quarta-feira, 17 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - BEROZO



 Gente Sergipana – Berozo.
(por Antonio Samarone)

Com a proximidade do centenário da chegada do caminhão em Itabaiana, resolvemos recuperar parte da memória dos caminhoneiros. Gente que empenhou a vida, na construção da cidade.

Josino Tavares dos Santos (Berozo), (91 anos), nasceu no Batula, em 23/09/1933, filho de José Álvaro dos Santos e Dona Josefa Tavares dos Santos.

Berozo começou tangendo carro de Boi. Ainda menor, foi motorista ajudante de Tonho de Chagas, e se meteu na Rio Bahia (1950). O caminhão ganhava força em Itabaiana. Timbeu, Toinho do Bar, Jason Correia, Osias Lima, Heleno Bacalhau, Irineu Gravata, entre outros.

Em pouco tempo, Berozo guiava um FNM, do cunhado, Wilson da Sergipana. Como o trabalho era informal, na saída, ele recebeu como indenização um F8, americano. Em sua casa, no povoado Pai André, ele mantém uma Scania 112, como objeto de estimação.

Segundo ele, aos 91 anos, continua na ativa no volante. Garantiu, que na próxima festa de Santo Antonio, estará na carreata da dos motoristas.

Beroso está com a memória e cognição perfeitas, fala sobre tudo, sobretudo política.

Berozo foi motorista do Coronel Euclides Paes Mendonça, com quem mantinha uma relação de muita proximidade.

O apelido Berozo, foi obra de Dedé Cachaça, delegado de quarteirão, um personagem folclórico em Itabaiana.

Berozo é casado com Dona Ubaldina Almeida Santos, e pai de sete filhos, dos quais, dois caminhoneiros. Berozo é tio do Jurista e Professor Dr. Alvino Filho.

Seu Josino Tavares, no anonimato, trabalhou dignamente, arduamente, singrando as rodovias desse país. Um brasileiro que transportou riquezas e pessoas, com uma dedicação sacerdotal.

Antonio Samarone – (médico sanitarista)

terça-feira, 16 de abril de 2024

O VELHO CORIFEU.


 O velho Corifeu.
(por Antonio Samarone)

Nos primórdios, o PT se achava um partido comandado pelas bases. Cada reunião era uma assembleia, onde se discutia os destinos da humanidade. Finalmente, a classe trabalhadora tinha encontrado um farol.

O “basismo” ideológico era uma resposta aos Partidos Comunistas, que acreditavam numa vanguarda do proletariado. Os comunistas não souberam derrotar a ditadura, pensava a mocidade revolucionária.

No PT, as discussões eram tábulas rasa, tudo começava do zero. A opinião do mais humilde e noviço militante valia tanto, como a dos velhos e cascudos líderes.

Aliás, ser acusado de intelectual, não era um defeito pequeno.

Nos encontros, as posições políticas eram antecedidas de “teses”, escritas previamente para subsidiar os debates. Uma herança marxista, da política como ciência, guiada por princípios. Qualquer polêmica, os mais puros diziam aos brados: “princípios não se negociam”. Como quase tudo era princípio, as negociações ficavam prejudicadas.

Após exaustivas discussões, aos sábados pela manhã, após centenas de inscritos, quando a confusão estava em seu auge. O último inscrito para falar, o professor Luiz Alberto, emitia o veredicto final. Que valeria até a próximo sábado, onde tudo seria reaberto.

Luiz Alberto costurava as teses mais esdrúxulas. Dava a razão a quase todos os oradores, para, no final, iluminar a todos com a verdade. Luiz era um cavalheiro. A sua fala deixava um ar de satisfação, de missão cumprida. Afinal, a tese de que trabalhador só vota em trabalhador, era quase uma certeza. Uma unanimidade.

Claro, quase tudo isso era “Mise en Scène”, que a maioria acreditava.

Hoje, o PT segue outro caminho. As discussões são outras. Fico pensando, talvez, o professor Luiz Alberto, não tivesse espaço para as suas longas e brilhantes análises de conjuntura. Quando o professor citava Marx, era um encantamento geral, a certeza da verdade.

Um antigo correligionário, me confessou que não se lembrava de mais nada, nenhum tópico, nenhum tema, nenhuma divergência mais relevantes. Nada, nada ficou das eternas reuniões matinais dos sábados. Eu fiquei calado, mas também não me lembro de muita coisa.

O mundo, o Brasil, a política e as esquerdas mudaram muito.

