O Novo Humanismo Médico.
(por Antonio Samarone)
Perguntei ao professor Valdenberg, um sábio da matemática em Sergipe, qual era o futuro da matemática? Ele de pronto respondeu: a biologia. Eu, além de não entender, fiquei com vergonha de esticar o assunto. Isso faz tempo.
Hoje ficou claro a resposta do professor. A tecnologia de informação, imagens digitais e inteligência artificial tornaram a medicina anátomo patológica de Virchow e Pasteur, uma especulação filosófica.
As descobertas da célula e do microscópio apressaram a queda do paradigma humoral, da medicina Greco/romana, criando a Medicina Clínica do século XX.
O mapeamento do genoma humano (2003), a infinita resolutividade das imagens digitais e a inteligência artificial estão criando a medicina do século XXI.
O paradigma humoral e holístico da medicina hipocrática perdurou por mais de vinte séculos. O paradigma celular durou cem anos. A medicina atual abraçou o paradigma molecular. Por quanto tempo?
A transição será dolorosa.
O que fazer com as Faculdades de Medicina, com currículos do século XIX, inspirados no modelo Flexneriano. E os milhares de médicos crentes em suas casuísticas? E o aparelho médico industrial, produtor de medicamentos, tecnologias e insumos do passado?
A Pandemia apressou o nascimento de uma nova medicina. O Sistema de Saúde Inglês (NHS), o mais avançado do mundo na esfera pública, já incorporou as novas tecnologias, inclusive a tele consulta. A Inglaterra é um bom exemplo!
Dos Presságios aos algoritmos.
A humanização ou desumanização da medicina não é determinada pelo paradigma científico adotado. A desumanização é o resultado da mercantilização, da transformação do cuidado médico em mercadoria. Quem desumanizou a medicina, foi ela ter trocado o paciente (sujeito), pela doença (objeto).
Radicalizando um pouco: não existem doenças, mas pessoas doentes.
A antiga relação médico/paciente, centrada no cuidado das pessoas, era base da medicina artesanal e humanizada. A medicina de mercado, baseada na relação médico/cliente, no consumidor, centrada em procedimentos, com ênfase nas doenças é, ontologicamente, uma medicina desumanizada.
O paradigma científico e as tecnologias utilizadas não são determinantes da desumanização.
A medicina foi desumanizada por imposição da economia. O mercado regula-se pela produtividade e pelo lucro. O cuidado médico em forma de mercadoria é por natureza impessoal, padronizado, independente da tecnologia utilizada.
O fato de a medicina ser humanizada não garante a sua eficácia. A medicina do século XXI deve voltar-se para as pessoas, doentes ou não. É um novo individualismo.
A medicina holística e filosófica do paradigma humoral, fundada na “arte médica”, sarjou, purgou e sangrou por milênios. A única conduta terapêutica eficaz foi a psicoterapia. Egas Moniz recebeu o Prêmio Nobel em medicina (1949), por ter inventando a lobotomia. Isso foi ontem, não foi na Idade Média.
Como velho sanitarista, herdeiro do higienismo de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, sou obrigado a constatar que o futuro imediato do Sistema Único de Saúde, o nosso mal trado SUS, é a incorporação imediata dessas novas tecnologias.
Essa pauta estará nos debates eleitorais?
Pode surgir um novo humanismo médico. A Pandemia forçou esse parto. Ficou claro que a doença é social, ninguém resolve sozinho. As doenças sociais manifestam-se de forma específica em cada pessoa. Essa é a confusão.
Está nascendo um novo coletivismo sanitário, estranho, pois é centrado nas pessoas. Uma medicina personalizada, preventiva e preditiva, eficaz, conscientizadora, defensora da autonomia dos pacientes.
As novas tecnologias médicas tanto podem fortalecer a medicina de mercado, massificada, padronizada, impessoal, como pode retomar ao humanismo da medicina hipocrática, com a vantagem da eficácia e da personalização.
Que venham as mudanças! O novo humanismo médico precisa ser construído. Não é a volta a um passado romântico. É o futuro!
Antonio Samarone (médico sanitarista)
Bravo! Reflexão necessária. Estamos vivendo a incerteza de “novos” tempos. Que a novidade seja para melhor....
ResponderExcluirO intenso é inevitável processo de globalização será o grande mediador na direção da implantação e implementação de Sistemas Públicos de Saúde com padrão mínimo de eficiência/eficácia, quem sabe, parametrizados pelo Sistema Público de Saúde Inglês (O NHS). Afinal, num mundo intensamente globalizado, no que se refere a doenças de etiologia microbiana, ou todos estão seguros ou todos correm riscos.
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