domingo, 21 de abril de 2024

FERNÃO CARRILHO


 

Fernão Carrilho.
(por Antonio Samarone)

O Dr. Thomas, oftalmologista da escola de Hilton Rocha, é um amigo que deixei em Belo Horizonte (1980/81). Colega da residência médica, na UFMG.

Mantemos contatos frequentes, pelas redes sociais.

Ontem, ele enviou-me um vídeo de “Punta del Este”, onde está hospedado. A surpresa: o vídeo é sobre um cidadão do Carrilho, vendendo castanha assada e fazendo a propaganda em versos, no Uruguai.

A castanha do Carrilho ganhou o mundo. Hoje são 4 povoados: Carrilho, Tabocas, Dendezeiro e Lagoa do Forno. Itabaiana não produz a castanha “in natura”, precisa buscá-las no Ceará e Piauí. O comerciante vai comprá-las onde se produz e repassa para os pequenos empreendedores.

No Carrilho, a castanha in “in natura” é vendida aos empreendedores locais, por de 5 reis, o quilo. Um saco de 50 kg de castanha, bem trabalhadas, resultam em 10 kg de castanhas assadas. A trabalhadora que assa e quebra, recebe cem reais por cada saco de castanha assada.

Uma curiosidade, para amenizar o calor, esse trabalho de assamento é feito geralmente pela madrugada.

Como, sem grandes plantações de cajueiros, Itabaiana se tornou o maior produtor de castanhas assadas do Brasil? Um esclarecimento: castanha assada! A castanha do Ceará é cozida em altos-fornos e autoclaves. É outro produto.

A castanha assada do Carrilho é uma herança do antigo quilombo. A castanha é colocada em bandejas perfuradas, sobre o fogo, diretamente. Em minha infância, colocávamos em bandas latas furadas.

O segredo é o ponto. O assamento deve ser suspenso no momento certo. A castanha nem pode queimar, nem ficar crua. Deve ficar em ponto de permitir quebrá-las inteiras. Depois se faz o pelamento. Tira-se a casquinha. Esse processo é todo manual, feita por peritas seculares.

O Carrilho leva o nome de uma Entradista português, Fernão Carrilho, encarregado de destruir os quilombos de Sergipe, no século XVII. Carrilho foi comandante em Palmares e Presidente da Província do Maranhão.

Mas o sucesso do negócio da castanha assada do Carrilho, além da experiência de se assar a castanha, é preciso que se encontre mercado para vendá-las. A produção se realiza no consumo.

A viabilidade da produção da castanha, deve-se aos vendedores. Gente que sai de Itabaiana em meados de novembro, com uma Van carregada de castanha assada, e só retorna depois do carnaval.

Periquito, o vendedor que o meu amigo conheceu em Punta del Este, e fez o vídeo, faz parte dessa longa cadeia produtiva da castanha assada do Carrilho.

Não existe desemprego no Carrilho. Nem pedintes.

O povoado possui água tratada, esgoto, luz elétrica, pavimentação asfáltica, casas de alvenaria bem cuidadas, praça urbanizada, com área de lazer para as crianças, escola e creche. Não se registra problemas de segurança pública, nem galinha se rouba.

Dorme-se de portas abertas!

Antonio Samarone. – médico sanitarista.

sábado, 20 de abril de 2024

ASSIM FALOU, SILVEIRINHA.


 Assim falou, Silveirinha.
(por Antonio Samarone)

O doutor Silveirinha, um miliciano de jaleco, vive com ares de vitória. Ele carrega a guerra na alma. Está preparando uma grande manifestação para a vinda de Bolsonaro a Sergipe. O Mito virá receber o segundo título de cidadania.

Silveirinha me esclareceu, não são os mesmos. Um título é de Cidadania Sergipana e o outro é de Cidadania de Sergipe.

O doutor Silveira, profetizou: “No Brasil, independente de quem esteja no Governo, os donos do Poder somos nós. Os do andar de cima. O terceiro governo Lula comprova essa tese.”

Fiquei pensando, nesse ponto, o doutor Silveirinha está certo.

O governo Lula não tem forças para enfrentar a extrema-direita. Faz concessões escandalosas ao mercado financeiro e ao neoliberalismo, para manter a governabilidade. Sem sucesso!