Saudades, dos tempos do Professor.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

domingo, 14 de abril de 2024

A SABEDORIA É UMA VERDADE NARRADA


 A Sabedoria é uma verdade narrada.
(por Antonio Samarone)

João Conrado (86 anos), é o mais antigo paneleiro do Tabuleiro dos Caboclos. Pai de Santo e Rezador. Na verdade, a sua especialidade é contar histórias, reais ou inventadas. A sabedoria vem de longe.

Imensas rodas de gente de oiças abertas, formam-se para ouvir Conrado, nos finais de tarde. Gente estropiada da labuta. As narrativas precisam de silêncio. Nem os cachorros latem. Por vezes acende-se uma fogueira.

A comunidade do Tabuleiro, quase quilombola, resiste ao massacre da informação dos Big datas, da objetividade dos algoritmos. O smartphone permite apenas a troca acelerada de informações. Não permite narrações. Atropela as empatias.

O capitalismo se apropriou das narrativas. A informação fragmentou o tempo.

O mundo de Conrado é encantado. Sua sabedoria reflete a sua experiência de vida. A narrativa precisa de tempo, paciência para escutar. A narrativa produz histórias que permitem margens para o milagre e o mistério. O cérebro é analógico.

“Narrar e escutar atentamente historias se condicionam mutuamente. A comunidade narrativa é uma comunidade de ouvintes atentos.” – Chu Han

A comunidade do Tabuleiro dos Caboclos foge da caixa preta dos algoritmos. Não sei até quando. O lado épico da verdade está em extinção. Essa gente nada tem a perder, com diz o Velho Manifesto.

Foi no Tabuleiro dos Caboclos que nasceu o futebol em Itabaiana, que, ao lado da religiosidade e do espírito desbravador dos caminhoneiros, formam um alicerce cultural.

São os últimos habitantes de um mundo encantado, que resistem a dessacralização da vida.

O fogo mítico ainda não foi extinto. Não se mija impunemente nas fogueiras.

Se a vida não puder mais ser narrada, a sabedoria entra em decadência. Ela será substituída pela “técnica de solução de problemas”, que os deslumbrados chamam de inteligência artificial.

A força das reuniões do Consulado de Itabaiana, às quintas, na Praça, consiste em manter aberto o espaço das narrativas. Estamos perdendo a paciência em ouvir calados. Os que não querem ouvir, são os coveiros das narrativas.

Conrado também exerce o papel de conselheiro. “Ouça um conselho que eu lhe dou de graça": não adianta dormir que a dor não passa.” Chico.

“A vida que se desloca de um presente para outro, de uma crise para outra, de um problema para outro, reduz-se a uma sobrevivência.” Chu Han. Uma vida desnuda.

Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, basta que nos ponhamos a narrá-lo. – Satre.

Antonio Samarone – médico sanitarista

sábado, 13 de abril de 2024

A GLÓRIA ETERNA


 A Glória Eterna.
(por Antonio Samarone)

Fui procurado pelo colega, Dr. Silveirinha, para assinar um manifesto de apoio a Elon Musk. Me fiz de desentendido: quem é esse Musk? Ele se impacientou: “Elon Musk é o dono do Twitter, um defensor da liberdade.”

A alma de Silveira é fascista. Aliás, sempre foi. Antes, não se expunha, curtia a sua crença em silêncio.

Ponderei, Dr. Silveira, a liberdade de Elon Musk é uma, a minha é outra. Ele fala de liberdade de se fazer o que quiser, sem limites. A minha é a liberdade democrática, tem limites, a nossa termina onde começa a do outro.

A minha liberdade não permite Fake News, mentiras, agressões, ódio e difamações. Não existe a liberdade de se praticar crimes.

Silveirinha achou esses argumentos, conversa de comunista. A liberdade é uma só, disse-me ele.

O Dr. Silveira, já velho, incorporou uma obsessão pela glória. Das quatro fontes de vaidade do Ego humano, poder, riqueza, honra e glória, ele só abriu mão da honra. O preço era alto, confidenciou o doutor.

O poder e a riqueza de Silveira vieram sem muito esforço. Silveira Já nasceu rico e poderoso. Depois, a medicina duplicou o patrimônio.

Mas, faltava a Glória.

Entregou o cabedal aos cuidados dos filhos, e correu atrás da Glória.

Silveirinha tornou-se membro titular de dezenas de Academias de Letras, Ciências e Artes, Institutos Históricos, e confrarias culturais, fez por receber dezenas de Comendas, a última foi a Ordem de Cristo, do Vaticano.

