento nos pés diminuiu.

Esse cataplasma é citado na farmacopeia dos Jesuítas.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

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