Por outro lado, sufoca a sua base de apoio. A classe C, que emergiu no segundo governo Lula, ainda não sentiu o aumento da sua capacidade de consumo. Os índices econômicos divulgados não se refletem em seu bolso.

A alma de Silveirinha já reencarnou fascista. Em outras gerações, ele foi um camisa negra de Mussolini. A novidade foi a adesão em massa da classe média, ressentida pela redução da renda, regalias e prestígios.

Retruquei a Silveirinha:

O PT não está enganando, o Partido nunca prometeu mudanças estruturais. A promessa foi café, almoço e janta. Só que a classe “C” quer mais, quer a picanha.

Vivemos uma escalada fascista no mundo. O neoliberalismo não tem mais o que oferecer a classe trabalhadora. A tecnologia é poupadora de mão-de-obra. Restam trabalhos precarizados. A democracia não é uma abstração. Sem alternativas, a burguesia adere ao fascismo: guerra, violência e exclusão.

O presidente da Argentina, com toda a extravagância, tem o apoio das classes dominantes portenhas. O Javier Milei está requerendo a entrada da Argentina na OTAN.

A polarização do mundo (EUA X China) marcha para a Guerra. O Brasil não manterá um pé em cada lado. O Império não vai abdicar do Brasil. A sucessão de Lula em 2026, com Trump no Governo dos EUA, será uma disputa internacionalizada. Esses ataques de Elon Musk são aperitivos.

Profetizou Silveirinha:

“Voltaremos ao poder, em 2026, pelo voto. Trump volta antes. Implantaremos a tolerância zero, aos modos da polícia de Tarcísio, em São Paulo. Os de baixo serão domados a ferro quente. Faremos julgamentos sumários nas periferias.”

Por outro lado, fazendo de conta que não enxerga a realidade, o PT tenta ser bonzinho, seduzir os que mandam, prometendo administrar o neoliberalismo, com uma face humana. As contradições são evidentes.

Eu desconheço alternativas viáveis pela esquerda. Está condenada a defender a ordem e tentar humanizar o capitalismo, como se fossem possíveis.

Os fatos apontam para a guerra, onde os dois lados possuem a bomba atômica. As pulsões destrutivas do ser humano, reveladas por Freud, estão a flor da pele.

"Os Impérios não caem por convencimento", ensina Silveirinha.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - FIO DE DEUS

Gente Sergipana – Fio de Deus.
(por Antonio Samarone).

Nunca soube o seu nome. Poucos sabem. Viveu assim em Itabaiana, prá lá e prá cá. Sempre sorridente e brincalhão. Hoje, com 76 anos, continua o mesmo.

Fio de Deus é a cara da felicidade. Nunca precisou cumprir o castigo divino, de ganhar o pão com o suor do rosto. Sobreviveu de biscates. Sempre contando vantagens. Com 1.30 de altura, se acha bonito, cheiroso, sabido e sortudo.

Nunca encontrei o Fio de Deus reclamando de nada. Se lamentando. A vida sempre foi um passeio celestial. Nunca invejou a vida dos outros.

Ninguém duvide da idade de Fio de Deus, a foto é uma prova. Ser torcedor do Vasco, comprova a sua velhice. O último menino a começar torcer pelo Vasco, fazem mais de 30 anos.

Ele é filho de Dona Gemelice, a maior doceira do Canto Escuro. Os seus manuês de puba e aipim, eram disputados. Ainda sinto o gosto de cada tirinha. Defino se um bolo presta, pela lembrança gustativa dos seus manuês!

Para os mais novos: os manuês são os pais dos bolos, bem mais saborosos. Possuem uma casca molinha, levemente tostadas, que não sei descrever o sabor. Sei que são deliciosas.

Conheço Fio de Deus desde menino. Nunca soube de nenhuma perversidade e nenhum desvio. Nunca mexeu no alheio, nem arrumou inimigos. Se a seleção para entrar no Céu for justa, ele entra.

Ontem o encontrei na Feira. Dei um abraço, perguntei por Terto, o irmão. Dona Gemelice já faleceu. Ele continua se achando uma lindeza.