O doutor, não perde palestras, conferencias, aulas magnas, lançamento de livros e saraus.

É uma obsessão pela glória e escolheu a cultura, por achar a forma mais fácil. Tornar-se herói, ídolo, artista, atleta, cientista, santo, mártir, tudo isso estava fora de cogitação.

Restou a cultura!

Investiu em publicação de livros, todos capa dura, fios dourados, papel de bíblia, um luxo. Algum desavisado pode perguntar: E o conteúdo? Bem, ele aposta que os leitores serão poucos, tornando esse item de pouca importância. Está no prelo um livro de poesia.

Silveirinha resolveu seguir a orientação de Voltaire (“Devemos cultivar o nosso Jardim”), e criou uma “Academia dos Vencedores”, dele, sem interferência dos invejosos, onde ele escolhe os eleitos e as sessões são recheadas de louvações. Cada membro, pode usar até 15 minutos do seu tempo, para elogiar os demais.

O Dr. Silveira é o presidente vitalício.

“Academia dos Vencedores” já tem sede própria, com um auditório de 300 lugares. A sede fica na Praça Camerino, pelos fundos do Museu da Gente Sergipana. Pela frente é discreta, parece uma casa antiga, mas as instalações são de puro luxo, inspirada na arquitetura romana. Na entrada tem um busto de Cícero.

O Dr. Silveira é um homem atualizado. Comprou um aplicativo de inteligência artificial, no Vale do Silício, onde os discursos, textos, ensaios, e até poesia, já veem prontos, é só ctrl C, ctrl V, e se ganha tempo.

O Dr. Silveira escolheu envelhecer sob aplausos. Luta pela glória. Nada contra, só não posso assinar a moção de apoio a Elon Musk.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

terça-feira, 9 de abril de 2024

O CINEMA EM SERGIPE.


 O Cinema em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

Um dos males da cultura é o seu desenraizamento. Os eventos soltos perdem força e sentido. A última bienal de Itabaiana (2023), foi um exemplo.

No próximo 30 de abril, inicia-se em Itabaiana um “Festival Internacional de Cinema”. Isso mesmo, um evento grandioso. O festival é organizado por gente do cinema, e tem como coordenador Andrei Ferreira, membro da Academia Brasileira de Cinema.

Entretanto, o festival não tem donos, o festival é uma expressão cultural de Itabaiana.

Sei que os irmãos Lumière, inventores do cinema, estão em festa, com a força da sétima arte em Itabaiana. Quando eles exibiram o primeiro filme, “Sortie de l’usine Lumiére à Lyon”, em dezembro de 1895, lá estava o sergipano Cândido Aragonês de Faria, encarregado de produzir os cartazes.

Entre 30 de abril e 05 de maio de 2024, acontecerá o Festival Internacional de Cinema de Itabaiana. Não se assustem, é festival internacional mesmo. Tivemos 1.454 filmes inscritos, sendo 72 selecionados. Teremos filmes de 20 países. Inclusive, filmes russos, americanos e chineses.

Teremos 15 sessões de cinema durante o festival, além de oficinas, painéis, exposição fotográficas, apresentações artísticas e exposições imersivas.

O filme “O Sequestro do Vôo 375, será um dos filmes convidados, com a presença das duas produtoras.

Uma agência chinesa de cinema, exibirá os filmes premiados em três cidades da China.

Venham conhecer a força do cinema em Itabaiana. O festival ocorrerá no Shopping Peixoto, que tem sido um parceiro importante da cultura Itabaianense.

Salas de cinema em Itabaiana, existem desde a década de 1930.

Um dado relevante, todas as exibições serão gratuitas, financiadas pela Lei Paulo Gustavo.

Itabaiana tem grande tradição cultural na música e na fotografia. Chegou a vez do áudio visual. O cinema viceja em Itabaiana, com a volta do cinema de rua, e agora com esse festival internacional.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

domingo, 7 de abril de 2024

O DR. PLÁCIDO PEDE A PALAVRA.

 

O Dr. Plácido pede a palavra.
(por Antonio Samarone)

O Dr. Plácido me telefonou de Canudos, para discordar do meu texto sobre ele. Foi direto: “você foi superficial e pretensioso!” Ainda me indicou um livro recente de César Benjamin, “Além de Darwin”. No Raso da Catarina, ele compra tudo pela Amazon.

