Vagas Memórias.
(por Antonio Samarone)
O povo não possui genealogias. Seus nomes não constam em arquivos públicos, cartórios e sacristias. E a memória da gente é curta.
Um amigo, descendentes de fidalgos do Arauá, está empenhadíssimo em descobrir as origens. Já chegou em ascendentes endinheirados, de famílias sefarditas da Península Ibérica.
Em Sergipe, nem os donos de sesmarias deixaram memórias.
A minha genealogia chegou a Ascendino de Genoveva, meu avô paterno. Gente pobre do Matebe. Lourinho dos olhos claros, cabelo muito fino, conversador, contador de estórias engraçadas. Não falo por ciência própria, mas por um ouvir dizer.
Sei que Ascendino era irmão de Seu Antonio das redes e de Erundino, que migrou para Aracaju, e botou uma Padaria na Rua Santa Rosa, que até hoje existe. E mais nada.
Ascendino morreu novo, envenenado pelo álcool.
Descendente de espanhóis, de um soldado anônimo das tropas de Bagnoulo, que passou pelo Arraial de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, fugindo dos holandeses, depois da expulsão dos espanhóis de Porto Calvo, em 1637.
Ascendino guiava uma tropa de burros do Coronel Barbosa, das Candeias. Semanalmente, transportava farinha, feijão, legumes, galinhas e ovos dos sítios do agreste para o antigo porto de Roque Mendes, em Riachuelo, onde a mercadoria era embarcada em saveiros, para o mercado público em Aracaju.
Os tropeiros de Itabaiana alimentavam Aracaju, criando a fama de cidade celeiro.
As feiras livres do Aracaju ainda recebem essas mesmas mercadorias, só mudou o meio de transporte. Ainda compro a Seu Adonias do Malhador, o feijão de corda novo debulhado na hora, na feira semanal do Mosqueiro.
Adonias não sabe, mas estou matando a saudade de Seu Ascendino de Genoveva.
Meu pai conservou por muito tempo uma herança do meu avô, uma Capa Renner Três Coqueiros, preta, usado pelos tropeiros para proteção do vento e da chuva. A Capa de Ascendino mantinha o cheiro do suor dos cavalos e das intempéries, uma relíquia de uma profissão extinta.
Não sei que fim levou essa Capa!
Meu pai possuía poucas vaidades. Usar um chapéu Ramenzoni Três X, pêlo de lebre, era uma, herdada de Ascendino. Ele não tirava o chapéu nem para tomar banho.
Em seu sepultamento, colocamos o chapéu dele mais novo dentro do caixão, para ele não chegar desprevenido. Nunca se sabe o que o morto vai encontrar no outro lado.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
Nenhum comentário:
Postar um comentário