Fio de Deus, ostenta uma felicidade deslumbrante.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

INCLUSÃO CULTURAL


 Inclusão Cultural.
(por Antonio Samarone)

“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.” – Titãs

A coordenação do programa “Cinema na Rua”, vai mudar o foco. Levará o Cinema para as pessoas acolhidas da Casa Santa Dulce, em Itabaiana.

São pessoas acolhidas pela caridade. Gente sofrida, desamparada, que ganharam um lar, assistência, carinho e proteção. Elas merecem a sétima arte, com direito a pipoca e refrigerante. O filme, eles estão escolhendo.

O “Cinema na Rua, dessa vez, será nessa Casa de misericórdias, na terça-feira, dia 23, as 14 horas. Estão convidados.

Sei que muitos não irão acreditar: Itabaiana não tem morador de rua. Um ou outro, recém-chegado, será acolhido. Essa é a nossa maior glória.

A Irmandade de Misericórdia, vinda de Portugal, ainda no século XVI, possuía sete compromissos: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os enfermos e encarcerados, abrigar os desamparados, resgatar os cativos e enterrar os mortos.

A Casa Santa Dulce, em Itabaiana, acresceu o acesso à cultura e a arte.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - BEROZO



 Gente Sergipana – Berozo.
(por Antonio Samarone)

Com a proximidade do centenário da chegada do caminhão em Itabaiana, resolvemos recuperar parte da memória dos caminhoneiros. Gente que empenhou a vida, na construção da cidade.

Josino Tavares dos Santos (Berozo), (91 anos), nasceu no Batula, em 23/09/1933, filho de José Álvaro dos Santos e Dona Josefa Tavares dos Santos.

Berozo começou tangendo carro de Boi. Ainda menor, foi motorista ajudante de Tonho de Chagas, e se meteu na Rio Bahia (1950). O caminhão ganhava força em Itabaiana. Timbeu, Toinho do Bar, Jason Correia, Osias Lima, Heleno Bacalhau, Irineu Gravata, entre outros.

Em pouco tempo, Berozo guiava um FNM, do cunhado, Wilson da Sergipana. Como o trabalho era informal, na saída, ele recebeu como indenização um F8, americano. Em sua casa, no povoado Pai André, ele mantém uma Scania 112, como objeto de estimação.

Segundo ele, aos 91 anos, continua na ativa no volante. Garantiu, que na próxima festa de Santo Antonio, estará na carreata da dos motoristas.

Beroso está com a memória e cognição perfeitas, fala sobre tudo, sobretudo política.

Berozo foi motorista do Coronel Euclides Paes Mendonça, com quem mantinha uma relação de muita proximidade.

O apelido Berozo, foi obra de Dedé Cachaça, delegado de quarteirão, um personagem folclórico em Itabaiana.

Berozo é casado com Dona Ubaldina Almeida Santos, e pai de sete filhos, dos quais, dois caminhoneiros. Berozo é tio do Jurista e Professor Dr. Alvino Filho.

Seu Josino Tavares, no anonimato, trabalhou dignamente, arduamente, singrando as rodovias desse país. Um brasileiro que transportou riquezas e pessoas, com uma dedicação sacerdotal.

Antonio Samarone – (médico sanitarista)

terça-feira, 16 de abril de 2024

O VELHO CORIFEU.


 O velho Corifeu.
(por Antonio Samarone)

Nos primórdios, o PT se achava um partido comandado pelas bases. Cada reunião era uma assembleia, onde se discutia os destinos da humanidade. Finalmente, a classe trabalhadora tinha encontrado um farol.

O “basismo” ideológico era uma resposta aos Partidos Comunistas, que acreditavam numa vanguarda do proletariado. Os comunistas não souberam derrotar a ditadura, pensava a mocidade revolucionária.

No PT, as discussões eram tábulas rasa, tudo começava do zero. A opinião do mais humilde e noviço militante valia tanto, como a dos velhos e cascudos líderes.

Aliás, ser acusado de intelectual, não era um defeito pequeno.

Nos encontros, as posições políticas eram antecedidas de “teses”, escritas previamente para subsidiar os debates. Uma herança marxista, da política como ciência, guiada por princípios. Qualquer polêmica, os mais puros diziam aos brados: “princípios não se negociam”. Como quase tudo era princípio, as negociações ficavam prejudicadas.