Em meu tempo, disse-me ele, a biologia, ensinada no curso básico, era parte da antiga ciência natural. O conteúdo era botânica, zoologia e corpo Humano. Teoria da evolução, citologia e genética, não se tocava no assunto.

Ainda alcancei!

 
Plácido prosseguiu: em 1859, a biologia deu uma reviravolta, que demorou chegar à escola básica.

Charles Darwin publicou a “Origem das Espécies”; Rudolf Virchow a “Patologia Celular” (“Omnis cellula ex cellula);” Claude Bernard “A propriedade fisiológica e as alterações patológicas dos líquidos dos organismos”; Félix Pouchet “O Tratado da geração espontânea, criando a famosa polêmica com Pasteur.

Plácido citou Benjamin:

“Em 1751, Lineu publicou a sua “philosophia botânica”, descrevendo 4.235 espécies vegetais e animais, admitindo poder chegar a 10 mil. Hoje, se conhece cerca de quatrocentas mil espécies vegetais e um milhão e meio de espécies animais. Cerca de 10 mil novas espécies são identificadas por ano.”

“Carlos Lineu, médico sueco, seguiu a classificação de Aristóteles, que acreditava em espécies imutáveis, criadas por Deus. As espécies eram as, mesma que desceram da Arca de Noé, no Monte Ararat (atual Turquia), depois do dilúvio.

Eu aprendi na Faculdade a medicina das espécies. Conceituada por Foucault, em seu clássico, “O Nascimento da Clínica”, que os colegas médicos ignoram.

A teoria da evolução foi uma revolução intelectual. É chocante afirmar que a fauna, a flora e a própria humanidade resultaram de um processo cego, contingente, pragmático, sem finalidade, sem moralidade, submetido ao acaso e as leis naturais.

É verdade, Galileu tirou o mundo do centro do universo e foi excomungado. Livrou-se, por pouco, da fogueira da inquisição. Darwin foi mais longe, tirou o homem do centro da criação. Somos apenas mais uma espécie, recente e efêmera.

Essa crença de que somos a imagem e semelhança de Deus é uma profunda ilusão.

“Entretanto, o pensamento não é uma propriedade da matéria. Não são apenas sinais elétricos e neurotransmissores. A biologia depois revelou aspectos da vida que não se enquadram apenas em fenômenos físico-químicos. Sem recorrer à metafísica”, acentuou o Dr. Plácido.

O Dr. Plácido prometeu que depois me apresenta as proteínas alostéricas. Fiquei curioso.

Contrariando o senso comum da medicina, “os seres vivos não são máquinas. Os organismos constroem a si; tem mecanismo de preservação e se reproduzem, seguindo um código. Também não são computadores: não há hardware, nem software, nem podem ser ligados e desligados.” - C. Benjamin.

A medicina se perdeu nessa encruzilhada.

Depois, Eu conto o resto da esclarecedora conversa com o Dr. Plácido Canuto e da leitura do livro do Benjamin.

PS – a minha profunda homenagem a Ziraldo.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - CHICO VIÚVO


 Gente Sergipana – Chico Viúvo
(por Antonio Samarone)

A história dos caminhoneiros em Itabaiana vem de longe. Em 2027, completa-se cem anos que Esperidião Noronha apareceu com o primeiro. Será o centenário! Não se chega a Capital Nacional do Caminhão sem história.

Francisco José de Oliveira (Chico Viúvo), 96 anos, se lembra de quase tudo. Foi um dos primeiros motorista de Itabaiana a dirigir na Rio Bahia (1951). Antes da BR – 235. Saia-se de Itabaiana pelo Sertão da Bahia, Jeremoabo, até Feira de Santana.

Trabalhou como motorista para muita gente: Miguel Tenente, Jason Correia, Toninho do Bar, João de Balbino. Prestou serviço na poderosa “Transportadora Sergipana”, do Itabaianense Wilson, casado com a filha de Zeca Titia.

Chico Viúvo nasceu em 25 de novembro de 1928, filho de João Calisto de Oliveira e Josefa Maria de Jesus. Logo cedo apreendeu a dirigir. A sua habilitação é de 1953, tirada em São Vicente, baixada santista.

Chico é casado com Dona Marilene, um casal com 10 filhos, todos vivos.

Hoje, perto do centenário, Chico Viúvo demonstra uma profunda nostalgia das estradas. Tem saudades! Um profissional que ajudou a construir Itabaiana.

A minha homenagem a esse grande brasileiro.

“Essa é a glória que eleva e consola.” Machado de Assis.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.