quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A MISSA DO GALO

A Missa do Galo.
(por Antonio Samarone)

Os Natais começavam com os presépios. Na primeira semana, Dona Dezí esposa de Seu Jeconias, montava o seu presépio, na sala de visitas de sua casa. O menino Jesus ficava na manjedoura, esperando os Reis Magos. Se sabia até os nomes dos monarcas orientais: Belchior, Gaspar e Baltazar. Eles seguiam uma estrela e traziam ouro, incenso e mirra. Não me perguntem, eu não sei o que é “mirra”.

O presépio de Dona Dezí era de visita obrigatória.

O Natal nasceu em Roma, como festa pagã. Saturnália e o Natalis Solis Invicti (Nascimento do Sol Invicto) celebradas no solstício de inverno (25 de dezembro). O cristianismo associou a data ao nascimento de Cristo. Eu ainda alcancei o Natal como uma festa cristã.

O Natal sempre foi um tempo de presentes e roupas novas. O ponto máximo do Natal era a missa do galo, tarde da noite.

Depois da missa, os ricos organizavam um jantar em família. Os pobres e remediados iam à Feirinha de Natal, comer arroz amigo com galinha de capoeira, nas banquinhas das cozinheiras, no final da Praça de Santa Cruz. Quando me lembro, sinto o cheiro e ainda me dá água na boca.

No Beco Novo, se dizia que um galo tinha cantado a meia-noite, anunciando a boa nova, o nascimento de Cristo. Eu, até hoje, acredito no canto desse galo. Fiquei sabendo que não existe mais a missa do galo.

Depois da missa, descíamos aos magotes para Praça de Santa Cruz, onde estava montada a Feirinha de Natal. A festa consistia num parque de diversão, totalmente artesanal. Os principais brinquedos eram: barcas, carrosséis, o balanço de Seu Otávio, a onda de Zé Costa, o trivoli de Miguel Fagundes, todos empurrados pelos músculos humanos.

Outra atração para os adultos eram os jogos de azar. Carteado, pio, roleta, argola e o jogo do preá. Os prêmios das roletas eram goiabadas, peixe e palmeiron. Meu pai gastava as economias nas roletas de natal. Ele chegava em casa, cansado, com os bolsos vazios e as mãos cheias de goiabadas.

Papai se considerava um vencedor nas roletas de Natal. Chegar em casa com as mãos abanando, era um sinal de derrota.

O jogo do preá era uma mesa enfeitada, cercada de casinhas numeradas. O coitado do preá era solto no meio da mesa e, empurrado aos gritos, para se esconder dos humanos, em uma das casinhas. O número da casa escolhida pelo atordoado preá, era o número vencedor. Naquele tempo, era permitido se maltratar os animais.

A Feirinha de Natal era sortida de vendas de doces, frutas e bugigangas. Foi numa dessas feirinhas, aos 13 anos, onde eu experimentei a maça pela primeira vez. Gastei tudo o que tinha, mas comprei a maça. Movido pela curiosidade em saber o que Adão viu na maça, para ele perder o Paraíso, e pelo cheiro de um papel azul que enrolava o fruto proibido.

Uma decepção: não gostei da minha primeira maça. Preferia ingá, tamarindo, oiti, cajarana, imbu e juá.

Ao fundo da feirinha, um alto-falante tocava boleros e mandava recados para os enamorados: alguém oferece, apaixonadamente, a uma moça de saia plissada e blusa de alcinha, as músicas que seguem. A música mais tocada era “Esta noite eu queria que o mundo acabasse...”, na voz de Silvinho.

Papai Noel já existia, trazido por Fefi, do Armarinho Tem-Tem. Porém, nunca passou no Beco Novo. Para ser sincero, eu nunca acreditei. Eu conheci o Papai Noel em Aracaju.

A chamada Festa de Natal, se repetia no Ano Bom e no dia de Reis. Cada povoado fazia a sua, em dias diferentes. Meu pai me levava para o Natal das Candeias, onde ele nasceu.

Hoje, as cidades se iluminam de leds, pisca-piscas, arvores de natal, renas e Papai Noel. Muitos, um em cada esquina tem um. Nada contra, o Natal voltou a ser uma festa pagã.

Em Itabaiana, além das luzes, montaram um moderno parque de diversões, onde tem até montanha-russa e, acompanhando as novidades, o competente Marquinhos inventou um castelo medieval, daqueles da Disney. O castelo foi fabricado pela Tuchê Impressão, uma empresa local.

A festa está bonita e animada em Itabaiana, com corais, bandas e teatro.

Eu só acho que a igreja católica, assistiu à derrota passivamente. Gente, pelo menos deixassem a missa do galo.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

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