Após exaustivas discussões, aos sábados pela manhã, após centenas de inscritos, quando a confusão estava em seu auge. O último inscrito para falar, o professor Luiz Alberto, emitia o veredicto final. Que valeria até a próximo sábado, onde tudo seria reaberto.

Luiz Alberto costurava as teses mais esdrúxulas. Dava a razão a quase todos os oradores, para, no final, iluminar a todos com a verdade. Luiz era um cavalheiro. A sua fala deixava um ar de satisfação, de missão cumprida. Afinal, a tese de que trabalhador só vota em trabalhador, era quase uma certeza. Uma unanimidade.

Claro, quase tudo isso era “Mise en Scène”, que a maioria acreditava.

Hoje, o PT segue outro caminho. As discussões são outras. Fico pensando, talvez, o professor Luiz Alberto, não tivesse espaço para as suas longas e brilhantes análises de conjuntura. Quando o professor citava Marx, era um encantamento geral, a certeza da verdade.

Um antigo correligionário, me confessou que não se lembrava de mais nada, nenhum tópico, nenhum tema, nenhuma divergência mais relevantes. Nada, nada ficou das eternas reuniões matinais dos sábados. Eu fiquei calado, mas também não me lembro de muita coisa.

O mundo, o Brasil, a política e as esquerdas mudaram muito.

Saudades, dos tempos do Professor.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

domingo, 14 de abril de 2024

A SABEDORIA É UMA VERDADE NARRADA


 A Sabedoria é uma verdade narrada.
(por Antonio Samarone)

João Conrado (86 anos), é o mais antigo paneleiro do Tabuleiro dos Caboclos. Pai de Santo e Rezador. Na verdade, a sua especialidade é contar histórias, reais ou inventadas. A sabedoria vem de longe.

Imensas rodas de gente de oiças abertas, formam-se para ouvir Conrado, nos finais de tarde. Gente estropiada da labuta. As narrativas precisam de silêncio. Nem os cachorros latem. Por vezes acende-se uma fogueira.

A comunidade do Tabuleiro, quase quilombola, resiste ao massacre da informação dos Big datas, da objetividade dos algoritmos. O smartphone permite apenas a troca acelerada de informações. Não permite narrações. Atropela as empatias.

O capitalismo se apropriou das narrativas. A informação fragmentou o tempo.

O mundo de Conrado é encantado. Sua sabedoria reflete a sua experiência de vida. A narrativa precisa de tempo, paciência para escutar. A narrativa produz histórias que permitem margens para o milagre e o mistério. O cérebro é analógico.

“Narrar e escutar atentamente historias se condicionam mutuamente. A comunidade narrativa é uma comunidade de ouvintes atentos.” – Chu Han

A comunidade do Tabuleiro dos Caboclos foge da caixa preta dos algoritmos. Não sei até quando. O lado épico da verdade está em extinção. Essa gente nada tem a perder, com diz o Velho Manifesto.

Foi no Tabuleiro dos Caboclos que nasceu o futebol em Itabaiana, que, ao lado da religiosidade e do espírito desbravador dos caminhoneiros, formam um alicerce cultural.

São os últimos habitantes de um mundo encantado, que resistem a dessacralização da vida.

O fogo mítico ainda não foi extinto. Não se mija impunemente nas fogueiras.

Se a vida não puder mais ser narrada, a sabedoria entra em decadência. Ela será substituída pela “técnica de solução de problemas”, que os deslumbrados chamam de inteligência artificial.

A força das reuniões do Consulado de Itabaiana, às quintas, na Praça, consiste em manter aberto o espaço das narrativas. Estamos perdendo a paciência em ouvir calados. Os que não querem ouvir, são os coveiros das narrativas.

Conrado também exerce o papel de conselheiro. “Ouça um conselho que eu lhe dou de graça": não adianta dormir que a dor não passa.” Chico.

“A vida que se desloca de um presente para outro, de uma crise para outra, de um problema para outro, reduz-se a uma sobrevivência.” Chu Han. Uma vida desnuda.

Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, basta que nos ponhamos a narrá-lo. – Satre.

Antonio Samarone – médico sanitarista