sábado, 13 de dezembro de 2025

MEMÓRIAS DE MANÉ BARRACA


 Memórias de Mané Barraca.
(por Antonio Samarone)

O banzo (loucura nostálgica) e a tísica pulmonar eram frequentes no Tabuleiro dos Caboclos. Seu Manuel cuidava do banzo. A peste branca matava. Não existia tratamento para a tuberculose: o poeta Castro Alves (38 anos) e o Imperador Pedro I (36 anos), foram vítimas.

Mané Barraca era o pajé do Tabuleiro. Um negro alto, de fala mansa e gestos imponentes. No alto do seu oratório tinha um quadro de Jacques de Molay, a caminho da fogueira; ao lado da figura de Bafomé, esculpida em barro.

Se dizia que essa influência templária, foi deixada por um “maçone”, dono de engenho no Zanguê, no final do século XIX. Um ancestral do doutor Átalo e Grampão.

Seu Manuel era um misto de sacerdote, pajé e curador. Fazia as suas mandingas em Iorubá. No canto do oratório existia um manuscrito, com a farmacopeia jesuítica, incluindo a composição do “triaga brasílica!”. Fui seu cliente. Mamãe temia o quebranto, uma prostração causada por maus-olhados.

Seu fosse necessário, em casos urgentes, o mandingueiro Mané Barraca, lancetava, sangrava, sarjava e partejava. Era pau para toda a obra. Um benemérito, não cobrava.

A casuística de Mané Barraca incluía a gota serena (avitaminose A), bicho de pé (tunga), sarna, sapinho, impingem, antraz, pereba, ventosidade, opilação, gonorreia, malinas, tosse comprida, bexiga, sezões, fleimão e unheiro. O "morbus sacer" era tida como possessão.

Entretanto, o caso mais famoso de Mané Barraca, foi a cura de Zuzu do Matebe, ex escravizado, paneleiro e Pai de Santo. Seu Zuzu entristeceu, depois que a polícia mandou fechar o seu Terreiro.

Deixou de comer, só andava muzumbudo, emburrado pelos cantos.
Seu Zuzu perdeu a liberdade religiosa e cultural. Uma melancolia profunda pela perda da liberdade. O diagnóstico foi preciso: banzo! Uma doença que acometia os escravizados, quando chegavam ao Brasil, uma nostalgia profunda da pátria africana.

Mané Barraca, percebeu as semelhanças, no fundo, era a mesma perda da liberdade.

Martim Cascavel, um poderoso Coronel do Bom Jardim, ficou sabendo do caso e se ofereceu para ajudar. O tratamento era a reabertura do Terreiro. Dito e feito. A ordem foi dada: pode abrir!

Ouvia Seu Sancho contar, nas bodegas do Beco Novo, esse caso de banzo. Talvez o último, tratado por Mané Barraca. Nesse tempo, a doença já estava em extinção. Seu Zuzu montou o novo Terreiro, nas proximidades do Açude Velho. O banzo foi curado.

Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.

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